02 Agosto 2013
Riccardo Cristiano, jornalista da Radio Rai, escreve uma carta ao padre Dall'Oglio: "Eu não vejo a hora de poder te telefonar de novo, como daquela vez em que eu te contatei no Iraque, e tu estavas olhando 'esta montanha estupenda, com as suas cores inebriantes'".
A reportagem é do sítio da revista Famiglia Cristiana, 30-07-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Caríssimo padre Paolo,
O verão, normalmente, tem coisas melhores para fazer do que sonhar em falar com um monge. Tu não tinhas o desejo maior e total do que ir ao encontro dos sírios, em Gazantiep, e encontrar "uma senhora de Damasco que eu conhecia quando era uma menina. Por 20 anos, eles não podiam saber se o pai médico estava vivo ou morto nas prisões dos Assad. Ele está no exílio e trabalha pelos refugiados com o seu filho".
Tu és assim, mas eu preferia as férias. Agora, porém, não vejo a hora de poder te telefonar de novo, como daquela vez que eu te contatei no Iraque, e tu estavas olhando "esta montanha estupenda, com as suas cores inebriantes".
A palavra que não te falta como a mim, tu deves ter descrito de uma forma muito melhor do que isso aquela montanha do Curdistão iraquiano, mas eu me lembro assim do início daquele breve relato. Quando eu te chamar de novo, Paolo, eu vou fazer como de costume, não para te roubar segredos, mas sim indicações úteis para continuar acreditando no ser humano, fé que vocês, filhos de Abraão, nem sempre sabem dispensar de modo convincente, enquanto tu também tens as chaves para revigorar a fé no ser humano, mesmo nos fracos, como eu.
A última vez que eu quis te incomodar neste mês de julho, eu não o fiz para te perguntar sobre o Ramadã, que tu querias que fosse um mês de oração e de encontro entre sunitas e xiitas. Tu me explicaste o que eu não tinha entendido, que no Ramadã o fraco indivíduo encontra nos outros, no coletivo, na união, a força necessária para chegar ao pôr do sol.
Eu te ouvi, mas queria te perguntar sobre a depressão, e tu, tão distante, entendeste o sentido daquela pergunta, dizendo-me que "a depressão é solidariedade, é empatia universal, é sofrimento divino". Eu sei que tu não te deprimes, mas sofres as dores do parto diante daquilo que acontece, da angústia síria, daquele povo culpado de ter pedido a liberdade.
Tu és um homem que vive cotidianamente no Evangelho, na sua radicalidade, e sentes a necessidade de testemunhar que ao menos tu não os traíste. Tu nunca o farás. E então, em poucos dias, quando eu te telefonar, vou te perguntar sobre as cores desta Raqqa onde tu te encontras, que eu nunca vi. Para mim, esses senhores com os quais tu te encontras, falando certamente sobre como eles ajudam o regime que te expulsou de lá, me interessam muito menos do que tu.
O diálogo que tu buscavas com todos, exceto com o torturador, o inimigo da dignidade do seu povo e o amigo de todas as máfias, é o motivo que pode ter te levado para aí, junto aos teus "irmãos de Raqqa". Certamente tu me falarás a respeito, mas eu te perguntarei sobre as cores, para saber se a guerra, o sangue, o pranto, a dor, a raiva, a ofensa as mudaram, as desnaturaram. É tão forte o ódio a ponto de desnaturar até a natureza? Preciso te perguntar isso com uma certa urgência...
Depressa, Paolo, o Ramadã está prestes a acabar, e tu não conseguirás levar a fé no ser humano aos corações de todos antes do dia 8 de agosto. Massignon certamente acompanha nessas conversas complexas que tu estás tendo, eu sei, e juntos buscarão a hospitalidade de Abraão nos corações de todos os seus fiéis. Porque o diálogo não serve para convencer o outro, mas sim para entender melhor a si mesmos. Mas, Paolo, é inútil esperar todos o entendam daqui até o dia 8 de agosto. Como sempre, é genial a ideia de ter ido lá, de dizer isso também a eles, mas a semente fecunda que tu lançaste germinará no tempo. Agora é o caso de pensar, mesmo entre os iraquianos, onde se encontra o teu atual convento.
Também morrem aos montes lá, todos os dias, e, como tu ouves a todos, até a mim, gostaria de te pedir que, antes do dia 8 de agosto, tu te convencesses a dar um pulo também junto deles, para lhes dar novamente uma palavra de "Ramadã e diálogo", antes que volte o verão normal.
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''Depressa, Paolo, o Ramadã está prestes a acabar'' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU