07 Setembro 2013
"Todos sabemos que a grande preocupação dos sábios e fundadores religiosos de todas as tradições e culturas era “como reduzir o sofrimento humano?”. É muito preocupante que, em nome da justiça, panejemos um ataque que vai aumentar o sofrimento das vítimas", afirma Adolfo Nicolás, superior geral da Companhia de Jesus, em entrevista pubicada pelo Serviço de Imprensa da Companhia de Jesus.
Segundo ele, "nós, Jesuítas, apoiamos, totalmente, a ação do Santo Padre, e desejamos, do fundo do nosso coração, que a mencionada ação punitiva não aconteça".
Eis a entrevista.
O Santo Padre quebrou protocolo normal para falar em prol da Paz na Síria. Que o senhor pensa a respeito?
Não tenho costume de comentar sobre situações internacionais ou de caráter político. Mas, neste caso, estamos diante de uma situação humanitária que supera os limites normais que apoiariam o silêncio. E preciso confessar que não entendo quem autorizou aos Estados Unidos ou à França a agir contra um país desta forma. Isso, sem dúvida, aumentará o sofrimento de uma população já tão sofrida. A violência, ou ações violentas, como a que se apresenta, apenas são justificáveis como último recurso e de tal forma que somente os culpáveis sofram as consequências. No caso de um país, entretanto, isso se torna totalmente impossível e, portanto, parece-me totalmente inaceitável. Nós, Jesuítas, apoiamos, totalmente, a ação do Santo Padre, e desejamos, do fundo do nosso coração, que a mencionada ação punitiva não aconteça.
Mas, o mundo não tem a responsabilidade de fazer algo contra os que abusam do poder contra seu próprio povo, como no caso de um Governo que usa armas químicas em um conflito?
Há três pontos nesta pergunta que convêm que distingamos claramente. O primeiro tem a ver com o fato de que todo abuso de poder tem de ser condenado e rejeitado. E, com todo respeito ao povo norteamericano, acho que este concreto uso de poder que se está preparando constitui, em si mesmo, um abuso de poder. Os Estados Unidos de América têm que deixar de agir e reagir como o “garoto grande” do bairro do mundo. Isso leva, inevitavelmente, ao abuso, ao atropelo e ao “mata mata” sobre os membros mais frágeis da Comunidade.
O segundo é: se houve uso de armas químicas, ainda temos a obrigação de mostrar ao mundo, de uma forma clara, que um lado do conflito, e não o outro, as usou. Não basta que algum membro do governo do país que quer atacar diga que está convencido. Há que demostrar ao mundo que isso é assim, sem dúvida nenhuma, para que o mundo possa confiar neste país. Essa confiança não se tem atualmente, e já começaram as especulações sobre os ulteriores motivos que possam ter os Estados Unidos na sua projetada intervenção.
E o terceiro é que os meios considerados adequados para punir o abuso não prejudiquem as mesmas vítimas do primeiro abuso, uma vez que se demonstrou que isso foi o que aconteceu. A experiência do passado nos diz que isso é impossível (embora se denomine as vítimas com o eufemismo de “dano colateral”), e os resultados são o aumento do sofrimento dos cidadãos comuns, inocentes e alheios ao conflito. Todos sabemos que a grande preocupação dos sábios e fundadores religiosos de todas as tradições e culturas era “como reduzir o sofrimento humano?”. É muito preocupante que, em nome da justiça, panejemos um ataque que vai aumentar o sofrimento das vítimas.
O senhor não está sendo muito duro com os Estados Unidos?
Acho que não. Nunca tive preconceitos contra esse País e agora mesmo trabalho com alguns Jesuítas de lá, cuja opinião e cujos serviços valorizo muito. Nunca tive sentimentos negativos sobre os EUA, um país que admiro enormemente por muitas razões, incluindo sua dedicação, espiritualidade e pensamento. O que mais me preocupa é que precisamente este país, que eu admiro sinceramente, está à beira de cometer um grande erro. E poderia dizer algo semelhante sobre a França: um país que tem sido um verdadeiro líder em espírito, inteligência, e que contribuiu de grande forma para a civilização e a cultura, está agora tentada a conduzir a humanidade para trás, para a barbárie, em aberta contradição com tudo o que simbolizou ao longo de muitas gerações. Que estes dois países se unam agora em uma medida tão horrenda é parte da ira de tantos países no mundo. Não temos medo do ataque; aterroriza-nos a barbárie a que somos conduzidos.
E por que falar assim agora?
Porque o problema é agora. Porque o Santo Padre está tomando medidas extraordinárias para fazer-nos conscientes da urgência do momento. O fato de ter declarado o dia 7 de setembro com dia de jejum pela paz na Síria é uma medida extraordinária, e queremos nos unir a ela. Podemos lembrar o momento que, no Evangelho, os discípulos não puderam libertar um jovem do mal espírito e Jesus lhes disse: “Este tipo de espírito só pode ser expulso com oração e jejum”. Para mim, é muito difícil aceitar que um país que se considera (ao menos nominalmente) cristão não possa conceber mais que a ação militar em uma situação de conflito e com isso possa levar o mundo, novamente, para a lei da selva.
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Contra a guerra. “Como reduzir o sofrimento humano?” é a questão de Sábios e fundadores religiosos de todas as tradições e culturas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU