15 Mai 2014
"O papa e as mulheres da LCWR partilham de uma compreensão profundamente sacramental do chamado a servir àqueles que estão nas margens da sociedade. Eles concordam que é no ministério junto aos pobres, doentes e vulneráveis que se toca no corpo ferido de Cristo", escreve Jamie L. Manson, editora de livros do National Catholic Reporter, 13-05-2014.
Segundo ela, "Onde parecem discordar fortemente, entretanto, é na compreensão da vida religiosa como uma forma profética de vida. Quando as religiosas tocam o corpo ferido de Cristo em seu trabalho, seus corações se rompem de uma forma que que elas são obrigadas a se defrontar com questões teológicas mais profundas. Esta experiência lhes dá olhos para ler os sinais dos tempos e reconhecer os profetas em seus meios. Dá-lhes a coragem de fazer novas e ousadas perguntas espirituais".
Jamie L. Manson é mestre em teologia pela Faculdade de Teologia de Yale, onde estudou teologia católica e ética sexual.
A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Eis o artigo.
No dia 9 de maio do ano passado, escrevi o seguinte: Para a LCWR, quanto mais o papado muda, mais ele diz a mesma coisa”.
Um ano depois, infelizmente a Congregação para a Doutrina da Fé confirmou minha suspeita.
Escrevi isso depois que o cardeal Gerhard Müller, prefeito da congregação doutrinal, anunciou que o papa recém-eleito tinha confirmado os resultados da avaliação doutrinal feita à Conferência de Liderança das Religiosas (Leadership Conference of Women Religious – LCWR).
Naquela altura, o papado de Francisco tinha há pouco chegado à marca de dois meses. Muitos viram sinais de que o Vaticano iria, em breve, passar por mudanças substantivas e que todo o caso envolvendo a LCWR iria ficar apenas na memória.
Alguns até mesmo postularam que o papa mal tinha ciência do que Müller estava fazendo. Uma vez que tivesse conhecimento do que estava acontecendo, muitos analistas disseram, ele daria um fim no escrutínio que vinha sendo feito às irmãs. Ele provavelmente iria se livrar, de uma vez por todas, do cardeal Müller, assim que desse início à limpeza na Cúria.
Mas, em vez disso, Francisco não só manteve Müller em seu posto como também o elevou a cardeal.
Alguns apoiadores da LCWR encontraram esperanças numa transcrição não oficial de uma fala que Francisco fez a membros da Conferência Latino-Americana e Caribenha de Religiosas e Religiosos – CLAR. No decurso de suas observações de improviso, o pontífice teria dito:“Vocês vão se equivocar, vão fazer bobagem, isso acontece! Talvez até vão receber uma carta da Congregação para a Doutrina [da Fé] dizendo que vocês disseram tal e tal coisa (...) Mas não se preocupem. Expliquem o que tenham que explicar, mas sigam em frente”.
O que recebeu menos atenção nesta fala, no entanto, foi a desaprovação de Francisco das “elites” espirituais de defendem uma nova forma de gnosticismo:
“A segunda é uma corrente gnóstica. Esses panteísmos. As duas são correntes de elite, mas esta é de uma elite mais formada (...) Eu soube de uma superiora geral que incentivava as irmãs da sua congregação a não rezar pela manhã, mas sim a tomarem um banho espiritual no cosmos, coisas assim. Isso me preocupa porque lhes falta a encarnação!”
Esta crítica das assim-chamadas elites soa muito semelhante à crítica de Müller feita na semana passada à LCWR:
“Não acho que exagero na questão quanto digo que as ideias futurísticas apresentadas pelos proponentes da evolução consciente não são, de fato, novas. A tradição gnóstica está repleta de afirmações semelhantes e temos visto, repetidas vezes, na história da Igreja os resultados trágicos do partilha deste fruto amargo. A evolução consciente não oferece nada que vá nutrir a vida religiosa como um testemunho privilegiado e profético enraizado em Cristo, que revela o amor divino a um mundo ferido”.
Müller manifestou sua preocupação sobre se um foco tão intenso em novas ideias tais como a de evolução consciente roubara das religiosas a “capacidade de ‘sentire cum Ecclesia’”.
A frase latina, que significa literalmente sentir com a Igreja, evoca uma frase semelhante que Francisco usou num discurso em maio de 2013 feito na União Internacional das Superioras Gerais, organização de aproximadamente 1800 líderes globais das congregações religiosas femininas.
Como relatado à época por Joshua J. McElwee, do National Catholic Reporter, Francisco disse às religiosas para “manterem suas vidas centradas em Cristo, pensarem na autoridade em termos de serviço, e que deveriam manter um ‘sentimento com a Igreja’ que encontre a sua expressão filial na fidelidade ao magistério’”.
As semelhanças entre as afirmações de Francisco e Müller demonstram claramente que os pontos da fala do cardeal estão vindo diretamente do papa.
No entanto, alguns católicos ainda querem distanciar Francisco do último ataque feito pela congregação doutrinal à LCWR, como se Müller estivesse, de alguma forma, trabalhando numa Igreja paralela que existiria fora do controle papal. Em algum momento, deveremos levar em conta que tudo o que aprendemos sobre o novo papa durante o último ano e encarar a realidade: Francisco concorda com a Avaliação doutrinal.
Em 2012, a congregação doutrinal criticou a LCWR por apresentar “temas feministas radicais” e por não promover os ensinamentos da Igreja sobre mulheres, métodos contraceptivos e casamento do mesmo sexo.
Francisco tem sido honesto sobre o seu desconforto com o feminismo. No livro de 2010 intitulado “On Heaven and Earth” [Sobre o céu e a terra], o cardeal Jorge Mario Bergoglio explicou que o movimento feminista alcançou seus objetivos quando as mulheres conquistaram o direito ao voto:
“O feminismo, como uma filosofia singular, não faz nenhum favor às pessoas que diz representar, pois ele coloca as mulheres no nível da batalha vingativa, e uma mulher é muito mais do que isso. A campanha feminista dos anos de 1920 alcançou o que queria e acabou, porém uma filosofia feminista constante não dá às mulheres a dignidade que elas merecem. Como uma caricatura, eu diria que esta corre o risco de se tornar um chauvinismo com saias”.
Os sentimentos negativos de Francisco a respeito do feminismo persistiram. Ele distorceu a luta feminina pela igualdade em sua entrevista bastante comentada “Grande coração aberto a Deus”, dada ao padre jesuíta Antonio Spadaro, em que diz:
“Desconfio de uma solução que possa ser reduzida a uma espécie de ‘machismo feminino’, porque uma mulher tem composição diferente da de um homem. Mas o que ouço sobre o papel da mulher está, muitas vezes, inspirado numa ideologia do machismo”.
Além disso, Francisco não deu sinais de que irá mudar algo dos ensinamentos que a LCWR não teria conseguido promover.
Ele tem reafirmado a proibição do Papa João Paulo II relativa à ordenação de mulheres.
Ficou em silêncio enquanto que a hierarquia filipina continuava com seus esforços para proibir a promulgação de uma lei que propunha o Estado asiático garantisse métodos contraceptivos, legislação que iria melhorar em muito a assistência médica a mulheres e crianças pobres e que prometia diminuir a pobreza bem como a superpopulação.
Ele não tomou nenhuma atitude quando o arcebispo de Uganda Cyprian Lwanga publicamente elogiou o presidente do país por aprovar uma lei extrema contra a homossexualidade, que claramente viola o ensino da Igreja Católica de proteger gays e lésbicas da discriminação.
Com palavras e precedentes como estes, devemos nos surpreender com o fato de que o Papa Francisco esteja apoiando a Avaliação doutrinal?
O papa e as mulheres da LCWR partilham de uma compreensão profundamente sacramental do chamado a servir àqueles que estão nas margens da sociedade. Eles concordam que é no ministério junto aos pobres, doentes e vulneráveis que se toca no corpo ferido de Cristo.
Onde eles parecem discordar fortemente, entretanto, é na compreensão da vida religiosa como uma forma profética de vida. Quando as religiosas tocam o corpo ferido de Cristo em seu trabalho, seus corações se rompem de uma forma que que elas são obrigadas a se defrontar com questões teológicas mais profundas. Esta experiência lhes dá olhos para ler os sinais dos tempos e reconhecer os profetas em seus meios. Dá-lhes a coragem de fazer novas e ousadas perguntas espirituais.
Como a maioria dos papas anteriores, Francisco vê a Igreja como uma voz profética para o mundo exterior, porém está sendo muito menos entusiasta com as vozes proféticas que clamam por justiça dentro da Igreja.
Bem como ele disse na União Internacional das Superioras Gerais no último mês de maio, as religiosas deveriam ter “uma atitude de adoração e serviço” e encontrar “a sua expressão filial na fidelidade ao magistério”. É uma “dicotomia absurda”, disse ele, pensar em “seguir a Jesus fora da igreja, pensar em amar Jesus sem amar a Igreja”.
O Papa Francisco acredita que as religiosas devem continuar a fazer o trabalho da Igreja, mantendo-se obediente à voz da hierarquia católica romana. Por outro lado, as religiosas acreditam que o seu trabalho e a sua fé exigem que elas permanecem radicalmente obedientes, em primeiro lugar, à voz de Deus.
O que pode parecer ser um conflito em relação ao feminismo, à cultura de guerra e à evolução consciente é, no fim das contas, uma luta cósmica a respeito da voz que as irmãs escolhem seguir.
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Hora de encarar os fatos: O Papa Francisco concorda com Avaliação doutrinal da LCWR - Instituto Humanitas Unisinos - IHU