13 Julho 2013
A ligação entre reforma da Cúria e dinheiro atravessa os séculos. Tentativas de reforma, mesmo radicais, não faltaram, nem na Idade Média, nem na era moderna, mas o seu sucesso foi relativo.
A análise é do historiador italiano Agostino Paravicini Bagliani, professor da Università Vita-Salute San Raffaele, de Milão, ex-scriptor da Biblioteca Apostólica Vaticana e ex-professor da Escola Vaticana de Paleografia, Diplomática e Arquivística. O artigo foi publicado no jornal La Repubblica, 04-07-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
As crônicas destes dias nos falam de um novo escândalo que envolve o Instituto para as Obras de Religião (IOR), de cuja existência o Papa Francisco expressou dúvidas publicamente, afirmando: "O IOR é necessário até certo ponto", e " São Pedro não tinha uma conta no banco". São afirmações que nascem de uma profunda reflexão sobre a relação entre Igreja e dinheiro, e preanunciam uma reforma radical da Cúria.
Durante a longa história do papado, as reformas da Cúria (bastante frequentes, aliás) também foram muitas vezes motivadas por problemas de natureza financeira. E em momentos particularmente importantes não faltaram decisões radicais. No meio da chamada Reforma Gregoriana, um papa francês, Urbano II (1088-1099), ex-monge de Cluny, decidiu até confiar a outrem toda a administração papal.
Ele fez isso porque Cluny era, então, talvez a instituição europeia mais eficiente em termos de administração financeira. Mas Urbano II também queria continuar o programa da Reforma e tornar o papado cada vez mais autônomo da aristocracia romana. Essa ligação entre Cluny e o papado introduziu em Roma dois termos – o de Câmara e o de Camerlengo – que ainda hoje estão em uso. O cardeal camerlengo é responsável pela administração papal durante a vacância da Sé Apostólica.
Quando Benedetto Caetani foi eleito Papa Bonifácio VIII (1294), a Cúria não estava em boas condições. A fraqueza, em termos administrativos, do pontificado de Celestino V, o papa da "grande recusa", tinha provocado graves disfunções, permitindo até que prelados da Cúria dispusessem de bulas papais em branco...
O que fez Bonifácio VIII? Despediu – conta um cronista inglês bem-informado – todos "os banqueiros da Câmara Apostólica, conservando nos próprios serviços apenas três sociedades, as dos Mori, dos Spini e dos Chiarenti". A esses banqueiros "externos" à Cúria, ele atribuiu toda a administração papal, submetendo-os a um restrito controle. Todas as sextas-feiras eles tinham que submeter os seus registros à verificação do camerlengo.
Bonifácio VIII foi um dos primeiros papas a ser eleito por cardeais "fechados em conclave". Ora, o conclave também foi introduzido (em 1274, por Gregório X) para resolver problemas de natureza financeira. Os cardeais, de fato, tinham o hábito de prolongar as férias da Sé Apostólica, porque assim podiam usufruir das receitas da Câmara Apostólica. Gregório X havia sido eleito justamente no fim de um período de férias que durou quase três anos...
Inúmeras paródias e textos satíricos daqueles séculos evidenciam a avidez da Cúria. Para os Carmina Burana, "Roma é a capital do mundo, mas não conserva nada de limpo". O poema se servia do jogo de palavras entre mundi (do mundo) e mundum (limpo). Não se tratava de retórica. No dia 16 de junho 1281, o bispo de Hereford, Tomás de Cantalupo, sabia que "os negócios na Cúria não podem progredir se não se organizam 'visitas' gerais e individuais", ou seja, oferecendo presentes. Até mesmo em espécie.
O Mestre Geral dos Servitas (uma ordem mendicante) muitas vezes presenteou quilos de açafrão, de um altíssimo valor econômico, a diversos cardeais, incluindo o futuro Bonifácio VIII. No dia da eleição desse papa, o procurador da cidade de Bruges enviou-lhe tecidos no valor de 220 florins para "agradecer-lhe pelos serviços prestados à sua cidade quando ele era advogado da Cúria".
Alguns papas tentaram remediar esse "sistema de dons" geral – certamente não circunscrito então apenas à Cúria Romana. Para cortar pela raiz "toda oportunidade de ganância", Inocêncio IV (1243-1254) decretou que aqueles que oferecessem a um curial uma soma superior a 20 soldos (um número relativamente alto) deviam receber um recibo, o que significa que tal dom não era ilícito em si mesmo.
Também não faltaram tentativas para impor mais austeridade em termos de vida da corte. Apenas duas semanas depois da sua eleição, o terceiro papa de Avignon, João XXII (1314), decretou que os cardeais deveriam se contentar com apenas duas porções, ou apenas de peixe ou de peixe e carne. As carnes de caça (corças, veados, pavões, faisões, cisnes) podia ser acrescentada às duas porções básicas, exceto lebres, coelhos, perdizes (muito abundantes na Provence).
Apesar dessas restrições, as refeições dos cardeais, no entanto, continuaram sendo excepcionalmente ricas e variadas. E também a circulação de presentes na Cúria continuou enfurecendo muito além da Idade Média, tornando-se até uma das principais polêmicas nas primeiras décadas do século XVI por parte dos protagonistas da Reforma Protestante.
Em suma, a ligação entre reforma da Cúria e dinheiro atravessa os séculos. Tentativas de reforma, mesmo radicais, não faltaram, nem na Idade Média, nem na era moderna, mas o seu sucesso foi relativo. A reforma medieval mais duradoura foi a introdução do conclave, que conseguiu eliminar as longas Sés vacantes, retirando dos cardeais a possibilidade de proventos interessantes.
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Reformas e dinheiro: um cruzamento secular na história do papado - Instituto Humanitas Unisinos - IHU