Por: André | 25 Abril 2014
Nesta quinta-feira completaram-se os 99 anos do extermínio do povo armênio pelas autoridades otomanas, que começou em 1915 e que terminou com a vida de um milhão e meio de pessoas. A especialista Claire Mouradian (foto) explica porque alguns países não o reconhecem.
Fonte: http://bit.ly/1lNN9dF |
A reportagem está publicada no jornal Página/12, 24-04-2014. A tradução é de André Langer.
Existem grupos de extrema direita na Turquia que quiseram exterminar os armênios que restam. É o que assegurou Claire Mouradian, professora da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris e especialista no genocídio armênio. “Ainda há grupos que dizem abertamente que o trabalho não foi terminado. O genocídio não é apenas um problema do passado, é um problema atual. Há países, como os Estados Unidos, que não querem confrontar a Turquia”, defendeu. Como em cada 24 de abril, nesta quinta-feira comemorou-se em todo o mundo um novo aniversário do extermínio do povo armênio nas mãos das autoridades otomanas, que começou em 1915 e exterminou a vida de um milhão e meio de pessoas. “O não reconhecimento do genocídio armênio está relacionado com interesses econômicos e estratégicos. A Turquia é membro da OTAN, é um ator chave na região”, explicou Mouradian sobre o fato de que poucos países reconhecem o plano sistemático de aniquilação física e cultural dos armênios entre 1915 e 1923.
Estados como Argentina, Chile, Rússia e Canadá reconhecem o genocídio armênio. No entanto, outros, como Alemanha, Estados Unidos, Espanha e Israel não tiveram até agora um pronunciamento concreto. O caso mais chamativo é o do Estado de Israel, criado após o Holocausto. “Há israelenses que estão lutando pelo reconhecimento do genocídio armênio. De fato, os primeiros a prestar atenção ao genocídio armênio foram os judeus, dentro e fora do império otomano. Mas, o Estado de Israel não o reconhece, porque sua posição no Oriente Médio é complicada e existem interesses comuns com a Turquia. Isto não significa que os israelenses, ou alguns israelenses, não o reconheçam. Nem tudo é branco no preto. O mesmo acontece na Turquia”, destacou Mouradian. “Não condeno as gerações jovens, porque nos livros escolares está escrito o que o Estado quer que aprendam. Mas muitos sabem o que aconteceu. Restam igrejas armênias. Na época do império, havia quase dois milhões e meio de armênios. Estavam nas principais cidades do império. Agora há mais informação, mais debate”, acrescentou.
Mouradian, que participou este mês do Congresso Internacional sobre o Genocídio Armênio organizado pela Universidad Nacional de Tres de Febrero, assinalou que a Turquia deve assumir sua responsabilidade em relação ao ocorrido. “Os turcos tiraram tudo dos armênios e deveriam devolver tudo. Casas, bens, igrejas, contas bancárias. No Tratado de Sèvres de 1920, quando se fez uma repartição do império otomano e foram criados novos estados, condenaram-se os crimes de guerra e foi elaborada uma lista de reparação. Era uma lista precisa. Os herdeiros do império otomano não querem encarregar-se dessas dívidas”, asseverou, e disse que a Turquia não quer aceitar este legado por uma questão econômica e de imagem. “Aceitá-lo implicaria em reconhecer como foi construída a Turquia. Fizeram crer aos turcos que estão ali desde sempre e que os armênios nunca existiram. Isso é negacionismo”, acrescentou.
O genocídio armênio, em plena guerra mundial, respondeu a uma tentativa de reconfigurar um império em decadência, segundo Mouradian. “Houve diferentes tentativas de salvar o império otomano, que estava em decadência. A primeira tentativa era dar direitos iguais para quem vivia no império. Houve algumas mudanças na Constituição para reconhecer os mesmos direitos a muçulmanos e não muçulmanos. Finalmente não prosperou e o império seguiu desintegrando-se. Decidiu-se aplicar a islamização e a isso se seguiu a criação de um novo país: a Turquia. Havia armênios, búlgaros, curdos, albaneses e árabes. Tratava-se de uma criação artificial. Então, decidiram turquizar os não muçulmanos”, contou. Os armênios eram considerados o componente mais perigoso dentro do império porque – segundo a especialista – eram cristãos e tinham contato com os russos através das suas fronteiras, principal inimigo dos turcos. Além disso, devido a massacres anteriores, surgiram movimentos armados e viviam em comunidades muito compactas.
“Os armênios ocupavam um bom lugar na estrutura econômica do império, pelo que representavam um obstáculo para a turquização da economia. Mas, eram o primeiro elo. Os gregos, os caucasianos e os judeus também foram um objetivo para os turcos. Fizeram uma engenharia territorial e demográfica”, prosseguiu Mouradian. Talaat, o ministro do Interior do império, foi quem planejou o genocídio, quem vigiou povo por povo a atividade na península da Anatólia e organizou o deslocamento dos diferentes grupos. “A ideia era deslocá-los para que não constituíssem um gruo homogêneo e poder assimilá-los, convertê-los em turcos. Ao final da Primeira Guerra Mundial, a metade da população da Anatólia havia mudado”, apontou a especialista francesa de origem armênia.
Uma das consequências do genocídio foi a grande diáspora armênia. “A metade da população armênia desapareceu. Mas a consequência mais notável foi a criação de uma grande diáspora. Por isso, há armênios na Argentina, no Brasil, nos Estados Unidos, na França. É um problema para os turcos, porque para onde vão sempre há armênios. Um efeito bumerangue”, brincou Mouradian. Mesmo que os perpetradores do genocídio estejam mortos, a pesquisadora considerou que o extermínio é ainda um tema caro para os turcos. “É difícil admitir que teus ancestrais foram assassinados, que tua casa foi usurpada, que teu passado não foi tão glorioso”, reconheceu.
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“O genocídio é um problema atual” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU