06 Junho 2013
Nos primeiros dias após o conclave, dizia-se brincando que as únicas pessoas que não se encantaram com o papa Francisco foram os seus próprios seguranças, que precisaram se virar para acompanhar um pontífice determinado a quebrar o protocolo e expor-se às multidões.
Provavelmente, os spin doctors do Vaticano começarão a integrar uma lista de assessores que correm risco de ataque cardíaco porque o papa gosta de improvisar.
A reportagem é de John L. Allen Jr. e publicada por National Catholic Reporter, 03-06-2013. A tradução é de Ana Carolina Azevedo.
Como bem se sabe, Francisco adotou o costume de celebrar a sua missa diária das 7h em outro local: não nos confins privados do Palácio Apostólico, onde os andamentos da missa podem ser mantidos em segredo, mas na capela da Casa Santa Marta, hotel situado no Vaticano, local em que ele reside. Todas as manhãs, Francisco conduz uma homilia bastante improvisada para cerca de 50 pessoas; trechos dessa homilia serão, mais tarde, fornecidos pela rádio e TV do Vaticano bem como pelo jornal L'Osservatore Romano.
Suas homilias são pastorais por natureza e, muitas vezes, o pontífice utiliza linguagem simples para enfatizar seus argumentos. No dia 10 de maio, por exemplo, Francisco comparou os cristãos exageradamente desagradáveis com “pimentas em conserva.” Em 18 de maio, ele disse que fofocar na Igreja é como comer mel – tem gosto bom no começo, mas dá dor de estômago se comer demais.
Não há nenhum escritor-fantasma por trás dessas homilias, que também não são projetadas em uma sala do Vaticano. São textos muito pessoais de reflexões do próprio papa, relacionadas às leituras da escritura do dia.
Por não serem tratados sistemáticos, as homilias estão abertas a interpretações muito diferentes. Às vezes, são como um teste eclesial de Rorschach, revelando os planos dos ansiosos para rotular o novo líder.
Os liberais, por exemplo, surpreenderam-se durante uma homilia, no dia 16 de abril, dedicada ao cinquentenário do Concílio Vaticano II. Nela, Francisco criticou “aqueles que desejam voltar no tempo”, referindo-se às reformas do Concílio. Os liberais comemoram toda vez que Francisco critica o carreirismo na Igreja, como fez recentemente, no dia 28 de maio, sinalizando o fato de que esse novo papa representa uma ruptura com o clericalismo e o triunfalismo.
Entretanto, os conservadores comemoram cada vez que o novo papa utiliza o jargão tradicional, como suas menções muito frequentes ao diabo. Aplaudiram também a homilia de 5 de abril, situação em que Francisco advertiu: “Quando começamos a cortar a fé, a negociar a fé, como se estivéssemos leiloando-a, estamos tomando o caminho da apostasia, de deslealdade ao Senhor.”
Os observadores do Vaticano assistem às homilias em busca de evidências de coisas que estão por vir.
Quando um grupo do Banco do Vaticano chegou para assistir à missa matinal do dia 24 de abril, por exemplo, Francisco disse-lhes que as estruturas burocráticas são necessárias “até certo ponto”, mas se suplantarem o imperativo principal do amor, então “não são o caminho.”
Em alguns lugares, as palavras do religioso foram tomadas como uma indicação de que uma repaginada da operação financeira do Vaticano está a caminho.
As homilias também podem desencadear comoções teológicas.
Em 22 de maio, por exemplo, Francisco disse que Deus “redimiu a todos nós com o sangue de Cristo: todos nós, não apenas os católicos. Todo mundo!” E acrescentou: “Até mesmo os ateus.”
A frase desencadeou uma enxurrada de notícias e postagens em blogs sobre Francisco estar ou não enfraquecendo a doutrina católica quanto aos limites da salvação. (A saber, o debate ignorou em grande parte uma homilia de 22 de abril, em que Francisco disse que Jesus é “a única porta” de entrada no Reino de Deus e que “todos os outros caminhos são enganosos, não são verdadeiros, são falsos.”)
No despertar dessa polêmica, o padre Basílio Thomas Rosica, que atuava como porta-voz do Vaticano durante a transição papal, emitiu um esclarecimento de 2.300 palavras em 23 de maio, insistindo que Francisco “não tinha a intenção de provocar um debate teológico sobre a natureza da salvação.”
Uma parte da dificuldade é que, até agora, o Vaticano não está fornecendo transmissões não editadas ou textos completos das homilias diárias. Em vez disso, a Rádio Vaticano fornece um breve podcast de algumas seleções, e o L'Osservatore Romano oferece trechos impressos.
Alguns observadores já estão se perguntando se há alguma intenção por trás do que estão transmitindo e o que está sendo deixado de fora. Depois da homilia de 24 de abril, por exemplo, o L'Osservatore decidiu omitir a mesma notícia sobre o Banco do Vaticano que a Rádio Vaticano incluiu em sua programação.
Antigamente, o Vaticano “editava” as falas do papa de vez em quando. Como todos sabem, o uso inovador da primeira pessoa do singular por parte do papa João Paulo I, por vezes, era alterado para “nós” em transcrições oficiais. Com as homilias de Francisco, alguns suspeitam que um esforço semelhante para controlar o papa pode estar sendo feito através do truncamento e da liberação seletiva; o contrário disso seria utilizar a redação direta.
Célebre comentarista católico, o padre John Zuhlsdorf, por exemplo, escreveu que “no que concerne a mensagem do papa, deveríamos poder ouvi-la na íntegra ou não ouvi-la de maneira alguma”.
Parcialmente em resposta a essa crítica, o padre jesuíta Federico Lombardi, porta-voz do Vaticano, emitiu um comunicado de 400 palavras na sexta-feira, explicando que Francisco quer que sua missa diária tenha um ambiente “familiar” e “solicitou que não haja transmissão ao vivo em vídeo e áudio, especificamente.”
Lombardi observou que Francisco prega em italiano, “que não é sua língua materna”, e seu discurso, na verdade, geralmente é bem diferente do texto escrito. Segundo Lombardi, fornecer uma transcrição exigiria que o papa editasse o texto, o que não é algo “que o Santo Padre pretende fazer todas as manhãs.”
Lombardi insistiu na distinção entre as “atividades públicas e privadas” do pontífice. As públicas, sugeriu, vêm com textos completos, mas são modeladas posteriormente para promover a “espontaneidade e familiaridade”.
O Vaticano quer respeitar a vontade do papa, disse Lombardi, enquanto “permite a uma maior parcela do público o acesso às principais mensagens que o Santo Padre oferece aos fiéis nessas circunstâncias.”
Honestamente, os observadores da Igreja deveriam agradecer Lombardi e os métodos de comunicação do Vaticano, porque as verdadeiras alternativas não são partes do que o papa disse ou o texto todo. Levando em conta o nervosismo das instituições no que diz respeito ao controle de expressão, as alternativas reais provavelmente são trechos ou absolutamente nada, tirando o que os participantes possam revelar em segunda mão.
Francisco é uma criatura “plugada” e, portanto, lendária; o novo papa não é um líder isolado, sem consciência da vida real na Terra. Ele provavelmente sabe que suas homilias tornaram-se fontes diárias de análises e roletas matemáticas. Até agora, no entanto, ele parece determinado a não deixar que o risco de ser mal interpretado impeça comportar-se como um pastor, e não apenas um legislador, um teólogo líder.
Portanto, no momento, os vários porta-vozes e funcionários especiais do Vaticano parecem destinados a acordar toda manhã se perguntando se o dia trará uma nova sensação instantânea, provocada por esse papa notoriamente incomum.
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Francisco e os perigos de um papa que gosta de improvisar - Instituto Humanitas Unisinos - IHU