13 Agosto 2013
"Existe, de acordo com estudo recente da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, mais de 20 milhões de hectares de florestas e outras formas de vegetação nativa a serem recuperados somente em APPs e Reservas Legais em todo o país. Supondo que pudéssemos atingir uma meta de recuperação de APPs em todo Brasil da ordem de 1 milhão de hectares/ano em até cinco anos (a China hoje planta mais de 4 milhões de hectares ano), pelo menos um milhão de empregos diretos seriam gerados pela cadeia de recomposição florestal, (da coleta ao processamento de sementes, de viveiros de mudas à assistência ao plantio, aos insumos necessários e a manutenção das áreas)", constatam André Lima, advogado, é assessor especial de Políticas Públicas do IPAM, e Osvaldo Stella, engenheiro, é coordenador de Mudanças Climáticas do IPAM, em artigo publicado no jornal Valor, 13-08-2013.
Eis o artigo.
A nova Lei Florestal (12.651/12) completou um ano no dia 26 de maio. Muito se debateu em torno das perdas e supostos ganhos. O que perdemos efetivamente? Mais de 30 milhões de hectares de áreas ilegalmente desmatadas, inclusive em espaços territoriais protegidos por lei, como margens de rios e nascentes, lagos, morros, montanhas e manguezais. O que ganhamos? Os produtores rurais comemoram a conquista da consolidação do uso dessas áreas abertas. Do ponto de vista socioambiental, as conquistas ainda são promessas. Teremos o maior cadastramento ambiental rural do mundo, com 5,4 milhões de propriedades rurais regularizadas e monitoradas em tempo real e milhões de hectares de Áreas de Preservação Permanente (APPs) recompostas.
Mas temos problemas imediatos a superar: como equacionar as assimetrias entre quem desmatou ilegalmente e ganhou o direito de continuar utilizando-se dessas áreas abertas e quem não desmatou e não poderá desmatar por exigência da lei? Essa situação é ainda mais grave quando falamos em agricultores familiares em assentamentos de reforma agrária na Amazônia: são aproximadamente 2,4 mil assentamentos com área superior a 20 milhões de hectares de florestas remanescentes, onde vivem mais de 600 mil famílias.
Outra questão fundamental, principalmente no caso de médias e grandes propriedades, é quanto dos desmatamentos ilegais em APPs e áreas de Reserva Legal (RL) serão efetiva e legalmente consolidados e o que será restaurado aos processos ecossistêmicos. Essa pergunta deverá ser respondida no âmbito dos Programas de Regularização Ambiental (PRAs) a serem aprovados pelos Estados. Para tanto, os PRAs não podem se limitar a ser peças normativas e burocráticas indicando somente prazos e documentos necessários à regularização. Deverão indicar critérios gerais, e específicos, pautados em instrumentos inteligentes de gestão territorial, como Zoneamentos Ecológico-Econômico e Planos de Bacia Hidrográfica, por exemplo. Assim como conter prazos, técnicas e principalmente mecanismos de apoio: (assistência técnica, recursos e outros incentivos econômicos).
Nesse aspecto, a nova lei trouxe um único dispositivo (Art. 41) com inúmeras propostas programáticas (portanto não auto-aplicáveis) de incentivos e mecanismos econômicos. Dentre elas, a lei cita o mercado de carbono (florestal), incentivos tributários, pagamento por serviços ambientais e crédito facilitado.
Existe, de acordo com estudo recente da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, mais de 20 milhões de hectares de florestas e outras formas de vegetação nativa a serem recuperados somente em APPs e Reservas Legais em todo o país. Supondo que pudéssemos atingir uma meta de recuperação de APPs em todo Brasil da ordem de 1 milhão de hectares/ano em até cinco anos (a China hoje planta mais de 4 milhões de hectares ano), pelo menos um milhão de empregos diretos seriam gerados pela cadeia de recomposição florestal, (da coleta ao processamento de sementes, de viveiros de mudas à assistência ao plantio, aos insumos necessários e a manutenção das áreas). Isto sem considerar toda economia florestal indiretamente associada. Boa parte desses empregos atenderia às classes sociais mais necessitadas e seria um programa com características inéditas: combateria a pobreza e a miséria em todo o país, com geração de serviços ambientais em escala global.
Parte dessas florestas poderia ser recomposta em sistemas agroflorestais e, portanto, com produção de alimentos orgânicos para os mercados locais e, principalmente, para os próprios trabalhadores agroflorestais.
Se computarmos a captura de carbono, além da preservação dos rios e da geração de empregos diretos, (o que já seria suficiente para justificar o programa), estaríamos retirando da atmosfera global mais de 1 bilhão de toneladas de CO2 em 20 anos. Em cinco anos, se o desmatamento não aumentasse, já alcançaríamos o Desmatamento Líquido Zero no Brasil.
Diante do enorme desafio colocado para a sociedade brasileira, um conjunto de organizações não-governamentais - Instituto de Pesquisas Ambientais da Amazônia (IPAM), Instituto Socioambiental (ISA), SOS Mata Atlântica, Instituto Centro de Vida (ICV), Conservação Internacional (CI), WWF-Brasil e The Conservation Internacional (TNC) - lançaram em maio o Observatório do Código Florestal com o objetivo de informar e mobilizar a sociedade brasileira para monitorar a implementação da nova lei de forma qualificada em âmbito nacional. O Ministério de Meio Ambiente atendeu nossa demanda pela criação de um Grupo de Monitoramento da implementação da Lei e várias audiências públicas foram demandadas pelo Observatório junto às Comissões de Meio Ambiente do Senado e da Câmara dos Deputados para acompanhar e debater o que vem sendo feito até agora.
Vários são os desafios e gargalos a serem superados. Alguns dos problemas mais graves detectados durante o seminário de lançamento do Observatório do Código Florestal na Câmara dos Deputados são:
a) a falta de transparência na regulamentação da Lei pelos Estados,
b) falta de estrutura e recursos (humanos e financeiros) junto aos órgãos ambientais nos Estados e municípios e
c) o total descompasso entre as políticas agrícolas e tributárias que não impulsionam (quando não jogam contra) as atividades florestais e agropecuárias rumo à sustentabilidade.
Para se ter uma ideia, somente entre 2008 e 2013, o governo federal concedeu mais de R$ 55 bilhões em incentivos tributários para o setor agrícola brasileiro, além do Plano Safra, que neste mesmo período disponibilizou ao setor mais de R$ 400 bi. Portanto, o problema não é carência de recursos, mas de diretrizes políticas e gestão orientada para a sustentabilidade rural.
Sem informação e envolvimento de qualidade, sem mobilização e participação de vários setores da sociedade no acompanhamento da sua implementação, a tese do Brasil Potência Socioambiental será infelizmente só mais um sonho. Daqueles que se sonha só.
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Observatório para o Brasil Potência Socioambiental - Instituto Humanitas Unisinos - IHU