11 Setembro 2013
"Falar da importância do pobre, da solidariedade com os pobres... isso vem do Evangelho. A teologia da libertação apenas lembrou tudo isso, não o criou: está no Evangelho! E o papa é muito evangélico". A afirmação é de um dos fundadores da teologia da libertação, o padre Gustavo Gutiérrez, dominicano, que participou do Festivaletteratura em Mântua, na Itália, com o seu "velho amigo", o arcebispo Gerhard Ludwig Müller, hoje prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé.
A reportagem é de Angelo Sarto, publicada no sítio Vatican Insider, 07-09-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis a entrevista.
Padre Gutiérrez, a ótima acolhida manifestada pelo L'Osservatore Romano ao seu livro Dalla parte dei poveri (Edizioni Messaggero - Editrice Missionaria Italiana), escrito juntamente com Dom Müller, marca uma reviravolta nas relações entre o Vaticano e a teologia da libertação. O que o senhor pensa a respeito?
Esse livro foi publicado em alemão e em espanhol há nove anos. Estou muito contente com essa acolhida positiva. Isso mostra que a teologia da libertação é uma contribuição entre as outras teologias. Dom Müller fala disso muito claramente. Estou muito feliz com essa aprovação do meu velho amigo Müller.
Qual relação existe, pelo que o senhor saiba, entre Bergoglio e a teologia da libertação? Há quem diga que ele a condenou no passado...
Que eu saiba, ele nunca a condenou, me disseram alguns dos meus amigos que lhe são muito próximos. Veja, eu não estou tão interessado na teologia da libertação, mas sim no Evangelho. A teologia da libertação é uma teologia, pensada para lembrar algo importante do Evangelho: a presença dos pobres no mundo, a opção preferencial pelos pobres por parte da Igreja. Se houve contatos entre Bergoglio e a teologia da libertação? Talvez, por que não? Eu prefiro ver as coisas assim e não colocar o papa em uma teologia, mas apenas no Evangelho.
Alguns observadores defendem que Bergoglio está levando adiante algumas propostas da teologia da libertação no plano do seu compromisso como pastor...
Eu acredito, talvez, que ele esteja levando adiante o Evangelho, não exatamente uma teologia, mas no máximo uma teologia próxima à teologia da libertação. Falar da importância do pobre, do compromisso, da solidariedade com os pobres... isso vem do Evangelho. A teologia da libertação apenas lembrou isso, não o criou: está no Evangelho! E o papa é muito evangélico, o seu modo de agir o demonstra.
Leonardo Boff defendeu que o Papa Francisco fará, no futuro, sinais para reabilitar a teologia da libertação, muitas vezes criticada pelo Vaticano. A seu ver, isso vai acontecer?
(Risos.) Fazer previsões é sempre difícil. Mas parece que isso pode acontecer, embora eu não possa dizer como, porque não posso responder por aquilo que o papa fará. Mas este momento é muito rico, interessante e evangelicamente novo! Eu espero que este clima continue. Não tanto para a teologia da libertação, mas para ir à raiz do Evangelho. Eu não conheço Bergoglio diretamente, mas apenas através de amigos que lhe são muito próximos. Eu ouvi falar dele há muito tempo como jesuíta na Argentina, como bispo, arcebispo e cardeal em Buenos Aires. Estou muito feliz por esses meses depois da eleição a papa. Ele ajudou muito a fé com um estilo muito evangélico de vida da Igreja.
Qual é a urgência que Francisco deve enfrenta mais na Igreja de hoje?
Não é fácil dizer. Quando se vê a Igreja como papa, tem-se outro panorama. Mas o que ele fez hoje foi falar do Evangelho na periferia, é uma metáfora muito interessante. Essa é a missão da Igreja: anunciar o reino de Deus a todos, com uma ênfase especial na periferia do mundo. Isso é o que eu acho tão evangélico em Francisco! As duas coisas que ele começou a fazer, ou seja, a reforma da Cúria e a reforma econômica do IOR, são as mais acertadas. Mas, acima de tudo, é interessante uma presença renovada da fé no mundo de hoje. Ele tem uma análise da realidade que me parece muito interessante. É muito original e criativo nos gestos. Eu não posso dizer que ele tem que fazer isto ou aquilo! Não é tarefa minha. Mas eu estou muito contente em ver essa presença e esse "ar fresco" na Igreja que Francisco trouxe.
Muitas pessoas voltaram à Igreja graças a Francisco. Por quê?
Ele tocou teclas que não eram tocadas há muito tempo: a evangelização e o anúncio do reino é para todos. Isso significa ir ao encontro dos pontos importantes, por exemplo a justiça. Francisco está enfatizando muito essa novidade, com um carisma verdadeiramente extraordinário. Ele me lembra o Papa João XXIII.
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''Francisco me lembra o Papa João XXIII''. Entrevista com Gustavo Gutiérrez - Instituto Humanitas Unisinos - IHU