27 Março 2014
Obama e Francisco são, de modos diversos, dois católicos sociais. O Obama e o Francisco que conhecemos hoje, que ascenderam às cúpulas do governo do mundo, tornaram-se tais em duas experiências profundamente sociais.
A opinião é do historiador italiano Massimo Faggioli, professor de história do cristianismo da University of St. Thomas, em Minnesota, nos EUA. O artigo foi publicado por HuffingtonPost, 26-03-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
A visita do presidente Obama ao Papa Francisco no dia 27 de março tem muito de ritual, mas não totalmente ritual. Há uma questão política, tanto para o papa quanto para Obama, e uma questão de geopolítica global do catolicismo.
A questão de geopolítica geral faz parte do momento histórico global e católico. Francisco é o primeiro papa sul-americano e, portanto, com uma visão muito particular do papel dos Estados Unidos na história mundial – uma visão substancialmente diferente da dos seus antecessores papas italianos e europeus, todos sob o guarda-chuva da Otan. Isso deriva do fato de ele ser o primeiro papa de uma parte do mundo, a América Latina, que não se beneficiou (ao contrário) com o "destino manifesto" de domínio e influência que os EUA se atribuíram desde o século XIX como nação e como povo.
A questão política, ao invés, diz respeito ao problema norte-americano do Papa Francisco e o problema católico de Obama. O problema norte-americano de Francisco deriva das camadas de oposição contra o novo pontificado, oposição em grande parte proveniente do catolicismo conservador dos EUA, que vê um papa perigosamente pacificador no fronte das "guerras culturais" que se alastraram nos EUA nas últimas três décadas.
No fundo, há a possibilidade de uma visita papal aos EUA em 2015 para a Jornada Mundial das Famílias, na Filadélfia. Mas, até agora, Francisco teve uma atitude cautelosa em relação à Igreja Católica norte-americana (mesmo que se saiba que o papa vê a questão da nomeação dos bispos nos EUA como uma das questões-chave).
O problema católico de Obama deriva da natureza da oposição republicana que ele teve que enfrentar desde o início do seu mandato e, especialmente, desde a aprovação da reforma da saúde. Para todo católico (especialmente leigos e irmãs) entusiasta da reforma da saúde de Obama, há outros tantos católicos (especialmente o bloco representado pelos bispos) que viram no governo Obama uma cultura política fortemente anticatólica, voltada a reduzir a "liberdade religiosa" dos católicos norte-americanos "forçados" pela reforma a ter um seguro de saúde e, portanto, a negociar com o seu empregador (que dá como benefício a apólice do seguro de saúde) o acesso a práticas médicas relacionadas à contracepção e ao aborto.
Obama e Francisco são, de modos diversos, dois católicos sociais (sabe-se que Obama não é católico no sentido confessional, mas é ligado à teologia protestante da libertação afro-americana). O Obama e o Francisco que conhecemos hoje, que ascenderam às cúpulas do governo do mundo, tornaram-se tais em duas experiências profundamente sociais: o "community organizer" do South Side de Chicago nos EUA reaganianos, e o bispo jesuíta nos bairros pobres de Buenos Aires, vista pelo reaganismo e pelos seus sucessores neo-con como o quintal a ser protegido militarmente da invasão comunista.
Uma vez, os teólogos católicos diziam: "A minha paróquia, vasto mundo". Tanto a paróquia da Igreja Católica de Francisco, quanto a paróquia dos Estados Unidos da América são um mundo não só vasto, mas também profundamente dividido. Se o Papa Francisco tem a sua oposição republicana dentro de uma Igreja que debate de modo aberto doutrina e pastoral do matrimônio (para os conservadores, como se ao longo da história nada tivesse mudado em termos de doutrina), Obama também está lidando com a redefinição radical do americanismo como ideologia universalista.
Os dois têm muito a dizer um ao outro.
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O problema norte-americano de Francisco e o problema católico de Obama. Artigo de Massimo Faggioli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU