24 Julho 2013
Nunca se tinha visto um papa com uma bagagem de mão. Bispos, cardeais, sim, mas justamente um papa, ainda não. Aquela que Francisco traz consigo no momento do embarque no avião direto ao Brasil é, sem dúvida, uma maleta de professor, repleta de papéis, dada a forma e o tamanho.
A reportagem é de Marco Belpoliti, publicada no jornal La Stampa, 23-07-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Maleta em sanfona, como se veem nas mãos de advogados, notários, juízes, funcionários. Daquelas com as suas duas presilhas de fechamento metálico na frente e a alça única. Olhando bem, é a velha maleta que o cardeal Bergoglio usava no metrô, em Buenos Aires, quando visitava os bairros da periferia, apenas um pouco desgastada e corroída pelo uso.
Assim como com os sapatos, tendo-se tornado papa, o cardeal argentino usa a sua própria maleta. Afeição, continuidade, parcimônia. Uma maleta de administrador, dado o seu tamanho: instrumento de homem prático, habituado a levar o trabalho consigo, onde quer que vá. Das imagens transmitidas pela mídia, parecia uma maleta de couro. Um papa que não tem secretários "porta-maletas" no séquito, que tem se virar carregando bagagens ou pastas, é certamente uma bela novidade.
Ele se vira sozinho, carrega o peso dos papéis no avião, sem confiá-los a ninguém. Mesmo durante o encontro com as autoridades, que vieram para saudá-lo, incluindo o presidente do Conselho italiano, Enrico Letta, o papa apertou junto de si a sua maleta, como se fosse para ele a coisa mais natural do mundo, não preocupado em ter uma mão livre para apertar a dos seus interlocutores e se despedir.
Vêm à mente duas maletas famosas da história italiana, ambas, com toda probabilidade, repletas de dossiês, ambas desaparecidas: a de Aldo Moro e a de Paolo Borsellino. Pastas, agendas, arquivos, o Papa Francisco traz consigo uma carga de práticas sem resposta a serem analisadas, examinadas, lidas, anotadas.
A maleta é um sinal, não só de uma independência e autonomia de fato alcançadas e afirmadas com relação aos servidores da Casa Pontifícia, mas também de um papa que se documenta e estuda também fora da sua residência, em viagem. Também conterá livros? É possível. O Papa Bergoglio lê. Certamente não serão aqueles que ele escreveu, que já são uma pequena biblioteca. Talvez sejam aqueles que ele ainda deve escrever. Mais difícil. Agora ele tem outras urgências.
O ex-cardeal argentino não esquece, com a pasta na mão, a sua origem jesuíta, seja no estilo sóbrio e essencial, seja na forma direta com a qual parece administrar as coisas no Vaticano. A pasta de professor, portanto, também é a do jesuíta dirigente, homem prático e à mão, acostumado a reflexões abundantes e decisões rápidas.
Muitos anos atrás, em 1963, o Papa Montini, em visita à sua ex-diocese, recém-chegado ao limite do território milanês, fez com que o carro em que viajava parasse, desceu e beijou o chão: o asfalto da estrada. A fotografia que foi tirada, como lembra Claudio Franzoni no livro Il corpo come discorso, a ser lançado pela editora Guanda, nos mostra o olhar escandalizado de alguns monsenhores que o acompanhavam.
Depois do Papa Wojtyla, esse gesto de se ajoelhar e beijar o chão que visita, por parte dos pontífices, se tornou habitual. Talvez o papa com uma maleta também vai se tornar algo normal, de agora em diante.
O próximo passo, esse sim mais impressionante, mesmo no caso do Papa Bergoglio, que nos acostumou a contínuas transgressões nos gestos e no cerimonial, seria vê-lo subir no avião com uma mochila nas costas. Os estudantes, mas também os professores, não usam mais maletas e pastas.
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A bagagem de mão que se tornou um símbolo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU