Por: Cesar Sanson | 09 Agosto 2013
Projeto de lei do novo Marco Regulatório da Mineração pode ser aprovado sem a participação da sociedade civil.
A reportagem é de Maíra Gomes e publicada pelo Brasil de Fato, 08-08-2013.
No dia 18 de junho foi apresentado o projeto de lei do novo Marco Regulatório da Mineração (PL 5.807/13), em debate no governo federal há cerca de quatro anos. De acordo com o Ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, o objetivo é incentivar o investimento no setor, além de atualizar a legislação em vigor, que remonta a 1967, quando foi sancionado o Código da Mineração, ainda durante o regime militar.
O projeto foi apresentado em regime de urgência constitucional. Ou seja: 45 dias na Câmara mais 45 dias no Senado. Movimentos sociais e entidades do setor da mineração denunciam que o caráter de urgência impossibilita o amplo debate pela sociedade civil. “O momento é favorável para a discussão de muitos temas, inclusive da mineração. Mas o que está em jogo é a riqueza do país para as gerações futuras e a sociedade não teve participação nenhuma no debate do novo marco”, afirma Maria Júlia Gomes de Andrade, militante do Movimento Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração (MAM).
Em conjunto com diversas outras entidades, o MAM compõe o Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração, fórum de diálogo e iniciativas comuns entre diversos grupos frente à expansão minerária no Brasil, criado em maio deste ano. O Comitê exige o fim do regime de urgência e que o novo código passe a ser discutido com a sociedade, afetada diariamente pela mineração.
Os principais pontos do novo código são:
Compensação financeira
Entre as principais propostas está a mudança na Compensação Financeira pela Exploração Mineral (Cfem), tarifa que as empresas exploradoras pagam ao poder público para compensar a retirada dos recursos minerais do território. Essa tarifa incide atualmente sobre o faturamento líquido das empresas, e passará a considerar o valor bruto, o que representa um aumento da arrecadação. A porcentagem da incidência do tributo é variável, de acordo com o minério extraído, e definida por decreto. Atualmente, pode variar de 0 a 3%, e com o novo código pode chegar a 4%.
A pesquisadora e militante Alessandra Cardoso, assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), destaca que mudança proposta é positiva, mas abaixo das possibilidades. “Realmente é um ponto positivo do projeto a mudança da base de cálculo da alíquota do Cfem. Os materiais extraídos são de natureza patrimonial, e esse imposto é uma compensação ao Estado pela exploração de um recurso que é bem da União. No entanto, o aumento da arrecadação ainda é muito tímido. Há dois anos, o governo cogitava o valor de 8%, mas recuou em função de lobby”, declara.
A distribuição do Cfem deve ser a mesma: 65% para municípios, 23% para estados e 12% para o governo federal. Alessandra aponta que existe uma concentração do recurso no âmbito municipal, o que desconsidera áreas impactadas que ficam fora destes limites. “A mineração atinge municípios do entorno, além de outros que fazem parte da cadeia de produção, como locais por onde passam trens ou minerodutos. De acordo com a regulação atual, nenhuma das comunidades atingidas recebe compensação e isso deve mudar”, afirma.
O Comitê propõe que a distribuição seja feita sob a perspectiva da cadeia de escoamento, ou seja, avaliando todas as comunidades envolvidas, de acordo com o grau de impacto em cada uma, garantindo que elas recebam uma parte justa da compensação. “Há também a questão do uso do recurso. Os municípios têm menor transparência, diferente do governo federal. Hoje, não sabemos para onde estão indo os royalties e, quando identificamos, vemos que está sendo gasto com infraestruturas ligadas à mineração, como estradas. Poderiam ser investidos em saúde, educação, saneamento, áreas que de fato dariam retorno àquela população atingida pela mineração”, complementa.
Criação de entidades fiscalizadoras e reguladoras
O documento propõe a criação do Conselho Nacional de Política Mineral (CNPM), que deve auxiliar a presidência na elaboração de políticas para o setor, tratando da questão de forma ampla, como planejamentos a médio e longo prazos, estratégia macro e outros. O atual Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) deve ser substituído pela Agência Nacional de Mineração (ANM), que funcionará como outras agências reguladoras, detalhando processos, definido políticas e normas específicas.
Para Carlos Bittencourt, pesquisador do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), a criação dos órgãos deve ser mais debatida. “Estão sendo criadas apenas orientações gerais e quase tudo fica para decretos, a serem feitos pelo Parlamento, presidência ou a agência. O novo código é bem mais enxuto que aquele que está substituindo. Cria um alto índice de arbitrariedade”, explica. Carlos conta que não está especificado o método de participação no Conselho, deixando incerta a participação da sociedade civil nas decisões acerca da política de mineração do país.
Método de Concessão
Outra grande mudança proposta está relacionada à concessão para pesquisa e extração das áreas, que funciona atualmente em regime de prioridade e sem prazo para exploração. O documento exigirá que seja cedida uma autorização, com prazo de 40 anos e possibilidades de renovações de 20 anos. Serão três diferentes formas de concessão: chamamento público, licitação e autorização. As autorizações serão para exploração de minério destinado à construção civil, argila, água mineral e minérios utilizados em correções de solos agrícolas. A licitação será usada nas áreas especiais, que são grandes jazidas ou áreas consideradas estratégicas pelo governo. Já o chamamento público será para áreas que não são estratégicas.
“Não está claro no texto como cada um destes mecanismos vai atuar no processo de requerimento. Teremos o controle da presidência, mas não está claro como será feito este controle. Assim, sobram brechas para que as concessões sejam excessivas”, declara Maria Júlia, integrante do MAM. “A justificativa é pelo crescimento da economia que gira em torno da mineração, para tornar o mercado mais competitivo. Mas isso pode ser perigoso, pois trará mais impactos sociais e ambientais”, afirma Carlos.
Método de Concessão
Outra grande mudança proposta está relacionada à concessão para pesquisa e extração das áreas, que funciona atualmente em regime de prioridade e sem prazo para exploração. O documento exigirá que seja cedida uma autorização, com prazo de 40 anos e possibilidades de renovações de 20 anos. Serão três diferentes formas de concessão: chamamento público, licitação e autorização. As autorizações serão para exploração de minério destinado à construção civil, argila, água mineral e minérios utilizados em correções de solos agrícolas.
A licitação será usada nas áreas especiais, que são grandes jazidas ou áreas consideradas estratégicas pelo governo. Já o chamamento público será para áreas que não são estratégicas.
“Não está claro no texto como cada um destes mecanismos vai atuar no processo de requerimento. Teremos o controle da presidência, mas não está claro como será feito este controle. Assim, sobram brechas para que as concessões sejam excessivas”, declara Maria Júlia, integrante do MAM. “A justificativa é pelo crescimento da economia que gira em torno da mineração, para tornar o mercado mais competitivo. Mas isso pode ser perigoso, pois trará mais impactos sociais e ambientais”, afirma Carlos.
Deficiências do novo código
As organizações ligadas ao debate da mineração têm sido excluídas das discussões do texto desde o início, de acordo com denúncias das próprias entidades.
“Estamos impressionados com o nível de centralização das decisões propostas no novo texto. O governo não quis fazer um debate público, fez em sigilo e, quando apresentou o documento, já o fez em regime de urgência. O código do regime militar era menos centralizador que esse. Nos parece uma contradição”, denuncia Carlos.
O Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração afirma que, por ser tratar de riquezas naturais, ou seja, recursos não renováveis, deve-se ter maior cuidado com as questões sociais e ambientais envolvidas. “Devemos ter um debate complexo sobre o projeto, o texto tem uma série de lacunas. Não apresenta, por exemplo, a questão ambiental. Trata o tema apenas como algo que deve ser recuperado, e do ponto de vista estrutural não há como recuperar. Deve-se ter uma política de contenção de danos, prevenção”, detalha Maria Júlia. Ela afirma ainda que o documento não trata de questões sociais, como o relacionamento com as comunidades atingidas. “O código é desumano, produtivista”, completa.
Embate dos movimentos
O Comitê realiza um encontro nacional com diversas entidades de todo o país, desde a quarta-feira (7), para debater o projeto. Até a sexta-feira (9), mais de 120 pessoas, representantes de comunidades quilombolas, sindicatos, camponeses, ONGs se reúnem em Brasília (DF). Um dos objetivos do encontro é tentar derrubar o caráter de urgência do projeto de lei.
“Apresentamos os pontos principais que criticamos e outros que consideramos que devam ser incluídos para o presidente e o relator da comissão especial do governo que discute o projeto. Achamos que a pressão da sociedade tem surtido efeito. Esse é um tema que eles vão ter que levar com mais pressão para o Planalto. Temos boa chance de conseguir vitoria parcial”, afirma Alessandra Cardoso.
Nesta quinta-feira (8), a presidenta Dilma Rousseff autorizou a liderança do PT na Câmara dos Deputados a aceitar, se necessário, acordo para a retirada do regime de urgência no qual tramita o novo código da mineração, segundo declarou o senador Wellington Dias (PT-PI).
Documento revela ligações financeiras entre políticos e mineradoras
Na segunda-feira (5), foi publicado o documento intitulado “Quem é quem nas discussões do novo código da mineração”, de Clarissa Reis Oliveira. Dados de financiamento das campanhas de diversos atores políticos envolvidos no debate são apresentados no documento. A publicação é uma tentativa de revelar os vínculos entre os políticos eleitos e as empresas mineradoras, pois estas investem grandes valores nas campanhas eleitorais.
Um exemplo é o do redator da Comissão Especial que debate o código, deputado federal Leonardo Quintão (PMDB-MG). Cerca de 20% do total do financiamento eleitoral do deputado foi doado por mineradoras.
O pesquisador Carlos Bittencourt explica que durante a criação do Comitê pensou-se na necessidade de auxiliar na construção de uma política frente ao novo código e a forma como estava sendo elaborado, sem os movimentos. Foram pesquisados dados públicos, sistematizados e publicados. “Quando um juiz vai julgar uma causa na qual ele está pessoalmente envolvido, ele é retirado do caso. No caso do Leonardo Quintão, o mínimo seria exigir que ele não pudesse legislar em uma campanha que vai afetar diretamente as empresas financiadoras de sua campanha”, declara Carlos.
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Um cheque em branco para as mineradoras - Instituto Humanitas Unisinos - IHU