ONU sugere foco em outro gás 'vilão', o N₂0

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17 Dezembro 2013

Não só de CO2 alimenta-se a mudança do clima. O óxido nitroso (N2O), um gás emitido quando as práticas agrícolas são ineficientes, na queima de florestas e em alguns processos industriais, é o terceiro mais poderoso gás-estufa na atmosfera, além de ser o principal vilão do enfraquecimento da camada de ozônio. A má notícia é que suas emissões poderão dobrar em 2050. A boa notícia é que algumas ações práticas podem reduzir seus estragos rapidamente.

A reportagem é de Daniela Chiaretti, publicada no jornal Valor, 16-12-2013.

O N2O é um gás que existe naturalmente na atmosfera. É produzido pela ação de bactérias no solo e nos oceanos, mas suas concentrações vêm aumentando desde a Revolução Industrial em função de atividades humanas. É aí que está o perigo. Trata-se de um subproduto da fertilização de lavouras com produtos à base de nitrogênio, do tratamento de esgotos, de queimadas e de processos industriais, e é considerado hoje o gás que mais prejudica a camada de ozônio - aquela que protege os seres vivos do excesso de raios ultravioletas emitidos pelo Sol. Alguns gases, como os HFCs (usados em aparelhos de ar-condicionado e freezers) e o N2O tornam a camada de ozônio na estratosfera mais rarefeita - o que pode aumentar os casos de câncer de pele no mundo.

O óxido nitroso é um gás de duplo dano. Além de prejudicar a camada de ozônio, é também um poderoso gás do efeito estufa. É o terceiro no ranking da mudança climática, depois do CO2 e do metano. Estudos mostram que uma tonelada de N2O tem impacto equivalente, na atmosfera, ao de 300 toneladas de CO2. Leva 120 anos para sumir da atmosfera.

Um estudo do Pnuma, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, lançado na conferência do clima de Varsóvia, na Polônia, em novembro, indica que medidas de mitigação na emissão desse gás poderiam trazer benefícios estimados em US$ 160 bilhões anuais em diversos setores econômicos.

O relatório "Drawing Down N2O to Protect Climate and the Ozone Layer" (algo como "Reduzindo o N20 para proteger o clima e a camada de ozônio") foi produzido por pesquisadores de 35 instituições no mundo. Uma das conclusões do relatório é que custaria US$ 12 bilhões ao ano para melhorar em 20% a eficiência no uso de fertilizantes com nitrogênio. Isso seria conseguido com tecnologia e capacitação. O esforço, na outra ponta, economizaria US$ 23 bilhões ao ano em gastos excessivos com fertilizantes.

Pelo menos dois terços das emissões de N2O vêm do setor agrícola. "Isso tem a ver com a forma como fazemos agricultura no mundo", disse Achim Steiner, diretor-executivo do Pnuma, no evento de lançamento do estudo, durante a conferência do clima em Varsóvia. "É preciso disseminar mais práticas de agricultura sustentável", recomendou. As emissões vêm do uso de fertilizantes, estrume e resíduos de colheita.

Usinas de carvão são outra fonte importante de emissão, além de transportes e a produção de ácidos industriais usados na fabricação de plásticos. O N2O também aparece na queima de florestas, no uso de madeira para cozinhar em fornos ou aquecimento. O gás também é emitido no tratamento de esgotos.

Com a utilização de práticas melhores em todos esses casos seria possível não só reduzir a emissão do N2O, como conseguir ganhos na produção de alimentos e em eficiência energética.

O relatório do Pnuma recomenda que a utilização de fertilizantes com nitrogênio seja feita de maneira mais eficaz para evitar perdas. O uso em excesso também contamina o solo, os rios, os lençóis freáticos e causa impacto nos oceanos.

O potencial de redução dessas emissões, segundo o estudo do Pnuma, poderia ser de 26% em 2020 e 57% em 2050, comparando-se com o cenário em que nenhuma medida prática for tomada. Nesse caso, as emissões cresceriam 83% entre 2005 e 2050.

A emissão do N2 começou a aumentar nos últimos anos e ameaça as conquistas já obtidas no Protocolo de Montreal, acordo internacional criado nos anos 80 justamente para banir substâncias que afetavam a camada de ozônio e substituí-las por outras.

O tratado internacional é tido como um dos mais exitosos do multilateralismo, mas não regulamenta as emissões de N2O. Em junho, os presidentes Barack Obama e Xi Jinping estabeleceram um acordo de cooperação para diminuir a produção e o uso de hidrofluorocarbonetos (HFCs).

Os Estados Unidos são os maiores consumidores (em geladeiras e aparelhos de ar-condicionado) e a China, os maiores produtores - ao lado da Índia. A decisão pode evitar a liberação de 90 gigatoneladas de CO2 equivalente até 2050. "Pode ser algo de impacto gigantesco", disse em Varsóvia Todd Stern, o chefe dos negociadores americanos.

"A proposta do Pnuma é do tipo em que todos ganham", disse Steiner. Reduzir a emissão de N20 poderia produzir um impacto, na mudança do clima, equivalente à metade da emissão de gases-estufa de todos os carros no mundo. "Decisões nesse tópico podem contribuir também com a economia verde, de baixo carbono" prosseguiu.

Remover subsídios que encorajam o uso excessivo de fertilizantes nitrogenados poderia ser uma forma de agilizar esse processo, ao mesmo tempo em que políticas públicas poderiam criar incentivos para a adoção de melhores práticas agrícolas. Criar metas de redução nessas emissões também poderia impulsionar o processo, segundo o relatório.

O estudo também diz que reduções poderiam ser obtidas com cortes no consumo de carne, principalmente em países "onde o consumo de proteínas já está acima das necessidades". Sobre esse tópico, Steiner lembrou que nasceu e se criou no Brasil adorando carne. "Mas não preciso comer carne todos os dias," disse. Mas o diretor-executivo do Pnuma deixou claro que "a ONU não vai falar sobre se as pessoas devem ou não comer carne. Essa é uma opção pessoal".