28 Mai 2013
"Em vez de esperar que em 2015 venha a surgir na ONU improvável consenso sobre metas de redução das emissões dos sistemas produtivos nacionais - somente aplicáveis a partir de 2020 - muito melhor é antecipar um acordo sobre a tributação do consumo de carbono, mesmo que restrito aos 45 países que estão no G-20. Tal resolução daria um impulso crucial à inovação tecnológica no âmbito das energias renováveis, enquanto a menos nociva das energias fósseis, o gás, ajudaria na transição", propõe José Eli da Veiga, professor dos programas de pós-graduação do Instituto de Relações Internacionais da USP (IRI/USP) e do Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ), em artigo publicado no jornal Valor, 28-05-2013.
Eis o artigo.
Quando haverá governança global que evite o pior na mudança climática, principal desafio socioambiental contemporâneo? Em apenas oito edições, o Valor publicou três emblemáticas manifestações de desesperança sobre essa possibilidade.
Na entrevista ao "The Wall Street Journal", "O que tira o sono da diretora-gerente do FMI" (Valor, 24/5), Christine Lagarde diz que "Nossos filhos serão grelhados, fritos, assados e torrados", ao responder a uma pergunta do jornalista David Wessel sobre os riscos de não enfrentamento das mudanças do clima. Não havia sido diferente a conclusão das duas últimas colunas semanais de Martin Wolf, editor e principal comentarista econômico do "Financial Times", "O mundo e o risco de caos no clima" (Valor, 15/05) e "Vitória dos céticos da mudança climática", Valor 22/05): "Apenas a ameaça de uma catástrofe mais iminente é passível de mudar esse quadro e, quando isso acontecer, poderá ser tarde demais. Esta é uma verdade deprimente".
Possível antídoto contra tanto derrotismo está na suposição de que avanços para uma efetiva governança mundial da sustentabilidade dependam essencialmente da força que vierem a adquirir os "neoconservadores" americanos e os "triunfalistas" chineses. Ambos consideram que a realização do sonho da China será forçosamente o pesadelo americano, por rechaçarem a viabilidade de ascensão tranquila dessa nação. Mas, se forem isolados, algum equacionamento da questão climática tenderá a emergir no âmbito do G-20, o que certamente contribuirá para posterior superação do impasse de quinze anos na ONU, causado pelo oligofrênico Protocolo de Kyoto.
O processo de descarbonização - de longe o maior determinante da sustentabilidade - depende da alternativa enfatizada por Kissinger em "Sobre a China" (ed. Objetiva, 2011): apostar na construção de uma "Comunidade Pacífica", adequada à coevolução da relação sino-americana. Com ela, os dois países poderiam buscar seus imperativos domésticos, cooperando sempre que possível e se ajustando de modo a minimizar o conflito.
Em vez de esperar que em 2015 venha a surgir na ONU improvável consenso sobre metas de redução das emissões dos sistemas produtivos nacionais - somente aplicáveis a partir de 2020 - muito melhor é antecipar um acordo sobre a tributação do consumo de carbono, mesmo que restrito aos 45 países que estão no G-20. Tal resolução daria um impulso crucial à inovação tecnológica no âmbito das energias renováveis, enquanto a menos nociva das energias fósseis, o gás, ajudaria na transição.
Isso significa que tem menos importância do que parece a assim chamada "trajetória avançada" da União Europeia, Coreia do Sul e Japão, ou mesmo a tendência "conservadora" de Índia e Rússia, que foram tão enfatizadas por Eduardo Viola, Matías Franchini e Thais Ribeiro no excelente livro que está sendo lançado pela editora Annablume sobre "governança global e democracia na era da crise climática". Incomparavelmente mais importante é saber em que ritmo os EUA e a China "avançam de forma moderada".
Também parece bem duvidoso o que Sérgio Abranches considerou em 2010 ser uma "agenda realista, factível e relevante": introduzir o Acordo de Copenhague no veio multilateral formal da ONU, para que fosse fortalecido e aprofundado, como processo voluntário, por adesão, mas que poderia se tornar cada vez mais politicamente vinculante. Essa é a proposta central de seu ótimo livro "Copenhague: antes e depois", publicado pela editora Civilização Brasileira.
O que a governança da sustentabilidade pode sim esperar da ONU é que tenha êxito sua iniciativa já em curso para que Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) substituam em 2015 os atuais Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), por mais que seja impossível saber se tais ODS serão adequados à necessidade de redução das pegadas ecológicas do Norte, com simultânea redução das desigualdades socioeconômicas globais. Mesmo na hipótese de que venham a sê-lo, será necessário muito tempo para que comecem a ter impactos efetivos na orientação das políticas nacionais.
Tudo isso sugere que, além de ser demasiadamente otimista, pode nem ter sentido a previsão do Conselho Empresarial Mundial para o Desenvolvimento Sustentável (WBCSD) segundo a qual uma virada no rumo a um mundo sustentável deveria ocorrer em 2020, separando a atual etapa de "turbulência" de uma "época da transformação" (www.cebds.org.br/categorias/visao-2050/).
Bem mais provável é que turbulência e transformação continuem em franca simbiose, e que jamais se estabeleça tal alternância ou clara dominância de uma sobre a outra. Essa é a perspectiva proposta em meu livro "Desgovernança Mundial da Sustentabilidade" (Editora 34), que nesta tarde será objeto de conversa com três grandes autoridades no assunto: o embaixador Marcos Azambuja, o cientista político e jornalista Sergio Abranches e o ex-ministro e atual secretário de meio ambiente, Carlos Minc. No auditório do INEA/RJ às 16h.
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Virada global em 2020? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU