Por: André | 28 Julho 2012
O Papa ordenou traduzir “por muitos”, em vez de “por todos”, contra o parecer dos bispos italianos. Mas agora, exatamente na Itália, dois estudiosos da Bíblia e da liturgia dão razão a Bento XVI, embora com algumas diferenças.
A reportagem é de Sandro Magister e está publicada no sítio italiano Chiesa, 26-07-2012. A tradução é do Cepat.
Com sua carta aos bispos alemães de 14 de abril passado, Bento XVI quis dizer uma palavra definitiva sobre a tradução da expressão latina “pro multis” na consagração do cálice.
Com efeito, depois do Concílio Vaticano II, em grande parte das traduções do Missal Romano nas diferentes línguas, o “pro multis” foi traduzido como “por todos”, com uma tergiversação interpretativa.
E os contínuos apelos da Congregação para o Culto Divino para uma tradução mais literal das palavras de Jesus na última ceia – nos Evangelhos de Mateus e de Marcos – foram pouco obedecidas.
Nestes últimos anos, no entanto, as novas traduções do Missal postas em marcha por alguns episcopados restabeleceram em vários países o “por muitos”.
Foi assim, por exemplo, nos Estados Unidos, a partir do Advento de 2011: “for many”. E está para acontecer o mesmo na Alemanha: “für Viele”. Na França a tradução utilizada atualmente é: “pour la multitude”.
E na Itália?
Na Igreja italiana, que tem no Papa o bispo de Roma e seu primaz, o episcopado transmitiu ao Vaticano para “recognitio”, isto é, para o controle e a autorização final, uma nova tradução do Missal que ainda mantém o “por todos”.
Foi, efetivamente, esta a tradução desejada pela esmagadora maioria dos bispos italianos quando foram convocados, em novembro de 2010, para votá-la.
Dos 187 votantes, apenas 11 optaram pelo “por muitos”. Outros quatro disseram que preferiam a versão “pela multidão”. Com a exceção de um voto em branco, os restantes 171 votaram pela manutenção do “por todos”. Na sua opinião, abandonar esta tradição poderia desorientar os fiéis, semeando dúvidas sobre aquela verdade da fé de que a salvação é oferecida a todos sem exceção.
Também o Papa Joseph Ratzinger, em sua carta aos bispos alemães, disse que está consciente deste risco. Efetivamente, pediu que o “por muitos” da consagração seja explicado de forma adequada aos fiéis, preparando-os para a sua retomada nos países onde isto está para acontecer, se não pela vontade dos bispos, por ordem da Santa Sé.
A Itália é um destes países.
E a novidade deste verão na Itália é que já se colocou em marcha uma profunda discussão sobre a tradução do “pro multis”, em diálogo crítico também com as teses de Bento XVI em sua carta aos bispos alemães, mas chegando a soluções que compartilham a substância.
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Os estudiosos que intervieram recentemente neste tema são: Francesco Pieri, sacerdote da diocese de Bolonha e professor de liturgia, grego e história da Igreja antiga; e Silvio Barbaglia, sacerdote da diocese de Novara e professor de exegese do Antigo e do Novo Testamento.
O primeiro, Pieri, está para publicar um livro sobre este argumento, editado pelas Ediciones Dehoniane de Bolonha, com prefácio do teólogo Severino Dianich, e antecipou as teses em um artigo publicado na revista Il Regno.
Pieri critica Bento XVI ali onde este defende – na carta aos bispos alemães, mas também no segundo volume de seu Jesus de Nazaré – que, por um lado, já não há mais consenso exegético sobre a interpretação de ‘muitos’ como semitismo que equivale a ‘todos’, e, por outro lado, que a eucaristia tem um raio de ação diferente daquele da morte de Jesus na cruz. Segundo o Papa, de fato, “o alcance do sacramento é mais limitado: alcança a muitos, mas não a todos”. Alcança, portanto, a comunidade celebrante concreta (“por vós”) e a Igreja em seu conjunto (“por muitos”). A Igreja que, por sua vez, foi chamada para ser fermento e luz de salvação “por todos”.
Comenta Pieri: “A interpretação proposta não carece de possibilidades, mas ao mesmo tempo ela suscita fortes reservas. A primeira de todas é a de separar excessivamente, restringindo-o, o rito eucarístico da morte redentora”.
Mas, na hora de tirar conclusões, Pieri se encontra próximo daquelas posições defendidas por Bento XVI.
Pieri compartilha a exegese da palavra hebraica “rabbim” feita por Albert Vanhoye, o grande biblista que Bento XVI nomeou cardeal, segundo o qual esta significa simplesmente “um grande número”, sem especificar se este corresponde ou não à totalidade.
Deste modo, prossegue: “No caso do ‘pro multis’, consideramos que existe uma solução para se aproximar da letra da fórmula sem trair o sentido. Está representada pela acertada tradução do Missal francês, ‘pela multidão’, que poderia ser adotada em italiano sem dificuldade e provavelmente também nas outras línguas românicas: ‘pela multidão’ ou, se se preferir, ‘por uma multidão’. Uma tradução assim, mais próxima à letra do Missal Romano que atualmente está em uso, ajudaria a entreabrir a um maior número de fiéis o coração mesmo desta oração eucarística, com a qual, durante mais de um milênio e meio, o Ocidente celebrou a missa, professando a sua fé e alimentando a sua devoção”.
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Por um outro caminho, também o outro estudioso que interveio sobre o tema, Silvio Barbaglia, chega a uma proposta semelhante à de Pieri.
Barbaglia publicou sua intervenção na revista Fides et Ratio, do Instituto Superior de Ciências Religiosas “Romano Guardini”, de Taranto.
Confessa que sua intenção inicial era mostrar a maior plausibilidade da versão “por vós e por todos”, mas que inverteu radicalmente, ao longo da sua pesquisa, esta sua “opinião preconcebida”.
Barbaglia mostra como o “adjetivo ‘muitos’ carrega em si uma natureza ‘in-definida’, que permite ampliar em termos universais ‘ex parte Dei’ o destino do dom salvífico”.
Deste modo conclui: “Se as palavras da consagração do cálice afirmam que o destino da nova e eterna aliança em seu sangue são dirigidas contextualmente aos comensais da celebração (‘por vós’) e universalmente a muitos outros (‘por muitos’), cuja identidade não conhecemos porque só Deus a conhece, creio que a expressão literal mais correta que expressa o sentido inovador dado pela redação litúrgica seja: ‘por vós e pelas multidões’.
Mas a expressão ‘pro multis’ também poderia ser expressa com dois termos, em vez de um só: através de um substantivo que expresse a ideia da multidão, acompanhado por um adjetivo que destaque a dimensão ‘in-definida’. O adjetivo da língua italiana – proveniente da língua latina – que melhor expressa tudo isto é ‘imenso’, que significa ‘sem medida’: exatamente a dimensão daquilo que não está delimitado ou definido. O resultado da análise aqui realizada seria, portanto, o seguinte: ‘Tomai e bebei dele todos, porque este o cálice do meu sangue, sangue da nova e eterna aliança, que será derramado por vós e pelas imensas multidões, para o perdão dos pecados. Fazei isto em minha memória”.
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“Pro multis”. A tradução do Papa ganha consensos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU