Por: André | 17 Agosto 2013
O Irmão Claudino Falchetto é marista. Foi conselheiro geral da congregação durante muitos anos e presidente da Conferência dos Religiosos do Brasil. Atualmente, aposentado, é o superior da residência dos maristas do Rio de Janeiro, no bairro da Tijuca, onde o entrevistamos. Viveu de perto e com entusiasmo a Jornada Mundial da Juventude e a visita do Papa, que, na sua opinião, deixa “gestos” e mensagens de “amor e proximidade”. Além disso, vê o futuro com esperança, porque vão aparecendo “luzinhas” e “do deserto terá que nascer alguma flor.
A entrevista é de José Manuel Vidal e publicada no sítio Religión Digital, 11-08-2013. A tradução é de André Langer.
Eis a entrevista.
Como está vivendo a visita do Papa?
Com muita expectativa e com muita esperança para a Igreja e, sobretudo, para a juventude. Creio que é um momento muito forte para a Igreja do Brasil, e para a juventude de todo o mundo que se reuniu aqui.
Até agora, o que mais lhe chamou a atenção dos diversos atos que o Papa foi tendo?
Sua simplicidade, sua proximidade com as pessoas, seus gestos de solidariedade com os pobres, e também sua insistência na esperança que a juventude tem que ter em Jesus Cristo.
A favela da Rocinha, que o Papa visitou, é bastante parecida com esta que está próxima da sua residência. Que conclusão tira dessa visita?
A favela da Rocinha é mais pobre ainda que esta que temos aqui atrás. E a conclusão é a solidariedade. A concretização do que falou desde o início do seu pontificado: “Que bonito seria se tivéssemos uma Igreja pobre e para os pobres”. O fato de que o Santo Padre tenha ido a uma favela, tenha caminhado pelas ruas (coisa que muitas vezes é impossível para as autoridades políticas), tenha caminhado no meio dos pobres, tenha entrado em uma de suas casas, tenha falado com eles e os tenha feito sentir que está próximo das pessoas... Creio que é muito bonito e muito forte como gesto para a Igreja.
Acredita que se destacou por suas frases simples?
Sim, tão simples que foi capaz de dizer às pessoas que estavam ali: “Gostaria de tomar um cafezinho com um cada um de vocês, mas não um copo de cachaça”. As pessoas entendem perfeitamente essa linguagem, entendem a mensagem que o Papa tenta transmitir às suas vidas. Como quando disse: “sempre se pode acrescentar um pouco de água no feijão, e sempre se pode acrescentar um pouco de esperança em Jesus Cristo”. Uma mensagem de amor e proximidade.
Está sacudindo a Igreja por dentro? Está nos fazendo reagir desde que chegou?
Sim. Hoje dizia aos bispos na catedral que têm que ser “rueiros da fé”. É uma lição muito forte para os pastores. Na Igreja da América Latina, no pós-concílio, começou uma tendência clara pela opção pelos pobres, a proximidade com eles. Mas os padres do Concílio morreram, ou estão muito velhinhos hoje, e os padres e bispos que temos hoje não estiveram presentes no nascimento da opção pelos pobres. Aqui, na América Latina, a Conferência de Aparecida começou a resgatar um pouco tudo isso.
Também a Teologia da Libertação, que na Europa se dizia que está morta?
Não está morta. Houve alguma adaptação, mas não está morta. Eu creio que a Teologia da Libertação tem sentido enquanto há alguma injustiça. Então, é preciso libertar as pessoas, libertar a Igreja, libertar o mundo da opressão, da corrupção, de tudo o que está errado. A juventude no Brasil se pôs, através da internet, a fazer manifestações nesse sentido, pedindo paz, justiça, que não haja corrupção por parte dos políticos nem por parte da Igreja, etc.
Você esteve presente no Hospital de São Francisco, onde o Papa teve um encontro muito emotivo com usuários de crack. O que achou deste momento?
Eu diria que foi um gesto necessário e muito oportuno, porque o Brasil está se convertendo agora em um caminho de trânsito para a droga, que vem do Paraguai, da Bolívia, da Colômbia... e o crack entrou com muita força. Por este fato, uma congregação religiosa, em um hospital próprio, fez uma ala especializada na cura dos drogados. Isto já é muito positivo, e que o Santo Padre tenha previsto em sua passagem pelo Brasil esta inauguração, creio que foi um gesto muito bonito e necessário.
O que lhe pareceu a Via Crucis pós-moderna encenada na praia de Copacabana?
Copacabana converteu-se na praia da fé, porque o Campus Fidei ficou alagado e não pôde ser usado. E creio que os jovens entenderam isso. Na televisão diziam que enquanto o Papa chegava havia muito barulho, muitos gritos; mas quando a Via Crucis começou houve um silêncio total. As pessoas estavam concentradas, atentas ao que acontecia naquele momento, e todas as estações da Via Crucis foram representadas por cruzes levadas pela juventude. Me parece que foi uma mensagem muito forte para os jovens. Com aqueles jovens que eu falei, todos estão muito contentes com a oração que se fez na Via Crucis. As representações teatrais que houve podem ser interpretadas de muitas maneiras, mas creio que as pessoas entenderam a profundidade da mensagem.
Está claro que este Papa conecta-se com as pessoas, mas implica isto certo perigo de “papolatria”?
Bom, este Papa é diferente dos outros. João Paulo II era um ator que sabia muito de comunicação, tinha um contato muito próximo com as pessoas, mas uma teologia diferente, mais conservadora. Depois tivemos um Papa intelectual, com uma reflexão teológica bonita; e agora temos um Papa que reúne duas coisas: reflexão, mas com uma linguagem apropriada para as pessoas. Então, é verdade que pode acontecer que esta proximidade se converta em idolatria, em culto à personalidade, porque é uma personalidade que está cativando todas as pessoas. Não apenas os pobres, não apenas os jovens: também os intelectuais e os teólogos.
Também os teólogos da Libertação?
Sim. Frei Betto, por exemplo, está escrevendo muito sobre o Papa e o avalia muito positivamente. Leonardo Boff também.
Vai se notar na Igreja do Brasil o antes e o depois desta viagem do Papa Francisco?
Para mim está claro que sim, porque veio em um momento importante: a Conferência dos Bispos está estudando agora a comunicação dos sacerdotes e dos bispos com as pessoas, e na próxima Assembleia se aprovará um documento sobre a Comunidade e a Palavra. Ou seja, está se tratando de mudar um pouco a linguagem e a metodologia da evangelização. A Nova Evangelização traz novos métodos de expressão.
A mudança deve ser para pastores, bispos e religiosos “com cheiro de ovelha”, como disse o Papa?
Sim.
É preciso deter o avanço dos pentecostais no Brasil?
Sim, mas não devemos perder de vista que a Jornada Mundial da Juventude não é do Brasil; é do mundo. É verdade que no Brasil está havendo um avanço muito forte dos evangélicos, que já são cerca de 47% da população junto com outros que não são protestantes, mas também não católicos.
Essa porcentagem foi a Igreja Católica que a perdeu? Ou seja, eram católicos e se foram para outra religião?
A grande maioria, sim, passou para outras denominações.
Essa tendência é reversível ou irrefreável?
A secularização caminha por aí, e se alguém não está satisfeito em uma denominação religiosa, passa para outra como reação, como utopia ou como esperança. As pessoas querem buscar a solução para os seus problemas, e os evangélicos oferecem soluções concretas: deixar de fumar, deixar a droga, deixar a prostituição... Eles falam com muita força do inferno, e então as pessoas (sobretudo as mais pobres) se inclinam a ir.
A diferença com a secularização europeia é que na Europa as pessoas deixam as religiões, e aqui, ao contrário, continuam buscando em outros campos religiosos?
Sim. A maioria dos pobres busca em outra religião a solução para os seus problemas concretos: o dinheiro, o amor, o céu, a cura de doenças...
Você foi durante muitos anos um dos dirigentes da Congregação Marista. Como estão neste momento os maristas no Brasil?
Estamos buscando. A Espanha, para nós, é um caso muito específico, porque ali os irmãos chegaram a ser em um momento mais de 2.000. Hoje diminuíram muito, e a média de idade, ao contrário, aumentou (o que quer dizer que a cifra vai baixar mais ainda). Mas temos um projeto parecido a outro dos inícios do século XX, quando na perseguição que houve na França à vida religiosa e à Igreja, muitíssimos irmãos deixaram a França para fundar obras em outros países. O Brasil é fruto dessa revolução francesa. Então, agora temos um projeto que se chama “Ad gentes”, com comunidades que estão sendo criadas, sobretudo, na Ásia, e que é em parte fruto do apelo de João Paulo II para que os cristãos se preocupem com a inserção de Jesus Cristo nestes países, que são majoritariamente de outras denominações religiosas. Por ora, na Família Marista é maior o número de entradas que de saídas da congregação (não contamos os que morrem, mas apenas os que saem). E aqui no Brasil se está fazendo um esforço para falar da nossa vocação aos leigos, aos jovens.
Ou seja, que as novas fronteiras para os maristas também passam pelas “periferias” da Ásia?
Sim, talvez também da África. Não apenas da América Latina. Onde a congregação, por ora, tem maior expressão é na América Latina e no Pacífico. Na Ásia estamos começando, estamos há pouco tempo ali.
Damos a Europa por perdida?
Não. Do deserto terá que nascer alguma flor. O Espírito Santo está presente na Igreja e no mundo, e saberá como fazer que a Igreja siga, mesmo que seja de outra maneira.
Estamos no início de uma época cheia de expectativas?
Sim, eu vejo isso cada vez mais. Estamos caminhando e vão aparecendo algumas luzinhas. Pelo que conheço da França, da Espanha e da Itália – os países da Europa que melhor conheço –, sei que há pequenos grupos crentes. Mas é que a Igreja do futuro não será de multidões: voltaremos ao pequeno rebanho que agirá como fermento.
Já aposentado, depois de toda uma vida de entrega, se arrepende de alguma coisa?
Não. Voltaria a fazer tudo de novo. Creio que é uma graça de Deus, do Espírito. Eu tive muitíssimas oportunidades. Um irmão me disse quando jovem: “Não deixe passar as boas oportunidades. Essas é preciso acolhê-las”. E assim fiz: fui mestre, fui conselheiro provincial, estive no Conselho Geral durante muitos anos...
Esteve inclusive na cúria vaticana?
Bom, fui consultor na Congregação para a Vida Religiosa no Vaticano. Recebia casos de ordens, e tinha que ser uma espécie de juiz.
Aconselharia a Francisco que tomasse o chicote, como Jesus fez no Templo de Jerusalém?
Isso seria tão bom...! Se alguém tivesse o poder de pegar todos os que estão em cima e inseri-los na favela, mesmo que fosse por apenas um mês... seria uma lição maravilhosa!
Para a Igreja e para o mundo?
Sim, mas sobretudo para os interessados.
Nota-se que você vive com alegria.
Quando fiz 60 anos, pensei: “Já vivi bastante, a partir de agora tudo é lucro”. Assim que todas as manhãs levanto feliz pelo passado, por estar vivo e por poder fazer alguma coisa.
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“Francisco nos deixa uma mensagem de amor e proximidade”. Entrevista com o Irmão Claudino Falchetto - Instituto Humanitas Unisinos - IHU