Por: Jonas | 08 Abril 2013
Todos os primeiros atos realizados pelo papa Francisco compreendem-se como de ruptura, incluída a sua decisão de não morar no apartamento pontifício.
A reportagem é de Sandro Magister, publicada no sítio Chiesa, 08-04-2013. A tradução é do Cepat.
Além da inédita escolha do nome Francisco, o papa Jorge Mario Bergoglio está imprimindo no governo central da Igreja, desde o primeiro momento, inovações que na Cúria olham com ansiedade, para não dizer com terror.
A opção em não viver no apartamento pontifício do terceiro piso do Palácio Apostólico e de continuar residindo na Domus Sanctae Marthae, que o havia hospedado como cardeal, durante o conclave, é em si mesma um ato de ruptura. Na prática, esta escolha permite ao novo Papa se subtrair fisicamente da pressão burocrática que, caso houvesse mudado para lá, correria o risco de desarranjar sua vida e afogar sua efetiva capacidade de governo.
Seria interessante saber se e quanto já se reduziu em volume e peso as malas de documentos que cada dia a secretaria de Estado costuma levar ao escritório do Papa, para lhe apresentar textos para estudar, aprovar, autenticar, etc. Não seria estranho pensar que o estilo sóbrio e austero do primeiro pontífice jesuíta da história obrigue aos escritórios da secretaria a reduzir ao mínimo os dossiês que precisam submeter à sua consideração.
O estilo inovador do papa Francisco suscita, além disso, algumas perguntas sobre como poderá ser explicado este estilo em alguns setores específicos do governo da Igreja universal, pois, embora Bergoglio ame se definir bispo de Roma, para todos os efeitos atua e se move como Papa.
Isto se comprovou na rapidez pela qual escolheu o seu sucessor em Buenos Aires, atuando, efetivamente, como pastor da Igreja universal. A nomeação não passou pelo crivo da Congregação para os Bispos; e também parece não ter chegado após uma ampla consulta, nem entre os bispos da relativa província eclesiástica, nem entre o clero e o povo cristão de Buenos Aires.
E o mesmo pode ser dito da segunda nomeação episcopal do pontificado: o novo bispo de Vilnius, na Lituânia. No dia 5 de abril, no lugar do renunciado cardeal Audrys Backis, de 76 anos, o papa Bergoglio nomeou o jovem Gintaras Grusas, de 52 anos, desde 2010 ordinário militar do país báltico e pupilo do cardeal. Parece também que esta nomeação não passou pelo crivo da Congregação.
Depois destes precedentes, será interessante verificar qual será a práxis do novo Papa no que diz respeito às nomeações episcopais no mundo e na criação de novos cardeais. Continuará se sentindo vinculado ao teto dos 120 cardeais eleitores, estabelecido há cinquenta anos? Concederá mais púrpuras às Igrejas locais em detrimento da Cúria? Continuará premiando as sedes tradicionalmente cardinalícias ou apostará mais nas pessoas do que nas dioceses? A Itália continuará contando com nove dioceses cardinalícias e um peso preponderante no sacro colégio?
Em relação à Itália, será interessante ver se e como o papa Francisco, que também tem o título de primaz da Itália, continuará reservando para si o poder de nomear o presidente e o secretário da Conferência Episcopal. De fato, o episcopado italiano é o único no mundo em que os dois cargos não são eletivos, mas de nomeação pontifícia.
Em relação a isto, é sabido que, em 1983, João Paulo II pediu aos bispos italianos se eles próprios queriam escolher o presidente e o secretário e, efetivamente, a maioria votou a favor desta possibilidade, mas depois não se fez nada a respeito. Quem sabe agora, em nome da colegialidade, a questão será desenterrada e de qual maneira: com plena liberdade de escolha acordada entre os bispos ou atribuindo aos bispos a indicação de três nomes entre os quais o Papa decidirá.
Outra mudança estaria relacionada à Congregação para a Doutrina da Fé. Com Joseph Ratzinger, primeiro cardeal e depois papa, a Congregação teve um papel de grande importância no governo da Igreja universal:
- Na elaboração de documentos dedicados aos chamados temas não negociáveis, como as instruções “Donum vitae”, de 1987, e “Dignitas personae”, de 2008, ou as notas doutrinais sobre os católicos na vida política, de 2002, e sobre a legalização das uniões homossexuais, de 2003.
- Com censuras adotadas em relação a uma vintena de obras teológicas, algumas das quais escritas por jesuítas, a saber: por Anthony de Mello, em 1998, Jacques Dupuis, em 2001, Roger Haight, em 2004, e Jon Sobrino, em 2006;
- Com uma penetrante ação judicial a respeito dos chamados “delicta graviora” entre os quais a pedofilia, com as severas normas aprovadas em 2001 e atualizadas em 2010. Agora, com o papa Francisco, o que acontecerá?
Com um incomum comunicado, divulgado no dia 5 de abril, após a primeira audiência programada do papa Francisco com o prefeito Gerhard Ludwig Müller, a Congregação para a Doutrina da Fé quis colocar em destaque que na luta contra os abusos sexuais, cometidos pelos clérigos aos menores, serão mantidas firmes as linhas acirradas de Joseph Ratzinger. Contudo, para além do comunicado – emitido provavelmente para dissipar qualquer possível receio de descontinuidade, nessa matéria, a respeito do pontificado precedente – agora, concretamente, com o papa Francisco, o que acontecerá?
A Congregação persistirá e continuará trabalhando, em pleno ritmo, como tribunal eclesiástico centralizado para os “delicta graviora” ou delegará de novo esta tarefa aos bispos locais? Continuará intervindo sobre questões “não negociáveis” da vida e da família ou se considerará satisfeita com os documentos já publicados no passado? Continuará censurando os erros dos teólogos e teólogas ou se limitará a um papel de exortação?
Mais ainda, a Congregação continuará controlando, de maneira preventiva, os textos do papa Francisco, como acontecia com os papas precedentes? Em poucas palavras, assistiremos, como alguns sinais dão a entender, uma reorganização significativa da Congregação para a Doutrina da Fé?
Durante o pontificado de Bento XVI se empreendeu, no campo litúrgico, iniciativas que suscitaram fortes resistências, como no caso do motu próprio “Summorum Pontificum”, que novamente deu plena dignidade na Igreja latina aos livros litúrgicos pré-conciliares. Ou como na firmeza em exigir traduções mais fiéis ao original latino nos missais em língua vernácula, com uma especial atenção à tradução do “pro multis”, nas palavras da consagração. O que acontecerá agora?
E com o papa Francisco, primeiro papa proveniente de uma ordem religiosa desde meados do século XIX, como será concluída a visita apostólica às religiosas dos Estados Unidos, promovida nos últimos anos pela congregação vaticana para os religiosos?
Em especial, qual será a “missão” do novo secretário da Congregação, o franciscano espanhol José Rodríguez Carballo, nomeado no dia 6 de abril? A nomeação de Rodríguez Carballo foi a primeira da Cúria feita pelo papa Francisco, que com ele preencheu o vazio deixado pelo redentorista americano Joseph William Tobin, enviado novamente, por Bento XVI, no último mês de outubro, aos Estados Unidos como arcebispo de Indianópolis. A eleição de Rodríguez Carballo parece que não se deve tanto ao fato de ser ministro geral dos freis menores, mas ao fato de ter sido eleito, no ano passado, presidente da União dos Superiores Gerais, a máxima expressão colegial do amplo e variado mundo dos religiosos.
Nomeando Carballo, o papa Francisco não continuou a fase instrutora preparada nos últimos meses do pontificado de Bento XVI, na qual estava na “pole position”, para o cargo de secretário da Congregação dos Religiosos, a figura de um dominicano de origem estadunidense.
E agora, mudando de assunto, o que acontecerá com as conversas com a Fraternidade São Pio X, dos seguidores de dom Lefebvre? Até o momento, o papa Francisco citou o Concílio Vaticano II apenas de forma esporádica: em sua primeira mensagem à comunidade hebreia de Roma e no discurso às delegações das Igrejas e comunidades cristãs que assistiram a sua missa de início de pontificado. Ele não participou do Concílio e foi ordenado sacerdote depois do mesmo. Particularmente, não parece preocupado com a sua hermenêutica, que pela qual, ao contrário, Bento XVI se entregou muito. Em sua diocese de Buenos Aires mostrou-se muito mais tolerante em relação aos sacerdotes tradicionalistas. O que acontecerá agora?
Estas são algumas das perguntas suscitadas pelo estilo de governo introduzido pelo papa Francisco no início de seu pontificado. Outras se referem às esperadas nomeações e reformas curiais. Quando tomarão corpo? Antes ou depois do verão? Serão reduzidas, enfim, a desmedida produção de documentos papais e curiais? De que modo serão reestruturados os entes com competências financeiras, começando pelo tristemente célebre banco vaticano, o Instituto para as Obras de Religião? O número de beatificações e canonizações será reduzido? Será destravada a causa sobre o martírio de Oscar Arnulfo Romero, bloqueada há tempo pela Congregação para a Doutrina da Fé, conduzida então por Ratzinger?
As respostas chegarão com o tempo, e não faltarão surpresas, É uma aposta.
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A reforma da Cúria já começou - Instituto Humanitas Unisinos - IHU