Por: Jonas | 27 Janeiro 2014
“O Papa caminha passo a passo, tem clareza da meta: que a Igreja, a comunidade cristã, transpareça para o mundo de hoje a mensagem fundamental de Cristo, a fraternidade humana que é preciso que seja estendida para todo o mundo, uma exigência da paternidade de um Deus que nos quer como filhos. Essa meta, longe de ser utópica, deve se tornar motivação efetiva de uma prática que toca a todos nós implementar, começando pelo próprio Papa”, escreve o jesuíta José Aldunate, professor de moral, em artigo publicado por Reflexión y Liberación, 10-01-2014. A tradução é do Cepat.
Eis o artigo.
Nós católicos dizemos que o papa Francisco “como Papa” preside, de alguma forma, a Igreja. E a Igreja é a comunidade de fiéis que segue Jesus Cristo, o Profeta de Nazaré que viveu vinte séculos atrás e morreu em uma cruz. Para entender melhor a mensagem papal é preciso levar em consideração que a chegada do papa Francisco coincide com uma virada que Igreja está assumindo em sua fé e em sua mensagem. Essa virada foi empreendida pela Igreja no Concílio Vaticano II (1962 a 1965). Porém, recentemente, está se atualizando, 50 anos depois.
Fonte: http://goo.gl/VuHMXZ |
A Igreja é constituída por duas categorias de fiéis, os clérigos (Papa, bispos e sacerdotes) e os fiéis leigos. A Igreja é fundamentalmente o “Povo de Deus”, é uma só categoria. Todos nós, batizados, somos igualmente filhos de Deus e compomos a Igreja. Nela, os clérigos assumiram tarefas ou ministérios. Esses não os colocam em uma categoria de autoridade a não ser na do serviço, pois estão a serviço do Povo de Deus. No Evangelho, quando lavou os pés de seus discípulos na última ceia, Jesus apontou de forma muito clara como se deve exercer esse serviço.
Quis o próprio Papa assumir a causa do “Povo de Deus” e, sobretudo, dos mais pobres e excluídos deste povo de Deus. Isso implica, de certa maneira, em uma verdadeira revolução dentro da Igreja.
O tempo é propício para essa “revolução”. Por um lado, a Igreja passava por certa crise em seu prestígio. Porém, sobretudo, porque os tempos mudaram e a estrutura antiga da Igreja já não podia se conservar. E, providencialmente, foi nomeado papa um latino-americano com tudo o que este fato implicava. E Jorge Mario Bergoglio nos revelou uma personalidade excepcional, forjada entre os jesuítas, exercitada em uma pastoral diocesana como bispo, ilustrada pela “opção pelos pobres”, própria de uma Teologia da Libertação, e cultivada em terras latino-americanas.
Nós, cristãos, não vemos nesta “revolução” uma mera adaptação aos tempos. Para nós, para as comunidades cristãs é um retorno às nossas raízes, um reencontro com nossas raízes, com a mensagem de Jesus Cristo nos evangelhos: “felizes os pobres... deles é o Reino dos Céus”. É impossível calcular, pressentir, o que significará efetivamente esta revolução nas estruturas e vida das igrejas.
O papa Francisco ainda nos surpreenderá muitas vezes com atitudes e declarações. Sua recente Exortação Apostólica Evangelii Gaudium é uma dessas surpresas. Contudo, não se trata de medidas loucas, o Papa caminha passo a passo, tem clareza da meta: que a Igreja, a comunidade cristã, transpareça para o mundo de hoje a mensagem fundamental de Cristo, a fraternidade humana que é preciso que seja estendida para todo o mundo, uma exigência da paternidade de um Deus que nos quer como filhos. Essa meta, longe de ser utópica, deve se tornar motivação efetiva de uma prática que toca a todos nós implementar, começando pelo próprio Papa.
Há uma norma do bem e do mal ético, ditada por nossa fé em Deus e nosso compromisso com seu projeto, que busca para os homens uma fraternidade na igualdade e na solidariedade. É bom o que pudermos fazer para nos aproximarmos desse ideal. O Papa não reduz esse imperativo da busca da fraternidade ao plano econômico e mesmo social, mas esse imperativo certamente abarca esse plano. Assim, compreendemos as frases que pronunciou a esse respeito.
53. Assim como o mandamento “não matar” põe um limite claro para assegurar o valor da vida humana, assim também hoje devemos dizer “não a uma economia da exclusão e da desigualdade social”. Esta economia mata. Não é possível que a morte por causa do frio de um idoso sem abrigo não seja notícia, enquanto o é a queda de dois pontos na Bolsa. Isso é exclusão. Não se pode tolerar mais o fato de se jogar comida no lixo, quando há pessoas que passam fome. Isto é iniquidade.
O ser humano é considerado, em si mesmo, como um bem de consumo que se pode usar e depois jogar fora. Assim teve início a cultura do “descartável”, que aliás chega a ser promovida. Já não se trata simplesmente do fenômeno de exploração e opressão, mas de uma realidade nova: com a exclusão, fere-se, na própria raiz, a pertença à sociedade onde se vive, pois quem vive nas favelas, na periferia ou sem poder já não está nela, mas fora. Os excluídos não são “explorados”, mas resíduos, “sobras”.
A rejeição à economia liberal é total. Não por razões econômicas, com as quais se costuma autojustificar, mas porque permite a pobreza. Revela-se como falso o famoso princípio: se cada um busca seu próprio proveito, uma mão providencial invisível converte tudo no bem comum. E, de fato, o mundo atual não representa uma imagem de “bem comum”.
O Papa não se exime de analisar a economia liberal ou seus alcances e limitações. Ele constata seus efeitos, a tremenda pobreza regional e mundial, as injustas desigualdades.
Por isso, seu empenho não é alimentar uma causa, mas mobilizar a Igreja, mobilizar as bases para enfrentar as necessidades reais provenientes da pobreza no mundo. O Papa convida os cristãos para uma mobilização geral, para saírem de suas fronteiras defensivas, do mundo de seu egoísmo e instalação. Para levar a sério o Evangelho de Cristo; o desprendimento dos bens próprios, em suas diversas formas, em benefício dos demais.
O papa Francisco, na medida do possível, oferece-nos o exemplo.
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O papa Francisco e suas declarações em matéria de economia e sociedade - Instituto Humanitas Unisinos - IHU