09 Setembro 2013
Com a sua iniciativa, o Papa Francisco – fortalecido apenas pelo seu soft power moral – poderá contribuir para lembrar a todos que o horizonte da força é limitado e muitas vezes contraproducente, e que o realismo verdadeiro é o da paz.
A opinião é do diplomata italiano Roberto Toscano, em artigo publicado no jornal La Stampa, 06-09-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
As grandes e nem tão grandes potências que poderiam ter um papel para pôr fim à assustadora guerra civil síria buscam, na atual situação, buscar os seus próprios interesses, tanto estratégicos quanto econômicos. Mas, na realidade, todas parecem incapazes de elaborar e principalmente implementar uma linha que não seja contraditória e, acima de tudo, que se revele eficaz.
Isso é especialmente verdadeiro para os Estados Unidos, onde um presidente relutante provavelmente se verá constrangido a recorrer a uma intervenção que já se sabe que não é resolutiva, mas cujas repercussões poderiam ser incontroláveis. Mas também é verdade para a Grã-Bretanha, onde o Parlamento, que não se esqueceu das embaraçosas falsificações na base da intervenção no Iraque, colocou o seu próprio veto a uma participação britânica em um ataque à Síria, enquanto o presidente francês, Hollande, encontra-se deslocado, na sua linha de firmeza que o governo dos EUA também ultrapassou, diante das dúvidas de uma opinião pública que, na sua grande maioria, não cultiva sonhos de grandeza e, certamente, não compartilha os entusiasmos militares e humanitários de Bernard-Henri Lévy.
A Turquia de Erdogan, que se preparou para o combate contra o regime de Assad na convicção de que o confronto se concluiria logo com a sua derrota, só pode optar por uma fuga para a frente e se diz pronta – mas é preciso se perguntar com quanta convicção real – para ser parte de uma "coalizão dos voluntariosos" se houver um ataque norte-americano.
O único dirigente a não mostrar incertezas, a não ter que fazer as contas de partida com dilemas insolúveis, é Vladimir Putin. A crise síria, ao contrário, parece ter-lhe dado uma oportunidade para reafirmar o protagonismo russo no cenário internacional perdido com o fim da União Soviética. Mas, mesmo para Putin, a situação é complexa, porque, se é verdade que lhe é irresistível desafiar e provocar Washington (não apenas sobre a Síria, mas também sobre outras questões, como o caso Snowden), seria equivocado pensar que, político frio como ele é, o seu projeto seja o de um absurdo e insustentável remake da Guerra Fria.
Como sempre acontece nas guerras civis, as partes que se enfrentam há dois anos na Síria não estão lutando pela prossecução de finalidades políticas, mas sim pela própria sobrevivência. Indivíduos e grupos étnico-religiosos sentem que não podem se dar ao luxo de perder. Daí a ferocidade, a queda daquelas regras que deveriam impor limites também aos confrontos armados mais duros. As avaliações de cientistas e especialistas militares levam a pensar que o uso das armas químicas deve ser atribuído ao regime de Assad, mas ninguém deveria se surpreender se (como Carla Del Ponte já defendeu há algumas semanas) fosse confirmado que os rebeldes também as usaram em alguns casos, embora em escala reduzida permitida pelos foguetes rudimentares de que dispõem.
Ninguém hoje na Síria tem qualquer escrúpulo, nem legal, nem moral. Por esse mesmo motivo, soa pouco convincente a motivação que Obama, atento para não deixar aberto o caminho para uma intervenção maciça, deu à perspectiva de um uso da força militar contra Assad: a punição pelo uso das armas químicas e, acima de tudo, a dissuasão contra a repetição desse tipo de emprego. Quem luta pela sobrevivência não é sensível à lógica racional da dissuasão.
Mas se as forças internas não estão dispostas a aceitar limites e as externas estão perplexas e são presa de contradições, quais são as perspectivas para aquele pobre país e para aquelas pobres populações? É nesse pano de fundo que se situa a iniciativa do Papa Francisco – uma iniciativa de alto perfil moral e também midiático (a proposta do "jejum pela paz" chamou a atenção da opinião pública e levantou amplas adesões, mesmo para além do círculo dos fiéis), cujo sentido é o de um chamado, dirigido a todos, à responsabilidade e à humanidade comum.
Uma mensagem alta, da qual seria um erro subestimar o sentido político. É de se esperar que ninguém queira repetir a cínica pergunta de Stalin: "Mas quantas divisões tem o papa?". Dentre outras coisas, se queremos verdadeiramente ser realistas, devemos constatar que os secretários do Partido Comunista da União Soviética (PCUS) são uma recordação do passado, os papas ainda existem.
Certamente não se pode dizer que o apelo do Papa Bergoglio seja uma novidade na história da Igreja. Ao contrário, vem à mente o discurso do Papa Bento XV em que, no dia 1º de agosto de 1917, em plena Primeira Guerra Mundial, a sua voz se elevou – em um momento em que os católicos europeus estavam se matando reciprocamente nos campos de batalha sob as bandeiras dos respectivos Estados – contra o "inútil massacre". Aquele mesmo Bento XV, que, apenas três anos depois, publicava a encíclica Pacem Dei Munus (a paz como dom de Deus).
No entanto, a mensagem do Papa Francisco também é nova, original. E o é acima de tudo pela sua figura, pelo seu modo de expressar com uma naturalidade incomum para um romano pontífice as verdades da mensagem cristã. Depois, há um outro elemento de extrema importância, que nos faz lembrar os motivos pelos quais os cardeais, reunidos no conclave, escolheram um latino-americano. Eles o fizeram depois do fim prematuro de um pontificado, o de Ratzinger, ao mesmo tempo "europeu" e "intelectual".
Católico significa universal, e justamente ao acentuar essa universalidade – por aquilo que é e por aquilo que diz (e como o diz) – o Papa Bergoglio também marca no terreno da política internacional a tentativa – eu diria urgente – para a instituição de fugir de uma caracterização da Igreja Católica como substancialmente europeia e intelectualmente elitista na sua cultura dominante e, especialmente, nas suas mais altas hierarquias.
O Papa Francisco também tem do seu lado uma grande verdade histórica, a das origens médio-orientais da sua fé, uma fé derivada do judaísmo e que se difundiu no Oriente muito antes do que no Ocidente. Mas aqui, para além da forte preocupação pela paz, vemos que o papa e a Igreja tem também outra preocupação intimamente associada a ela: o destino das comunidades cristãs do Oriente, que só poderão sobreviver com a paz e na paz. Sem a paz, de fato, elas são postas diante do insolúvel dilema entre o apoio a ditaduras laicas que historicamente permitiram a sua sobrevivência e o triunfo de um islamismo militante que as vê como corpos estranhos a serem oprimidos ou expulsos de sociedades homogeneizadas no Islã.
O pluralismo religioso no Oriente Médio – bem que todos devemos tentar preservar, e não só para os cristãos – só é compatível com a paz, o compromisso, o diálogo. Certamente não com a defesa feroz, tribal, dos próprios correligionários contra "os outros", uma defesa que muitas vezes começa a partir de intenções defensivas, mas que depois inevitavelmente transborda, convertendo-se em ferocidade. Lembremos a guerra civil libanesa de 15 anos, em que os extremistas cristãos não eram inferiores a ninguém na violência indiscriminada (nunca devemos esquecer o massacre de Sabra e Shatila).
A incerteza dos Estados Unidos, e não só dos Estados Unidos, deriva sobretudo das duras lições da história recente que, do Afeganistão ao Iraque, passando pela Síria, demonstrou os limites objetivos do uso da força, também daquela usada teoricamente a serviço de nobres causas como a defesa dos direitos humanos. É de se esperar que, com a sua iniciativa, o Papa Francisco – fortalecido apenas pelo seu soft power moral – possa contribuir para lembrar a todos justamente isto: que o horizonte da força, abusivamente considerada como a única dimensão realista diante da radicalidade das contraposições, é limitado e muitas vezes contraproducente, e que o realismo verdadeiro é o da paz.
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Francisco e o realismo da paz. Artigo de Roberto Toscano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU