28 Junho 2013
A bilionária política de dinheiro barato promovida pelo Federal Reserve (Fed) não funcionou na economia americana e a consequência foi a apreciação de ativos em economias emergentes. Agora, com a possível reversão do programa, esses países precisam reconhecer que são obrigados a intervir para proteger suas moedas, mas que também a desvalorização é boa para o crescimento.
A avaliação é de Joseph Stiglitz, prêmio Nobel de economia e professor da Columbia University (EUA), em entrevista ao Valor. Ele apresentou seu novo livro, sobre ajuda ao comércio de países pobres, no qual diz que a liberalização comercial pode reduzir o espaço de políticas fiscais nos países em desenvolvimento. Stiglitz, apreciado por movimentos sociais, está atento aos protestos que têm ocorrido em países emergentes, como os vistos na Rússia, Indonésia, Índia, África do Sul e, mais recentemente, Turquia e Brasil.
A entrevista é de Assis Moreira e publicada no jornal Valor, 27-06-2013.
Eis a entrevista.
Como o sr. avalia a onda de pessimismo sobre emergentes?
Há, sem dúvida, uma desaceleração nos mercados emergentes, mas eu continuo muito otimista sobre o dinamismo dessas economias. E ainda mais quando comparamos com a recessão na Europa. Os emergentes também são mais dinâmicos do que se pode ver em boa parte dos Estados Unidos. A crise na zona do euro não acabou, os europeus não resolveram seus problemas. A crise política nos Estados Unidos também não acabou, mas felizmente a economia é suficientemente forte.
Qual a dimensão do impacto da retirada do afrouxamento quantitativo sobre os emergentes?
A ironia é que o afrouxamento quantitativo não teve muito impacto nos Estados Unidos. Foi desenhado para estimular a economia americana, mas teve pouco efeito. O dinheiro não foi para onde era necessário. O impacto tem sido maior nos preços de ativos dos emergentes. A preocupação agora é com a magnitude global dessa retirada do QE3.
O que os emergentes devem fazer nesse cenário?
Eles devem reconhecer que vai haver uma reversão da apreciação (da moeda), isso é bom. É preciso gerir isso, reconhecer que o mercado financeiro é instável e que são obrigados a intervir. O crescimento econômico pode se beneficiar de câmbio desvalorizado, mas o problema são os riscos no curto prazo.
Como o sr. interpreta os protestos de rua em países emergentes, como agora no Brasil?
Acho que, no caso do Brasil, o país tem tido um grande sucesso nos últimos 20 anos, melhorando educação, reduzindo pobreza, fome, desigualdade. E uma interpretação ao que está acontecendo é que as aspirações excederam as mudanças, as aspirações se aceleraram.
Com desenvolvimento econômico, as demandas aumentaram?
Exato. São questões legítimas na democracia. Temos esta questão nos Estados Unidos: como gastar bem o dinheiro público? Em Nova York protestamos quando o governo gasta o dinheiro em estádios, mas há outras pessoas que argumentam que isso é importante para gerar crescimento e atividade econômica. Eu acho que isso não é a melhor maneira de gastar dinheiro público, e compreendo que é uma questão legítima no debate público.
E sobre o modelo de crescimento?
Não penso que haja no Brasil pessoas reclamando sobre muito consumo, mesmo havendo ambientalistas que se inquietam sobre os impactos. O que isso realmente reflete é a importante ideia levantada por nossa Comissão Internacional de Medida de Desempenho Econômico e Social (criada pelo governo francês em 2008, presidida por Stiglitz). PIB não é uma boa medida de bem-estar social. E, de alguma maneira, há muita gente dizendo nas ruas que concorda conosco. Os manifestantes estão dizendo que é tempo para um diálogo público mais amplo sobre essas questões.
A questão é gastar melhor os recursos públicos?
Muito do dinheiro gasto pelo Brasil para reduzir pobreza e fome foi muito bem gasto. E, como americano, quando eu vejo que nós gastamos dinheiro na área militar, subsidiando grandes empresas, bancos, acho que devemos pensar bem nas comparações. É legítimo que os cidadãos digam nesse caso que não estão gastando bem o dinheiro público. Devemos lembrar que muito dinheiro foi bem gasto no Brasil com coisas interessantes, basta ver as melhoras dramáticas nas estatísticas do país e quão inusual isso ocorreu, tão rapidamente.
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Desvalorização cambial pode ser boa para emergentes, diz Stiglitz - Instituto Humanitas Unisinos - IHU