13 Mai 2013
Um cardeal retirou as afirmações do Vaticano quanto a má-interpretação de comentários feitos por ele à National Catholic Reporter - NCR, em relação à crítica às irmãs católicas americanas, em 2012. O cardeal João Braz de Aviz alega apoiar a matéria do repórter da NCR, que considera "muito precisa".
A reportagem é de Joshua J. McElwee e publicada por NCR, 08-05-2013. A tradução é de Ana Carolina Azevedo.
Braz de Aviz, prefeito da Congregação para os Religiosos, disse no domingo, 05-05-2013, que não tinha conhecimento da crítica feita à Conferência de Lideranças das Religiosas (LCWR), em abril de 2012, por parte da Congregação para a Doutrina da Fé do Vaticano.
A assessoria de imprensa do Vaticano emitiu um comunicado nesta terça-feira, dizendo que o comentário publicado pela mídia relatou as observações do cardeal de modo impreciso, indicando uma divisão entre as congregações.
Braz de Aviz preside a Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica desde 2011. Como primeiramente relatado pela NCR, o cardeal comentava sobre uma ação da Congregação para a Doutrina da Fé, sob a liderança do cardeal americano William Levada, que já aposentou-se do cargo.
Braz de Aviz conversou com a NCR no Vaticano nesta quarta-feira, após uma audiência do Papa com os líderes mundiais das irmãs católicas, e disse que a reportagem de NCR sobre a sua palestra traduziu imprecisamente a palavra "autoridade" no momento de perguntas e respostas. No entanto, "foi apenas um pequeno, minúsculo ponto da entrevista", disse.
A NCR informou que o cardeal disse o seguinte: "Estamos passando por um momento" em que as ideias de "obediência e autoridade devem ser renovadas, revisadas". "Autoridade que comanda, mata. Obediência que se torna cópia do que a outra pessoa diz, infantiliza".
Braz de Aviz disse na quarta-feira que "a parte sobre a questão de obediência estava OK. Mas a pergunta sobre autoridade, essa tradução não foi exata. Eu estava tentando enfatizar que a autoridade não pode equivaler a dominação."
Braz de Aviz disse entender que, em uma época de comunicação global e linguagem internacional, as nuances da tradução podem acabar passando despercebidas, um problema dos tempos contemporâneos.
As religiosas receberam calorosamente o cardeal no domingo e na quarta-feira, após a audiência papal. Depois da partida do Papa Francisco do salão de reunião Paulo VI, Braz de Aviz passou 20 minutos falando e tirando fotografias com irmãs.
Houve tensão entre as religiosas americanas e o Vaticano, especialmente porque, em abril de 2012, que a Congregação de Doutrina criticou a LCWR, grupo que representa cerca de 80% de nada menos do que 57 mil irmãs nos Estados Unidos.
Em seu discurso no encontro da União Internacional de Superioras Gerais (UISG), realizada nesta segunda-feira, Braz de Aviz disse que seu departamento — encarregado de supervisionar o trabalho de estimados 1,5 milhões de irmãs, irmãos e sacerdotes em ordens religiosas ao redor do mundo — descobriu o movimento contra o grupo das irmãs americanas em uma reunião com a Congregação da Doutrina da Fé, após a conclusão do relatório formal sobre o assunto.
Braz de Aviz contou que, nesta reunião, disse a Levada que a questão deveria ter sido discutida pelos departamentos do Vaticano.
O Vaticano declarou, nesta terça-feira, que alguns relatórios sobre os comentários do cardeal "sugeriam uma divergência" entre os dois departamentos do Vaticano.
Segundo a declaração, lançada em inglês, "não tem como justificar essa interpretação das observações do cardeal". E continuou: "Os prefeitos dessas duas Congregações trabalham em conjunto, bem com comandam as suas responsabilidades específicas".
As líderes das religiosas reuniram-se dos dias 3 a 7 de maio, em Roma, para a Conferência da UISG, grupo de líderes de congregações mundiais de irmãs e freiras.
A seguir eis a conversa feita em uma conferência de imprensa, que também incluiu repórteres da Reuters e do Catholic News Service (CNS).
Braz de Aviz falou em italiano. A irmã Margaret Phelan, é arquivista geral de sua ordem, e traduziu para a língua inglesa a sessão de perguntas e respostas e o encontro das irmãs.
NCR: Você considera imprecisa a nossa declaração?
Braz de Aviz: Apenas uma frase, sobre autoridade, porque estava fora de contexto. ... O resto do artigo estava bem.
NCR: Qual foi o contexto que perdemos?
A palavra usada para a autoridade, a tradução exata - não foi apenas a primeira parte. A questão sobre obediência estava OK. Mas a pergunta sobre autoridade, essa tradução não foi exata. Eu estava tentando enfatizar que autoridade não pode equivaler a dominação."
Ela deve ser uma busca pela vontade de Deus, depois de ouvir o que o próximo tem em seu coração, pois Deus fala através do coração do próximo.
Dessa maneira, autoridade diz o que é preciso fazer e, neste momento, que eu preciso obedecer, em relação a fé. Não me recordo da palavra que você usou, mas a palavra não transmitia esse sentimento.
NCR: Na terça-feira, o Vaticano disse que nós sugerimos que havia uma separação entre as duas congregações do Vaticano. Nós não dissemos...
Você fala com clareza. Havia dificuldade no entendimento, pois a tradução não era clara. Tentei explicar isso depois, mas acho que não foi suficiente. Mas não culpo você por isso, pois não fiquei prejudicado.
Na minha opinião, não foi algo que diminuiu a qualidade do seu trabalho. Só que, às vezes, existe uma certa dificuldade — e as dificuldades existem, com certeza. Então, precisamos ajudar uns aos outros a esclarecer as coisas.
NCR: Que dificuldades são essas?
O entendimento da autoridade, da obediência. Este é um ponto muito importante. O papa falou [na quarta-feira] sobre este outro ponto importante: Cristo e a Igreja. Os dois precisam andar juntos.
Para alguns, Cristo está OK, mas a Igreja não. Não dá para separar os dois. Esses pontos difíceis precisam ser esclarecidos, o que não é fácil.
Você precisa confiar no próximo. Eu preciso confiar no próximo. Se eu não tiver essa relação, então eu nunca vou conseguir nada. Eu preciso presumir que o próximo está buscando a verdade e que eu também estou buscando a verdade. Se eu cometer um erro, então ainda posso pedir perdão, mas devo ter certeza de que cometi um erro.
Reuters: Como você acha que será a recepção do discurso do Papa?
Eu realmente acho o seguinte: Nós homens, mulheres, nós pessoas consagradas, ainda precisamos amadurecer bastante. Eu disse às religiosas: Primeiro, para proteger a nós mesmos, nos distanciamos dos outros, o que levou ao ponto em que nenhum de nós se conhece mais. Homens consagrados não conhecem mulheres consagradas e vice-versa. Isso nos levou a desconfiar. Nós condenamos o próximo porque não conhecemos o próximo.
Reuters: O Papa Francisco está tentando minimizar essa situação?
O Papa Francisco confia tanto em nós que geralmente nos assusta. Mas ele precisa sempre falar como Papa. Em minha opinião, eu devo fazer bom uso dessa confiança. Isso é um problema para nós, é algo que devemos melhorar. Nosso mundo é cheio de passagens escorregadias. Você diz algo; o outro interpreta da maneira que melhor se adequar ao seu entendimento de verdade. Isso é difícil para nós. Precisamos encontrar um ponto comum. Devemos sempre acreditar e trabalhar.
Reuters: As irmãs americanas, em particular, magoam-se com o que está acontecendo. Como podemos superar isso com que se magoam?
Elas devem dizer, com sinceridade, o que está em seus corações. Devem dizer, mas também buscar um meio de esclarecer, em diálogo, o que querem dizer quando falam que a doutrina não é problema ou responsabilidade delas. Há algo muito difícil de entender, que ainda precisa ser esclarecido.
CNS: Na opinião pública, você deu um ótimo passo para demonstrar que, talvez, os líderes da Igreja estejam tentando entender as irmãs. Então, com a declaração [de terça-feira], pareceu haver algum retrocesso...
Eu ainda não vi [o comunicado do departamento de imprensa do Vaticano] ainda.
CNS: Ele diz que você e o arcebispo [Gerhard] Müller se encontraram, que os jornalistas não entenderam o que você disse à imprensa, e que você e a Doutrina da Fé estão unidos na decisão contra as irmãs.
Foi um pequeníssimo ponto na entrevista com a NCR sobre autoridade, mas nada além disso. O resto estava bem.
CNS: O mundo pensa que a Igreja não entende as mulheres na Igreja — mulheres que estão fazendo uma grande parte do trabalho da Igreja, do trabalho de Jesus. Há alguma maneira de mostrar, de iniciar um diálogo para realmente sentir o que as irmãs e as mulheres estão dizendo na Igreja?
Nós gostamos muitíssimo da USG e da UISG [as duas organizações representantes dos religiosos e das religiosas do mundo]. Gostamos deles demais. Somos muito próximos deles. Nós nunca dissemos uma palavra por trás uns dos outros. E nós gostamos uns dos outros.
Agora, nós voltamos a ouvir a palavra do Papa diretamente dele. Mesmo aqueles que vieram antes de nós não tiveram esse tipo de coisa. O que mais posso fazer? Com essa boa vontade, acho que vamos fazer um grande progresso.
Se voltarmos aos pontos de diálogo... precisamos levar o diálogo com seriedade. Se você diz às Irmãs da LCWR que devem iniciar com a avaliação doutrinal, devemos esclarecer isso primeiro, que elas precisam fazer isso com o arcebispo de Seattle, pois nós não podemos interromper nada, já que não é nossa responsabilidade agora.
Em determinados pontos, a Igreja pode ser capaz de viver [com] incerteza sobre a ordenação ministerial para mulheres - eu não penso assim, mas isso não significa que há uma supremacia dos homens sobre as mulheres. Há uma distinção, sim, mas Jesus deixou-a dessa forma, não nós. Precisamos de mais mulheres nas congregações gerais. A presença das mulheres nos humaniza.
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Irmãs religiosas e o Vaticano. Cardeal tenta explicar ''ruído'' de comunicação - Instituto Humanitas Unisinos - IHU