24 Março 2014
"O Concílio Vaticano II chamou nossa atenção para partilhar as alegrias, esperanças tristezas e ansiedades. Tenho outra confissão a fazer. Fico cada vez mais impaciente com as queixas dos católicos americanos ricos, urbanos e com instrução, qualquer que seja a estirpe ideológica", revela Michael Sean Winters, escritor e autor de "How the Catholics Can Save the Democrats", em artigo publicado pelo National Catholic Reporter, 19-03-2014. A tradução é de Isaque Gomes Correa. Michael Sean comenta o artigo de Paul Baumann, editor do jornal americano Commonweal, de católicos leigos, em artigo publicado pela revista online Slate. O artigo de Baumann pode ser lido aqui.
Eis o artigo.
É com grande relutância que confesso ter achado o recente ensaio de Paul Baumann sobre o Papa Francisco profundamente frustrante. Baumann é um grande intelectual católico e um escritor muito melhor do que eu. Mas, nesta ocasião, receio que ele tenha sucumbido ao desejo implacável da mídia de ser do contra, de fazer um argumento contraintuitivo quando a intuição comum pode ser um guia bem melhor.
Por exemplo, ele escreve:
“Nesse sentido, a atenção excessiva dada ao papado, embora talvez seja boa para as empresas, não é boa para a Igreja. Por que não? Porque ela encoraja a ilusão de que aquilo que atinge a Igreja pode ser curado por um alguém, especialmente por um alguém novo. Em verdade, nenhum papa possui este tipo de poder, graças a Deus.”
Estas são palavras de um consultor de gestão, não de um intelectual católico. Não é uma ilusão, mas um artigo de fé, que “aquilo que atinge a Igreja pode ser curado por um alguém”, mas este alguém não é o Papa Francisco, e sim Jesus Cristo. De fato, mesmo um observador desinteressado deve reconhecer que é a capacidade sagaz deste papa em redirecionar nossa atenção para longe de si e em direção a Cristo que o faz tão revolucionário.
No caso, Baumann não é um consultor de gestão dos bons. Mesmo se restringirmos nosso olhar para apenas o que é terrestre, creio que Baumann deixa escapar aqui aquilo que parece ser um da das mais esterlinas reformas do papa: ele consulta as pessoas. Ele já formou um Conselho dos Cardeais, de todo o mundo, para operar como verdadeiros assessores papais, embora não sendo parte do tribunal papal. Já instruiu os que preparam o próximo Sínodo para consultar e consultar amplamente sobre os assuntos a serem debatidos. Já destituiu muitas das características do tribunal papal que restringia o acesso a ele, que conferia demasiado poder aos que o precediam e que o mantinham distante de tudo. O Papa Francisco parece saber que ele não pode saber tudo o que há para saber, e está indo ao encontro dos demais para solicitar seus conselhos. Outros podem estar na ilusão de que um alguém, ou um novo alguém, possa consertar todos os problemas, porém Francisco parece saber melhor.
A contrariedade e a desatenção estranha para com a possibilidade de quaisquer influências divinas persistem ao longo do artigo. Baumann assim se expressa:
“A Igreja precisa, desesperadamente, recuperar seu equilíbrio cultural e espiritual; ela deve encontrar uma densidade e riqueza de adoração e missão, além de renovar a presença pública, que muito transcendem a mera lealdade ao papa. Ao carecer de tal equilíbrio e da posse de si, a Igreja não consegue encontrar sua verdadeira voz. Mas, para encontrar sua voz, os católicos terão que se voltar não a Roma, mas em direção uns aos outros, que é onde os problemas e as soluções se encontram.”
Com certeza, as inquietações do autor são bem diferentes daquelas que mantêm acordado à noite o cardeal Raymond Burke, mas o que ambos partilham é uma visão autorreferencial da Igreja e do que a atinge. Baumann diz que a Igreja carece de “possuir a si mesma”, mas o ponto central nas exortações do Papa Francisco é nos lembrar que não pertencemos a nós mesmos ou para nós mesmos. Pertencemos a Jesus Cristo e ao que é próprio dele, os pobres. Não precisamos nos voltar uns para os outros tanto quanto precisamos nos voltar a Cristo e, então, e só então, perceber, com o canto de nossos olhos, que estamos nesta Igreja juntos.
Aproximar as diferentes opiniões da Igreja não é tarefa fácil. Mas, de novo, olhemos na lista feita por Baumann a partir daquilo que nos divide:
“Estas divisões, e as disputas que elas provocam, são tediosamente familiares. O que seria um católico ‘fiel’ pensar sobre o controle de natalidade artificial; a homossexualidade e o casamento homoafetivo; o divórcio; o sacerdócio celibatário exclusivamente masculino; a possibilidade de se escolher os bispos; o papel do laicato, especialmente o das mulheres, na mas tomadas de decisão da Igreja; a relação entre os papas e bispos; o pluralismo religioso; e os abusos sexuais praticados pelo clero e a irresponsabilidade da hierarquia? Estas e outras questões vão ao cerne da autocompreensão católica que, embora uma igreja conhecida por valorizar a disciplina e a unanimidade, continua estando profundamente dividida em todas elas. Católicos de ambos os lados de cada uma destas questões afirmam serem os verdadeiros herdeiros do Concílio Vaticano II. Todos concordam que o Vaticano II promulgou a compreensão mais importante das doutrinas da Igreja. No entanto, eles leram os documentos do Concílio em modos opostos diametralmente.”
Tal como escrevi dias atrás, creio que o papa esteja nos lembrando de que todas estas questões derivam de nossos compromissos cristológicos e que, muitas vezes, temos nos esquecido disso, sejamos da esquerda ou da direta. Sim, a esquerda e a direita leram os textos conciliares de formas diferentes e chegaram a conclusões diferentes. Todavia, o Papa Francisco parece querer nos lembrar que o que une estes vários textos conciliares foi um compromisso de seguir a Jesus de forma mais próxima e com nossos olhos abertos. Alguns veem coisas diferentes com seus olhos. Alguns preferem manter seus olhos fechados, certamente. Porém, a questão não é deixar as divergências nos cegar ao que é essencial: Estamos seguindo a Jesus?
E, como Baumann reconhece ao final de seu texto, o Papa Francisco está certamente nos lembrando de que “aquilo que vai ao cerne da autocompreensão católica” não são estas questões nostálgicas, mas sim nosso encontro com os pobres.
O Concílio Vaticano II chamou nossa atenção para partilhar as alegrias, esperanças, tristezas e ansiedades. Tenho outra confissão a fazer. Fico cada vez mais impaciente com as queixas dos católicos americanos ricos, urbanos e com instrução, qualquer que seja a estirpe ideológica. Nesta Quaresma, antes que comecemos a perguntar onde e por que nos posicionamos quanto às questões polêmicas de sexo e gênero, ou antes de começarmos a nos preocupar com as relações de poder entre o Vaticano e as igrejas locais, talvez devêssemos nos perguntar por que motivo temos encontrado, no Ocidente bem-alimentado, a prática tradicional cristã (e não apenas cristã) de jejum a ser minimizado: sem carne nas sextas-feiras, opte pela lagosta. Alguém deve estar com as prioridades equivocadas, e não acho que este seja o Papa Francisco.
Acho que a conclusão de Baumann, de que um papado de sucesso não é bom para a Igreja, esteja completamente equivocada. Penso que o interesse neste papa é algo grandioso para a Igreja, porque as coisas de que as pessoas gostam nele são aquelas que a maioria admira em Cristo. Num mundo de falsos amigos, ele é autêntico. Num mundo materialista, ele vive na simplicidade. Num mundo de orgulhosos e de batinas de pelúcia, ele é espontâneo. Num mundo de celebridades e exposições claras de poder, ele é humilde. Num mundo que gosta de se autojustificar, ele se apresenta como pecador.
O grande teólogo reformado holandês Abraham Kuyper escreveu: “Não há uma polegada em todo o domínio de nossa existência humana sobre o qual Cristo, que é soberano acima de tudo, não grite: ‘É meu!’” Baumann é um homem sábio e escritor talentoso. Por que razão ele parece tão relutante a manifestar a esperança de que o Papa Francisco está nos convidando a uma nova experiência de Pentecostes, a ouvir o Mestre dizer “É meu!”? Se realmente não acreditarmos que o Espírito movimenta a Igreja, por vezes a pesar dela mesma, então realmente por que nos importar com tudo isso? Sei que Baumann sabe a resposta. Gostaria que ele tivesse partilhado este saber com os leitores da revista Slate.