14 Agosto 2013
Em uma sociedade onde tudo muda, a religião também não é mais a de antigamente. Não só porque as religiões têm-se multiplicado, aproximando-se umas das outras: seja aquelas mais distantes – o Islã com o cristianismo –, seja aquelas mais próximas umas das outras, como as diversas formas de cristianismo.
A reportagem é de Filippo Gentiloni, publicada na revista Confronti, de agosto de 2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
As lutas e os contrastes, que caracterizaram a vida religiosa no passado, parecem agora recordações quase folclóricas, embora inúteis à vida social e ao seu bem-estar.
Na própria Itália, em menos de uma geração, o mapa sociorreligioso mudou: de país de maioria católica quase esmagadora, a Itália está se tornando uma sociedade caracterizada por uma diversidade religiosa muito articulada e, por isso, inédita. Em alguns aspectos, mais do que ocorreu em países como a Alemanha, a Holanda ou a Bélgica, onde, segundo os estudiosos (Enzo Pace), podem-se identificar dois ou, no máximo, três grupos de cidadãos de origem estrangeira caracterizados por uma matriz religiosa bem definida, como os muçulmanos e os imigrantes provenientes dos países do Leste.
As 189 diversas nacionalidades dos imigrantes na Itália demonstram que as diferenças de religião moram na porta ao lado: o mercado de bairro, um corredor de hospital, as salas de aula, os serviços sociais. É muito difícil fazer uma carta geográfica dos locais de culto. Também é difícil estabelecer quantos fiéis dos países do Leste Europeu de maioria ortodoxa frequentam as paróquias católicas.
Entre os aspectos sociais que mais influenciam a religião, é absolutamente preciso incluir a publicidade, muitas vezes esquecida, mas cuja influência sobre a religião é de extrema importância. A publicidade muitas vezes é confundida com a propaganda e também com a natural manifestação da religiosidade.
É lógico que a religião se esforça para se fazer conhecer e se difundir também a despeito da verdade. Toda religião tende a manter e até a aumentar o seu raio de ação com todos os meios. A propaganda é parte essencial de todas as religiões, mesmo que o seu sucesso ponha em risco a autenticidade da mensagem.
O poder da propaganda religiosa pode ser constatado cotidianamente nos meios de comunicação e o seu maior ou menor poder. Um exemplo desse poder ocorreu recentemente no anúncio do novo pontífice romano: a publicidade o impôs ao mundo para além de toda previsão lógica.
Portanto, a religião, que precisa de publicidade para se fazer conhecer, tem absoluta necessidade de dinheiro: o discurso religioso se desloca imediatamente do campo espiritual ao financeiro. As vicissitudes de todas as religiões confirmam esse deslocamento, mais do que nunca evidente no mundo moderno, mas já presente, mesmo que de maneira menos vistosa, na antiguidade. A história de todas as religiões, do Oriente ao Ocidente, confirma essa importância do fator material ao lado do espiritual.
Além do dinheiro, a religião também é fortemente dependente daquele aspecto da cultura social que chamamos de ética. A religião é condicionada por ela, depende dela, mesmo que a ética, muitas vezes, nas sociedades, tenha um aspecto, uma dimensão laica. Por isso, a laicidade entra com velas enfunadas no fato religioso até dominá-lo.
Frequentemente, na sociedade, é difícil distinguir o "religioso" do "laico": eles se encontram muito próximos, muitas vezes misturados, até mesmo confundidos. No agir social, o "religioso" vive entrelaçada com a ética laica, que lhe confere visibilidade, espessura, existência social.
Da religião à mística
Na nossa sociedade, portanto, devemos dizer que a verdadeira religião em seu sentido autêntico e preciso desapareceu. Ou melhor: está desaparecendo. Resta a religião em sentido genérico e aquele particular aspecto próximo da religião, mas especial, que chamamos de mística e que deve ser especificado.
Só o místico pode sobreviver na sociedade atual sem se tornar terrorista (violento) ou cínico (indiferente). Só o místico pode conservar a integridade do seu ser, porque está em comunhão com toda a realidade (Raimon Panikkar).
Uma expressão como essa diz toda a urgência de uma temática muito fácil e frequentemente relegada ao âmbito de uma zona reservada a poucos eleitos, por ser considerado impermeável. O termo "mística" indica uma relação direta com o mistério, como fonte primeira do ser, de todo o existente passado, presente e futuro, sem tempo e sem espaço, perceptível à interioridade, que contém toda a realidade na sua plenitude.
O misticismo pode ser considerado uma atitude do espírito orientada para a união com o Absoluto, ao qual o místico aspira ardentemente, e é geralmente caracterizado por uma série de elementos, incluindo a ilogicidade, a renúncia às paixões mundanas, o êxtase, a inefabilidade.
Do diário de um anônimo místico contemporâneo: "Talvez mística é aquele pequeno espaço, aquele canto do coração e da mente que permanece luminoso e incontaminado enquanto se caminha pela estrada e se intui que há um coração e uma mente mais altos do que toda a realidade humana. Você sabe que há algo que vai além da pequena vida e se afana para chegar a tempo. Intui que, no vivo e na concretude, há outra coisa, há uma levedura e uma semente de outro lugar. Há poesia entendida como alma secreta que dá profundidade e espessura às pequenas coisas da vida de todos os dias. O olho místico intui que existe uma mente secreta super-humana que rege o mundo sem violência e se manifesta no fim. O olhar místico permite que se levantem os olhos e se intua que existe uma luz mais luminosa do que o sol da primavera e que pulsa na efêmera história do mundo".
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O místico em comunhão perfeita com a realidade - Instituto Humanitas Unisinos - IHU