14 Janeiro 2014
Para o antropólogo Alexandre Barbosa Pereira, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a forte reação contra os rolezinhos deu aos eventos uma nova proporção, com contornos de manifestações políticas. Membro do grupo interdisciplinar O Ser Humano e sua Inserção Social, Pereira concedeu entrevista, por telefone, ao jornal Zero Hora, 14-01-2014.
Eis a entrevista.
O que esses jovens pretendem com os chamados rolezinhos nos shoppings?
É muito mais um espaço de encontro, de azaração, de paquera, em um local de prestígio da nossa sociedade, que é o shopping center. A motivação é essa. Agora, indiretamente, inclusive pela reação que teve a esse evento, a gente pode pensar em uma série de recados que eles estão deixando sobre a desigualdade da sociedade, um preconceito muito forte de classe, de raça, e, por outro lado, de certa forma, um pouco essa cidadania pautada só no consumo.
Por que os comerciantes se sentiram amedrontados com esses passeios coletivos?
Sempre existiram encontros de jovens em shoppings, inclusive estão circulando imagens de estudantes de Economia da Universidade de São Paulo fazendo uma bagunça, tranquilos. Essa reação me parece que começa por três fatores. Um é de classe – são jovens pobres –, o segundo é de cor e raça, e o terceiro é justamente porque são jovens, são adolescentes. E acho que há um problema na nossa sociedade de lidar com a juventude. A grande questão é que, se fossem jovens de classe média, certamente não seria a polícia que seria acionada. Seria criada outra solução. Como são jovens da periferia, a polícia foi usada como elemento de autoridade e com a imposição de uma certa força sobre eles.
Na sua opinião, a ação da polícia foi desmedida?
Se a gente for olhar tudo o que está sendo tratado como tumulto e correria, sempre começa após a ação da polícia – essa ação desmedida de força policial. Eu me pergunto se o mesmo aparato de força e até a agilidade que a Justiça teve para soltar liminar impedindo o direito de ir e vir seria usado se um jovem estivesse sendo baleado na periferia onde eles moram. Isso é uma questão de pensar os valores da nossa sociedade. Estão dando mais importância aos bens, ao consumo, ao patrimônio do que à própria vida das pessoas. Inclusive, essa ação da polícia pode colocar em risco outras pessoas que não estão no rolezinho, com balas de borracha, essas coisas. E essa ação acabou até potencializando o evento.
Há rolezinhos sendo organizados agora em repúdio à repressão, inclusive com apoio de outros setores da sociedade.
É interessante ver que (os rolezinhos) vão gerando consequências. Estamos caminhando para uma consequência mais política do rolezinho, o direito a estar na cidade. Há vários casos que acontecem isoladamente, que não tomam essa proporção. De certa forma, esse grupo, em massa, traz como consequência uma repercussão maior, mas o racismo é cotidiano, o preconceito de classe existe cotidianamente nesses pontos de prestígio onde está a classe média alta.
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“Se fossem de classe média, não seria caso de polícia” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU