10 Fevereiro 2014
"É um relatório crucial, porque pela primeira vez uma instituição internacional de renome confirma o que denunciamos há anos. Espero que dê conforto às vítimas e coragem aos governos para investigar e processar os culpados. Mas eu não sou otimista com relação às mudanças que ele trará ao Vaticano".
A reportagem é de Paolo Mastrolilli, publicada no jornal La Stampa, 06-02-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
David Clohessy é o rosto mais reconhecido entre as vítimas dos abusos nos EUA. Ele é o diretor da Snap, a "Rede dos Sobreviventes dos Abusados por Padres", e há 20 anos vem lutando sobre o tema.
Eis a entrevista.
Você foi molestado?
Sim, por um sacerdote que se chama John Whiteley.
Quando isso ocorreu?
Entre os anos 1960 e 1970. Eu tinha 11 anos quando os abusos começaram, e duraram até quando eu tinha uns 16 anos.
Como isso aconteceu?
A minha família era católica e muito devota no Missouri, e os meus pais estavam felizes que um padre dedicasse tanta atenção aos seus filhos. Whiteley nos levava passear, a esquiar, a acampar, e durante essas viagens se aproveitava de nós.
Por que você usa o plural?
Além de mim, ele também molestou de três de meus irmãos.
Como ele justificava os seus atos?
Ele não falava a respeito, ele os apresentava como um fato normal.
E por que você não o impediu logo?
Eu tinha 11 anos. Estava confuso e assustado. Quando cresci, eu falei, e descobrimos que não éramos os únicos a ser abusados.
O que aconteceu com Whiteley?
Ele foi suspenso e transferido para outros serviços, mas não tenho certeza de que ele perdeu o hábito. A Igreja diz que não sabe onde ele está, mas eu não acredito. Certamente, ele nunca foi processado.
O que aconteceu com você e os seus irmãos depois dos abusos?
A história mais triste é a do meu irmão Kevin. Ele se tornou, mas alguns anos depois eu descobri que ele tinha sido acusado de molestar crianças.
O que ele faz agora?
Eu não falo com ele há muitos anos, mas ele ainda vive no Missouri. Ele sofreu o mesmo destino do sacerdote que nos havia abusado: afastado do serviço que o aproximava das crianças, mas não punido.
Você não acha que a pressão desse relatório e a chegada do novo Papa Francisco levarão o Vaticano a mudar?
Eu duvido. Há séculos eles se comportam assim. Francisco deu passos no governo da Igreja, mas é papa há um ano e não salvou uma única criança dos predadores que atacam todos os dias.
O que se deveria fazer?
Denunciar os culpados, julgá-los pela justiça comum e puni-los também do ponto de vista canônico. Remover os bispos que protegeram os molestadores, como o de Kansas City, Robert Finn, que foi condenado por ter escondido os culpados de abuso. Prevenir, controlando os sacerdotes e esclarecendo que esses comportamentos não serão tolerados.
Até agora, a Igreja retirou o hábito de cerca de 400 padres: não é um sinal importante?
É uma defesa legal inteligente, mas não será suficiente enquanto os culpados não forem entregues à justiça.
O que você faz hoje?
Tenho 58 anos, trabalho em tempo integral como diretor da Snap. Sou casado e tenho dois filhos, de 17 e 20 anos.
Você ainda tem fé?
Não. Meu filho mais velho, no entanto, estuda em uma universidade católica, e eu fico feliz que ele tenha tido a liberdade de fazer essa escolha, sem se deixar condicionar pelo meu horror.
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''A Igreja deve denunciar os abusadores. Só assim haverá uma mudança real'' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU