16 Julho 2013
Depois de cada conclave é fisiológico um período de tempo em que a Cúria Romana é chamada a acertar as contas com o novo eleito ao sólio de Pedro. Este propõe e impõe novos estilos, e adequar-se não é simples.
A reportagem é de Paolo Rodari, publicada no jornal La Repubblica, 15-07-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Um pouco como ocorreu depois da morte de Pio XII, o papa que – palavras que lhe foram atribuídas – "não queria colaboradores, mas executores". À época, os familiares da corte pontifícia viram-se proibidos até de ingressar no Vaticano. No fim das contas, trata-se da mesma perplexidade que atingiu alguns manipuladores da Cúria Romana depois do dia 11 de fevereiro, o dia da renúncia de Bento XVI. "Não é fácil – disse Francisco recentemente, não por acaso, ao amigo jornalista Jorge Milia –, aqui há muitos 'chefes' do papa e com muito tempo de serviço".
Todos os dias, a Cúria tem que acertar as contas com a "novidade Francisco". Com ele, é sempre um novo começo. Acima de tudo, são as missas em Santa Marta no início da manhã que desestabilizam a rotina de uma corte secular, especialmente dos seus ramos mais conservadores e tradicionalistas. É aqui que o papa diz de improviso o que pensa, muitas vezes se referindo justamente à vida interna do Vaticano. Mas as palavras não vêm do nada, mas sim de mais de uma hora de diálogo silencioso e reservado com Deus.
Ninguém pode se intrometer nesse diálogo. Ninguém pode ditar ao papa as palavras que Deus lhe sugere. A palavra divina é espada e não responde a lógicas políticas ou de poder. E, consequentemente, cada vez mais frequentemente o que Francisco diz se torna uma lâmina cravada na carne viva de uma Cúria acostumada a luxos e privilégios. Depois de cada homilia, cabe ao L'Osservatore Romano e à Rádio do Vaticano fazer um relato. Mas as dificuldades são evidentes. Por exemplo, a menção explícita ao IOR que Francisco fez na sua homilia do dia 24 de abril – "o IOR é necessário, mas até um certo ponto", dissera – não foi reportada pelo jornal vaticano.
Não é fácil para as "autoridades" manter o ritmo de Francisco. Até porque, no fundo, incumbe a vontade de limpeza, de reforma. Diz-se que, depois do Vatileaks, em breve haverá ramos secos, homens a mudar, estruturas a fechar. Embora muito já esteja acontecendo, na verdade, com os abalos que varreram a cúpula do IOR (forçando o diretor-geral e o seu vice à renúncia) e que prometem nas próximas semanas investir também contra outros dicastérios com competências financeiras.
Certamente, não se pode generalizar. Do outro lado do Tibre, muitos convidam à prudência. Assim como Hegel falou da "noite em que todas as vacas são pretas", referindo-se a uma especulação incapaz de captar a complexidade do real, do mesmo modo deve-se recordar que nem a Cúria, na noite escura que está se seguindo aos meses do Vatileaks e a clamorosa renúncia de Ratzinger, parece ser toda igual. Não é assim. Nem todos tremem, em suma, à espera da grande revolução de outubro. Apenas alguns.
Estes estão em silêncio, quase não respiram. Seguram a respiração esperando que Francisco decida por eles. Sim, porque a "Relatio" sobre o Vatileaks redigida pelos cardeais Julián Herranz, Josef Tomko e Salvatore De Giorgi parece que fala justamente deles. Não de outros. Quem são exatamente? Difícil responder. A "Relatio" é top secret. E Francisco também mantém a reserva sobre ela. Embora, às vezes, fale duro: "No Vaticano – disse ele há um mês – existe um um lobby gay". Ele, em suma, conhece aqueles que remaram contra, sabe os nomes e sobrenomes, e diz que eles fazem parte de um lobby, pessoas unidas pela mesma tendência sexual. Homens capazes, evidentemente, de chantagear aqueles que caíram na sua armadilha.
O lobby usou o Vaticano para fazer carreira e também para impedir as carreiras alheias. São muitos os casos ilustres. Também recentes. É difícil enumerar todos. Sobre cardeais no processo de chegar a cargos importantes circulou o boato de que, nos seus países de origem, encobriram casos de pedofilia.
Outros foram freados em nome de uma suposta linha teológica demasiado "progressista" e com tendência a negar até a ressurreição de Cristo: "Ele nega que a ressurreição de Cristo é um fato histórico", disseram, por exemplo, sobre o cardeal Gianfranco Ravasi. Que, no entanto, estimado por Ratzinger, mantém o posto que a sua estatura merece [presidente do Pontifício Conselho para a Cultura]. Outros apontaram para uma suposta e inexistente grave doença quando, após Camillo Ruini, o presidente da Conferência Episcopal Italiana poderia ser Angelo Scola. E ainda, durante anos, o cardeal Walter Kasper teve que sofrer os discursos daqueles que viam nas suas aberturas ecumênicas uma traição do primado petrino. E muitos outros assim como ele.
Ratzinger sabia? Provavelmente sim. E quando se deu conta de que já era demais, decidiu renunciar ao pontificado, colocando em campo, assim, a ação de governo mais poderosa do seu ministério. A maior parte dos cardeais eleitores entenderam que era preciso segui-lo e, portanto, reagir e chamar ao sólio de Pedro um cardeal proveniente de um país "no fim do mundo", e pedir-lhe para desferir o golpe final contra um lobby que definiu a agenda, também gerindo a seu bel prazer os canais financeiros vaticanos.
Francisco surpreendeu a todos instituindo uma comissão de cardeais externa à Cúria, com a única exceção do curial (mas de formação diplomática) Giuseppe Bertello, com tarefas de reforma e de governo. Diz-se que esses oito prelados eram amigos de longa data. Uma amizade unida pela vontade de salvar Roma, o centro da cristandade, das garras de poucos corruptos e carreiristas. Com eles, outros amigos de confiança: o arcipreste de Santa Maria Maior, Santos Abril y Castelló, e o emérito da Congregação para o Clero, Hummes.
Francisco acredita que redenção e arrependimento são possíveis para todos. Por isso, é arriscado fazer previsões sobre quais curiais serão transferidos, demitidos, aposentados. Também pode acontecer que alguém do lobby permaneça em seu lugar, em nome de uma vontade de expiação e de arrependimento real. O que importa é outra coisa. É o fato de que o lobby não pode mais operar e agir como grupo, como enclave da vontade destrutiva. A instituição da comissão dos oito, em certa medida, esvaziou de sentido muitas das instâncias da velha Cúria. E, no futuro, o esvaziamento poderá ser maior, como confirmam as palavras que, nos últimos dias, o presidente da comissão, Oscar Rodríguez Maradiaga, disse à revista Il Regno: "É preciso uma maior colegialidade".
Francisco enfrentou o núcleo doente da Cúria de longe, também desertando os lugares em que ele costumava se encontrar e alimentar o próprio poder. Em suma, cadeiras vazias como a do concerto na Sala Paulo VI Francisco deixou muitas. As rupturas são contínuas. E atingem no coração os grupos mais conservadores do outro lado do Tibre. Àqueles que, durante anos, na era Ratzinger, impulsionaram para levar às honras dos altares, junto com Karol Wojtyla, também Pio XII, o último papa pré-conciliar, ele respondeu canonizando João XXIII, ignorando o milagre, segunda a fórmula "ex certa scientia".
Certamente, não se exclui que a causa de Pio XII com Francisco não possa sofrer uma aceleração, contudo. Mas não agora. Primeiro, é preciso fazer com que o Concílio em si mesmo respire. "Porque o senhor fala pouco do Concílio?", perguntaram recentemente ao papa. E ele: "Citá-lo é inútil. Isso o expõe aos seus inimigos. O Concílio, basta fazê-lo".
Bergoglio não seguiu o esquema aplicado por Wojtyla em 2000, quando, para aplacar as polêmicas depois do anúncio da beatificação de Pio IX, o último papa rei, ele beatificou Roncalli com ele. Ao invés, decidiu dispensar a obrigação do segundo milagre para marcar ainda mais claramente a sua própria paternidade na canonização de João XXIII. Uma maneira de dizer: "Esta é a figura em quem me inspiro". E, ao mesmo tempo, uma forma de lembrar que o problema não é a hermenêutica do Concílio, mas sim a implementação completa das suas constituições.
O afastamento dos círculos tradicionalistas encontra diversas confirmações, incluindo a clamorosa decisão de não nomear mais novos Gentis-Homens de Sua Santidade e de simplificar o cerimonial por ocasião das visitas de chefes de Estado. Incluindo o "conselho" ao presidente da República italiana, Giorgio Napolitano, de não vestir mais o fraque tradicional como sinal de proximidade ao novo estilo contrário à pompa pontifícia.
Também há uma certa confusão do lado de fora dos muros leoninos, por exemplo naquela Conferência Episcopal Italiana que, na noite da eleição, se alegrou "pela eleição de Angelo Scola". Em suma, haveria o bastante para fechar as janelas dos palácios da nobreza negra como aconteceu depois de Porta Pia. Em 1870, em sinal de luto, as residências dos aristocratas papalinos foram bloqueadas para testemunhar a estranheza com a nova época que se abria.
Da mesma forma, hoje, naqueles salões, apenas ao se nomear o novo pontífice, há quem se enrijeça por causa de um novo curso considerado excessivamente "popular". Mas Francisco, como Roncalli, embora vindo de uma raiz comum conservadora, está se distanciando de pertencimentos e "abraços" que correm o risco de limitar a sua força inovadora.
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Todos os inimigos de Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU