16 Novembro 2013
"Seja de maneira consciente ou inconsciente, membros daquele um por cento fazem-se de deuses usando a dominação para construir o império. O um por cento radicaliza sua cumplicidade com esse sistema injusto mantendo seu status divino, que os separa das preocupações da maioria das pessoas", escreve Susan Wilcox, diretora da pastoral universitária no campus do Brooklyn do St. Joseph College e ativista do Occupy Catholics, em análise do livro Occupy Religion: Theology of the multitude, de Joerg Rieger e Kwok Pui-lan. O artigo foi publicado por National Catholic Reporter, 07-11-2013. A tradução é de Gabriel Ferreira.
Em Occupy religion: Theology of the Multitude, os autores Kwok Pui-lan e Joerg Rieger procuram transmitir o “poder subversivo e transformados do Deus encarnado” que opera em meio à desigualdade de renda do século XXI. Pense nisso como uma Teologia da Libertação 2.0.
Fiel à teologia que propõe, o livro não assume uma visão descendente mas, ao invés disso, observa como o divino emerge a partir de baixo. Os autores fornecem uma ocasião para a nossa própria reflexão, ressonância e participação. Devido ao fato de que muito de seu conteúdo é experiencial, leitores sem um conhecimento teológico prévio encontrarão linguagem e ideias acessíveis. Tendo participado do movimento Occupy Wall Street em Nova Iorque com outras pessoas de fé, achei a leitura uma útil articulação da minha experiência, tanto histórica quanto teologicamente.
Começando pela propagação mimética do Occupy Wall Street em 2011, o livro reconta os eventos do movimento durante seus primeiros meses, destacando a experiência das comunidades de fé em várias cidades. Isso é em si mesmo, revigorante, já que a participação das pessoas de fé tem sido negligenciada em grande parte da cobertura das mídias de massa, ainda que tenha sido a Catholics United que providenciou o famoso “bezerro de ouro”, semelhante ao touro de Wall Street, assim como a primeira barraca permitida no Zuccotti Park de Nova Iorque era parte das celebrações do feriado judeu do Sukkot.
Rieger e Pui-lan assumidamente fundam seu quadro teórico teológico na luta de classes. Os autores argumentam que o império cooptou nossa visão de Deus. Nossa visão de mundo teológica dominante é a de Deus no topo de uma estrutura escalar. Estabelece o um por cento como o ideal para o qual todos devem lutar, com projetos de caridade para os “menos afortunados” servindo para glorificar a natureza compassiva do império.
Uma teologia da multidão requer primeiramente a conscientização de que o capitalismo neoliberal potencializado produz intencionalmente uma elite rica. Seja de maneira consciente ou inconsciente, membros daquele um por cento fazem-se de Deuses usando a dominação para construir o império. O um por cento radicaliza sua cumplicidade com esse sistema injusto mantendo seu status divino, que os separa das preocupações da maioria das pessoas. Em minha própria experiência nos círculos católicos do Occupy, havia uma resistência em articular uma relação condicional entre Deus e as pessoas ricas. Mas Rieger e Pui-lan afirmam bravamente que essa estrutura cria uma relação condicional entre Deus e os excessivamente ricos. O um por cento não pode estar em uma correta relação para com Deus sem estar em uma correta relação com a totalidade dos amados por Deus. Não há fugas espirituais para os ricos nessa teologia.
Essa é admitidamente a perspectiva da maioria dos cristãos, extraída de algumas novas fontes, ao menos para nós nos Estados Unidos. De especial interesse é que ao usar a palavra “multidão”, os autores estão fazendo uma derivação da Teologia da Libertação coreana, ou teologia minjung, que significa “massa de pessoas”. A teologia Minjung foca na experiência de classe em sociedade como um produto da construção da distribuição do acesso ao poder pelo império. A classe média funciona como uma barreira protetora entre os muito ricos e os muito pobres, mas em um modelo econômico insustentável, os sistemas baseados em crescimento dos ricos são forçados a drenar as oportunidades tanto da classe média quanto dos pobres. Quando o Occupy aponta para isso com o slogan “Nós somos os 99 por cento”, Rieger e Pui-lan descrevem como uma visão de mundo teológica descendente auxiliou o um por cento na notória “guerra de classe”, em um esforço para trazer a classe média em sua defesa. A classe média tem sido condicionada a pensar que seus interesses estão ligados à ascensão, tanto econômica quanto espiritualmente.
Em contraste com essa subida, os autores mostram que a uma “solidariedade profunda” está acontecendo, uma espécie de descida ao nível mais profundo da alma, enquanto as pessoas ao redor do mundo estão cada vez mais se identificando com as experiências de opressão vividas por outras. De Cairo a Barcelona e a Detroit, nosso destino está conectado por compartilharmos o mesmo planeta.
O que falta a esse livro é uma discussão do anseio por uma solidariedade inter-geracional que observei entre os jovens ativistas do Occupy. Os jovens ocupadores expressavam frequentemente um profundo desejo por autênticos anciãos que pudessem ajudá-los a entender as raízes históricas de seus esforços e guiá-los através dos pontos-cegos e possíveis erros que poderiam resultar da falta de experiência de vida. Lideranças indígenas e religiosas de movimentos de direitos civis preencheram, por vezes, essa lacuna, mas a tentativa de conectar os mais velhos com a próxima geração frequentemente experimentou dificuldades, ironicamente, porque vivemos numa estrutura social projetada para represar a sabedoria a menos que ela possa ser mercantilizada.
Essa é uma leitura recomendada para pessoas de fé que estão interessadas em, como diz o slogan do “Occupy Love”, “Criar o mundo mais bonito que nossos corações podem conceber”.
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Teologia dos autores é fundamentada na luta de classes - Instituto Humanitas Unisinos - IHU