Por: Cesar Sanson | 31 Julho 2013
Pouco mais de três meses após posse, turbulência econômica, instabilidade política e ameaça de racha dentro da base aliada põem à prova capacidade do presidente venezuelano de contornar problemas herdados de Chávez.
A reportagem é do sítio Deutsche Welle, 30-07-2013.
Quando, em maio passado, a Venezuela se deparou com a falta de papel higiênico para a população, o então recém-eleito Nicolás Maduro correu para responsabilizar a oposição. O que estava ocorrendo, alegou na época, era uma “campanha midiática” que denunciava uma demanda excessiva e irreal pelo produto. Verdade ou não, o governo cedeu e teve que importar 50 milhões de rolos para tranquilizar os venezuelanos.
Como o próprio Maduro reconhece, seus cem primeiros dias após a posse oficial como presidente, completados no último domingo (28/07), não têm sido muito fáceis. Na Venezuela herdada de Chávez, falta muito mais que papel higiênico. Açúcar, café, azeite e carne de galinha, por exemplo, também são escassos nas prateleiras dos supermercados do país.
Além da falta de produtos básicos, ele viu a inflação anualizada disparar para quase 40%, a economia se desacelerar e a moeda do país, o bolívar, se desvalorizar ainda mais. Tudo dificultado por uma aparente falta de habilidade política para lidar com divisões dentro do chavismo, o que seu antecessor fazia com facilidade.
“Não é fácil, companheiros, esta luta que temos tido nos últimos cem dias. Tem sido tão heroica como a própria campanha eleitoral”, declarou Maduro em Barinas, cidade natal de Hugo Chávez, no domingo, dia que marcou também o 59º aniversário do ex-presidente.
Já presentes desde as eleições – denunciadas pela oposição como fraudulentas e que desencadearam protestos com pelo menos dez mortos – as turbulências políticas e econômicas fizeram até com que o ministro da Habitação, Ricardo Molina, ameaçasse funcionários do governo que falassem mal de Chávez, da “revolução” ou de Maduro. Em vídeo divulgado no Youtube, ele afirmou que não importam as leis trabalhistas, pois, se um “funcionário não está com a revolução ou que renuncie ou será colocado para fora”.
Não à divisão do Chavismo
Na ocasião, o presidente aproveitou para pedir unidade nas fileiras governistas. Ele admitiu que, para as eleições municipais de 8 de dezembro, foram detectadas divisões, que atribuiu a dirigentes chavistas que, segundo ele, se venderam “ao inimigo”. Sem citar nomes, Maduro pediu ainda ao povo que dê uma lição e que diga não ao divisionismo e à traição.
“Agora, Maduro tem que enfrentar crises econômicas e institucionais que previamente foram se formando. Além disso, sem a liderança de Chávez, a divisão dentro do chavismo tem se mostrado mais evidente”, afirma Ana Soliz Landivar, do Instituto Alemão de Estudos Globais e Regionais (Giga), em Hamburgo. “Mas isso existia quando Chávez ainda vivia. A diferença é que a habilidade de Chávez mantinha as relações entre os diferentes grupos em uma paz conveniente. Vamos ver se Maduro será capaz de mantê-la.”
Maduro tomou posse oficialmente há cem dias, mas está no poder desde 9 de janeiro, quando assumiu interinamente a Presidência por conta do tratamento de Chávez contra o câncer.
“Mesmo que Maduro esteja no poder há seis meses, a sombra de Chávez é muito forte na realidade venezuelana. O país é muito orientado na retórica chavista, e o próprio Maduro faz uso disso”, disse o pesquisador Thiago Gehre Galvão, do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB). “Ele está sofrendo pressão para manter as coisas como eram nos tempos de Chávez. O desafio é tentar romper isso. Ele vai ter que propor soluções novas que vão contra os interesses dos chavistas que apoiavam [o ex-presidente] Chávez.”
Economia dependente do petróleo
A Venezuela ainda não conseguiu reduzir a dependência em relação à exportação do petróleo produzido pela estatal Petróleos de Venezuela (PDVSA) – o que, na visão de especialistas, é um dos principais problemas do país. Além disso, Maduro ainda não deu sinais se vai flexibilizar a intervenção estatal na economia e facilitar o investimento privado, principalmente na área de produção de alimentos.
A desvalorização acentuada do bolívar continua gerando uma corrida da população ao mercado negro para comprar moedas estrangeiras como o dólar e o euro. E o controle de preços realizado pelo governo em relação a alguns produtos confirmam os sinais de que a economia venezuelana não vai muito bem.
“O país já herdou problemas anteriores ao chavismo, mas a política econômica populista tornou os problemas existentes ainda mais graves”, analisa o professor de economia e comércio internacional Antonio Carlos Alves dos Santos, da PUC-SP. “Ele [Maduro] precisa criar um ambiente interno mais favorável para o setor empresarial, para que eles voltem a fazer investimentos e a confiar na Venezuela.”
Para especialistas, a saída para a Venezuela passa por uma reforma estrutural, que Maduro deverá levar a cabo sem que, ao mesmo tempo, gere um descontentamento entre a base chavista. Caso isso não aconteça, afirmam, Maduro estará criando somente subterfúgios que terão efeito a curto prazo.
“Maduro tem que fortalecer a sua base de apoio e, quando tiver força suficiente, terá condições de criar um novo modelo. Se não, os problemas vão permanecer e ele terá dificuldades nas próximas eleições”, diz Gehre Galvão.
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Crise econômica e divisões no chavismo marcam 100 dias de Maduro no poder - Instituto Humanitas Unisinos - IHU