25 Novembro 2013
A Igreja é sempre tentada a se tornar uma seita, separada do "mundo". Ai de nós se seguimos as nossas intolerâncias culturais ao invés do mandamento do Senhor.
A opinião é do jesuíta italiano Silvano Fausti, doutor em fenomenologia da linguagem pela Universidade de Münster, Alemanha, que vive há anos na periferia de Milão, dedicado aos problemas da marginalização. O artigo foi publicado na revista Popoli, dos jesuítas italianos, de novembro de 2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
"Levanta-te, Pedro, imola e come" (Atos 10, 9-23)
Nas suas viagens apostólicas, tardias e raras, Pedro se aloja onde dá. Agora ele está em Jaffa, junto de Simão, o curtidor, com casa em mar aberto. Está facilmente encontrável. O seu "perfume", para Deus mais adorável do que todo incenso, pode ser sentido por cada nariz pagão e cristão.
A tríplice visão de Pedro, que segue o anúncio a Cornélio, é necessária. Caso contrário, o chefe dos apóstolos nunca teria ido ao encontro de um pagão. Nem nunca teria entendido o cristianismo! Deus está em ação onde não suspeitamos. Amor de mãe/pai pelos seus filhos, ele está presente onde há maior necessidade. Através dos distantes, ele chama a nós, vizinhos, a entender quem ele é e quem somos nós. Jesus, o Filho que conhece o amor do Pai, veio para salvar a todos, começando pelos excluídos.
A Igreja não é autocentrada: ela não chama os homens a entrar, mas é chamada para sair ao encontro de todos. Não são os outros que se adaptam a nós, mas nós a eles. A Igreja não é um ovil, onde são fechadas as ovelhas para ordenhá-las, tosquiá-las e destiná-las ao "sacro abate". Jesus as tira para fora de todos os recintos religiosos. E são tantos! Ele faz delas um rebanho que ele conduz às pastagens da vida. E a vida do homem é a liberdade dos filhos de Deus. Ele é pastor porque é Cordeiro que expõe, dispõe e depõe a própria vida pelas ovelhas (cf. Jo 10, 1ss). Até Pedro irá aprender a apascentar o rebanho com o mesmo amor que o seu Senhor teve por ele (Jo 21, 15ss).
Pedro, faminto, entra em êxtase. Está "fora de si", como Adão quando dele nasce Eva, como Abraão quando se alia com Deus (Gn 2, 21; 15, 12). Ele vê um vaso, como uma toalha, que contém cada criatura. É o útero materno de Deus: de lá tudo nasce e ali tudo se alimenta e vive. Ele desce do céu e é assunto ao céu, como Jesus. O universo é criado por meio do Filho, em vista d'Ele e n'Ele (Col 1, 15ss), vida de tudo o que existe (Jo 1, 3b-4a).
A voz do Pai – seu único rosto na terra é o Filho que o escuta (Mc 1, 11; 9, 7) – prescreve a Pedro para fazer o que ele está fazendo. "Imola e come". Pedro está "matando" os pagãos, para fazer deles piedosos judeus como ele. A sua relutância em "comer" é compreensível: eles permanecem no seu estômago. Não pode digerir as diferenças culturais. Deus, ao contrário, as ama. Faz-nos diferentes para que a diversidade seja lugar de comunhão. Se aceitarmos o outro de nós, aceitamos Ele, "o não outro de cada outro", e nos tornamos como Ele, amor que aceita a todos.
Pedro não quer ir ao encontro dos pagãos. Obedecer à voz de Deus é uma agonia para ele, como para Jesus no horto (cfr. At 10, 21 com Jo 18, 4s). Jesus reza e sua sangue para passar da sua vontade à vontade do Pai. Mas Pedro, ao invés, declara por três vezes que nunca fará o que Deus manda. Ele será obrigado pelos fatos. Ai de nós se nos fechamos em ideias teológicas, ritos e direitos. Não é importante ser judeu – leia-se "cristão" – ou pagão. Deus é Pai de todos e opera em todos. Aceitando o pagão, eu aceito a sua identidade de Pai e a minha de filho, enviado a testemunhar o seu amor para todos.
A Igreja é sempre tentada a se tornar uma seita, separada do "mundo". Em vez de criticá-lo para assimilá-lo a nós, devemos entrar como hóspedes na sua casa. Assim fez o Filho conosco. As dificuldades de Pedro para superar os seus "tabus" com relação a um romano eram, até poucos meses atrás, as mesmas do Vaticano para aceitar o mundo atual, diferente da Igreja como um pagão de um bom judeu da época. Os preconceitos culturais são mais fortes do que qualquer fé. São os próprios olhos com os quais avaliamos tudo: são valores inegociáveis. Um exemplo: o santo rei Davi foi perdoado por ter assassinado Urias para roubar a sua mulher. Mas se ele tivesse comido uma costela de porco, teria sido um ímpio renegado. Ai de nós se seguimos as nossas intolerâncias culturais ao invés do mandamento do Senhor.