17 Setembro 2013
Se todas as épocas conhecem mudanças importantes, os séculos III a VI são verdadeiramente uma idade de transição e, portanto, precisam de atenção particular. Até porque ocorreram mudanças de primeira importância, que dizem respeito à cultura profunda e ao imaginário coletivos.
A análise é da historiadora italiana Marina Montesano, professora da Universidade de Gênova e de Messina. O artigo foi publicado no jornal Il Manifesto, 05-09-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
As periodizações, como se sabe, não são categorias naturais e universais. Elas nascem por exigências culturais e são específicas a determinados momentos históricos: o conceito de Idade Média nasceu no âmbito da cultura humanístico-renascimental e conheceu desenvolvimentos e articulações da idade da Reforma até ao menos o século XIX romântico, enquanto a expressão Renascimento foi cunhada pelo historiador francês do século XIX Jules Michelet.
Entre essas periodizações, a da chamada "idade tardo-antiga" é relativamente nova, gerada pela exigência de focalização a atenção em um momento histórico no qual o Império Romano viveu uma série de mudanças epocais: a difusão do cristianismo, em primeiro lugar, mas também a divisão entre pars occidentis e pars orientis, o declínio de Roma em favor de Constantinopla, a crise econômica, o encontro/confronto com os bárbaros.
Se todas as épocas conhecem mudanças importantes, parece, em suma, que os séculos III a VI são verdadeiramente uma idade de transição e, portanto, precisam de atenção particular. Até porque, juntamente com as mudanças acima mencionadas, chegaram outras talvez mais sutis, mas obviamente de primeira importância, que dizem respeito à cultura profunda e ao imaginário coletivos.
A relação com o dinheiro e com a morte, dois temas diferentes, embora às vezes correlatos, estão entre os temas que conheceram uma mudança radical na cultura da idade tardo-antiga em conexão com a difusão do cristianismo.
O pauper medieval
Uma obra monumental, que ainda deve ser traduzida ao italiano, foi dedicada à relação entre a sociedade e a riqueza por Peter Brown, alguém que – mediante seus estudos – contribuiu largamente para inventar o próprio conceito de tardo-antigo.
Through the Eye of a Needle: Wealth, the Fall of Rome, and the Making of Christianity in the West, 350-550 AD (Princeton University Press, 806 páginas) nos ajuda a compreender como os conceitos de riqueza e de pobreza sofreram uma mudança profunda com a afirmação da fé cristã, não porque ela tenha envolvido uma redistribuição dos bens e uma reviravolta no sentido da igualdade dentro da sociedade romana (na qual, de modo muito semelhante à contemporaneidade, cerca de 10% da população detinha 90% da riqueza), a partir do momento em que as doações exigidas com força pelos líderes espirituais da época, de Agostinho a Jerônimo e Ambrósio, acima de tudo, iam para o financiamento das instituições religiosas: que, depois, reforçavam a própria posição, gerindo-as também para as obras de caridade.
A mudança estava sobretudo no fato de que, à luz da nova filosofia cristã, à riqueza e à pobreza era agora atribuído um significado moral, impossível de evitar à luz da pregação de Jesus e daquela imagem e forte e imprescindível que é retomada pelo título do livro de Brown. Sem esquecer, no entanto, que riqueza e pobreza não são conceitos objetivos, dados de uma vez por todas, razão pela qual podia acontecer que riquíssimas matronas como Melânia se fizessem "pobres" peregrinas ao empreender a viagem a Jerusalém.
É uma mudança testemunhada também pela língua: o pauper medieval não é tanto nem só o "pobre", no sentido daquele que carece de bens materiais, mas é sobretudo o inerme, aquele que não é capaz de se defender. A escolha de pobreza operada por São Francisco foi precisamente esta: ser inerme entre os inermes, antes ainda que pobre de riquezas materiais. O valor do livro de Peter Brown está sobretudo em saber captar e contar ao leitor com clareza e eficácia as nuances de uma mudança que foi, sim, epocal, embora não na aparência.
Não é por acaso que sobre o tema da pobreza apostólica foram produzidas em época não apenas medieval polêmicas dilacerantes no seio da Cristandade. Com Through the Eye of a Needle chegamos, em suma, a compreender como e por que a sociedade cristã ocidental e a Igreja fizeram, sobre o tema da riqueza, aquelas escolhas que os movimentos heterodoxos dos séculos posteriores julgariam como uma negação da mensagem evangélica.
Outro grande tema caro aos estudiosos do tardo-antigo é o da morte e da relação entre vivos e mortos. O próprio Brown dedicou a ele páginas essenciais, principalmente no que se refere ao culto dos santos. No mundo antigo, o além era imaginado como um lugar escuro e terrível. Por esse motivo, a descida dos heróis aos infernos – em busca de revelações – era a prova suprema a enfrentar, enquanto se conheciam festividades e rituais que tinham como escopo manter distantes as sombras dos defuntos que podiam voltar.
O advento dos cultos mistéricos no mundo grego e depois em Roma subverteram essa concepção, configurando uma imagem menos tétrica do submundo. Uma revolução que chegou a cumprimento com o cristianismo, no qual o além é o lugar em que se realiza a justiça divina, enquanto o mundo em que vivemos não é senão a imagem ofuscada da verdade.
Os mortos, no mundo cristão, não estão isolados em cidades pensadas, idealizadas e construídas para eles, "necrópoles": eles são reunidos em "dormitórios" (esse é o significado dos termos de origem grega "catacumba" e "cemitério"), a partir do momento em que a morte é apenas uma hibernação temporária que se concluirá com a ressurreição de todos segundo a promessa do Cristo Salvador.
Portanto, os cemitérios estão nos lugares habitados: os mortos são enterrados nas igrejas ao redor delas: e esse é um costume tão profundamente enraizado que a prática higiênica de origem iluminista que daria origem novamente a "necrópoles" neopagãs, em um primeiro momento, foi combatida na Europa no início do século XIX.
Máscaras e fé
Os primeiros cristãos tinham tomado do mundo pagão a prática do refrigerium, relembrada nos epitáfios e nas catacumbas. O termo podia indicar, de vez em quando, o banquete funerário, a recordação alegre dos mártires, as celebrações em honra dos defuntos, mas também a possibilidade de rezar pelas almas a fim de obter-lhes a paz.
The Face of the Dead and the Early Christian World (organizado por Ivan Foletti, Ed. Viella, 192 páginas) é uma coleção de artigos, fruto de um congresso realizado em Brno no ano passado, em que o tema da relação entre os vivos e os mortos foi investigado a partir da representação dos rostos dos defuntos.
Representar pictoricamente o rosto do morto era uma técnica, um instrumento da recordação típica da idade antiga que se manteve também na idade posterior, mesmo perdendo, gradualmente, as características realistas e passando a indicar cada vez mais as qualidades morais do defunto: uma mudança, além disso, alinhada com a afirmação da fé cristã. Mas, nesse caso, também se trata de uma mudança que só é captada compreendendo uma série de nuances: que, também nesse caso, os diversos autores são excelentes em captar, às vezes recorrendo também a comparações interessantes, como a com o mundo chinês antigo, sobre o qual Ladislav Kesner reflete nas páginas finais do livro.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Pobreza, riqueza e morte: a evolução dos conceitos na história. Artigo de Marina Montesano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU