Por: Jonas | 11 Março 2013
Por que Lula escreveu sobre Chávez para o jornal The New York Times? O que levou a Dilma e Cristina a serem as únicas ausentes, da América do Sul, no momento mais formal do funeral? Desde quando se dá a relação da Venezuela com o Irã? Em que grupo Maduro tocava?
A reportagem é de Martín Granovvsky, publicada no jornal Página/12, 10-03-2013. A tradução é do Cepat.
Seus 14 anos no poder não passaram inadvertidos para o mundo. E seu funeral também não. O desfile incessante diante do caixão de Hugo Chávez e o horizonte eleitoral, além das presenças internacionais, permitem descobrir dados importantes da história da Venezuela e talvez, afora as simpatias ou antipatias, compreender o universo chavista.
Por que Lula escreveu o que escreveu.
Desde a morte de Hugo Chávez surgiram duas notas assinadas por Luiz Inácio Lula da Silva. Os leitores do jornal Página/12 conhecem uma. Foi publicada na sexta-feira, neste jornal. A outra apareceu nas páginas de opinião do jornal The New York Times. O fato possui significado político em si mesmo. O líder político do país mais importante da América do Sul, e um dos mais populares do mundo, escolheu explicar aos norte-americanos a sua avaliação sobre Chávez. Para aqueles que por ignorância, em geral, minimizam Lula do mesmo modo que fazem com Pepe Mujica e, depois, elogiam um Lula medroso que não existiu, nem existe, convém recordar dois dados. O primeiro é que durante sua presidência e a de Néstor Kirchner, em 2005, a Argentina, o Brasil e a Venezuela impossibilitaram a formação da ALCA, a Área Livre de Comércio das Américas. E o outro é que o suposto Lula melindroso, em 2004, expulsou do Brasil a correspondente do jornal The New York Times, Larry Rother. Ela o tratava como alcoolista.
Em seu artigo sobre Chávez, o ex-presidente brasileiro destacou a “energia sem desmaio” de Chávez, em relação à integração, e “seu compromisso com as transformações sociais necessárias para melhorar a miséria de seu povo”. E acrescentou: “Ninguém precisa estar de acordo com tudo o que Chávez disse ou fez. Não é preciso negar que foi uma figura controvertida, muitas vezes polarizadora, que nunca fugiu do debate e para quem nenhum tema era tabu. Devo admitir que, muitas vezes, senti que teria sido mais prudente que Chávez não tivesse dito tudo o que fez. Porém, essa era uma característica pessoal, que não deveria desacreditar seus méritos”.
Tem um parágrafo que uma figura como Lula não poupa ninguém. Quando ele afirma que de todos os dirigentes que conheceu em sua vida, “poucos acreditaram tanto na unidade de nosso continente e de seus diversos povos – indígenas, descendentes de europeus ou de africanos, imigrantes recentes – como ele acreditava”. O texto também elogia o espírito concreto de Chávez. Cita o tratado da Unasul, a Comunidade de Estados da América Latina e Caribe, o Banco do Sul e as relações mais estreitas entre a região e o mundo árabe. Para Lula, as ideias de Chávez talvez inspirem aos jovens com as de Bolívar inspiraram Chávez. Contudo, para que seus sonhos não fiquem no papel, seus simpatizantes na Venezuela “tem muito trabalho adiante para construir e fortalecer as instituições democráticas”. Ou seja, que o sistema política seja “mais orgânico e transparente”, “que a participação política seja mais acessível”, que se fortaleça o diálogo com os partidos de oposição e que se consolidem os sindicatos e as organizações da sociedade civil. Para não ficar apenas nos papéis, Lula fez mais por Chávez morto. Gravou uma mensagem de televisão, em sua homenagem, e viajou com a presidente Dilma Rousseff para Caracas.
Dilma e Cristina
Em um dos casos o argumento oficial foi a agenda. No outro, a hipotensão. A verdade é que Dilma Rousseff e Cristina Fernández de Kirchner foram as únicas ausências sul-americanas no funeral oficial, na sexta-feira. O restante permaneceu, incluindo os achegados Rafael Correa e Evo Morales e aos ideologicamente distintos Sebastián Piñera e Juan Manuel Santos. Em cada país, as especulações jornalísticas apontaram para hipóteses distintas. No caso de Dilma, a um suposto descontentamento com o embalsamento de Chávez e com os detalhes referentes à convocação das novas eleições. No caso de Cristina, a presumível decisão de não aparecer na mesma foto coletiva com o presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad, justo após a promulgação do memorando de entendimento com Teerã.
Para além das especulações, Rousseff não concedeu uma entrevista pessoal ao iraniano, durante a conferência Rio+20, em junho de 2012. Essa negativa foi atribuída, de acordo com funcionários brasileiros, à rejeição de Dilma referente às violações dos direitos humanos no Irã, em especial na discriminação das mulheres. E, por sua vez, este jornal pôde estabelecer que altos funcionários de Brasília continuam com a política, estabelecida em seu momento por Lula, de enquadrar de forma pacífica toda a supervisão do programa nuclear iraniano, suspeito de planos bélicos. Lula chegou a enfrentar um diálogo com o Irã, junto com Turquia, como alternativa negociadora à pressão dos Estados Unidos e de Israel.
Irã na Venezuela
Tornar o funeral de Chávez, protagonizado pelos despojados venezuelanos, apenas um recorte – com a presença, em Caracas, do negacionista do Holocausto Mahmoud Ahmadinejad – soaria arbitrário. Entretanto, seria besteira não aproveitar a ocasião para analisar a política iraniana para a América Latina. Ahmadinejad beijou duas vezes o caixão de Chávez. A segunda vez fechou o punho e o agitou horizontalmente, como se fosse um símbolo de força. Ao menos de acordo com os microfones da Telesur, e vendo na tela, o presidente iraniano foi o mais aplaudido quando o locutor foi nomeando os presentes no funeral, talvez seguido por Mujica.
Num dos poucos trabalhos argentinos sobre o assunto, “Irã no atual cenário internacional: a ascensão das relações com a América Latina”, que pode ser acessado utilizando-se da biblioteca virtual Clacso, a pesquisadora Mabel Córdoba explica que o forte vínculo entre o Irã e a Venezuela vem dos inícios da Organização de Países Exportadores de Petróleo. No governo do social-democrata Rómulo Betancourt, a Venezuela foi cofundadora da OPEP junto com o Irã, Iraque, Kuwait e Arábia Saudita. Era 1960 e quem governava o Irã era shah Reza Pahlevi, soberano-ditador desde que, em 1953, o primeiro-ministro Mohamed Mossadegh foi derrotado, um político que irritou Washington, não por seu caráter secular, mas, por ter nacionalizado o petróleo.
Em 1960, faltavam 19 anos para o levante islâmico de Ruhollah Khomeini, a quem Ahmadinejad aclama por seu fundamentalismo. Pelo lado iraniano, o próprio presidente esclareceu o objetivo. Palavras de Ahamadinejad, citadas por Moreno: “Ao invés de responder passivamente a tentativa dos Estados Unidos de isolar o Irã – política e economicamente – e se tornarem o ator dominante na região do Oriente Médio, o Irã deveria se mobilizar, agressivamente, no próprio terreno dos Estados Unidos como meio para deixá-lo nervoso ou, ao menos, tentar isto”. Enquanto que a Venezuela aposta em somar um aliado na sua estratégia de enfrentar os Estados Unidos, sobretudo, depois do golpe contra Chávez, em 2002, apesar do mercado norte-americano ainda ser o principal destino de seu petróleo.
Militares
“Nunca imaginei que veria generais chorar como crianças quando perdem seu pai”, disse Pepe Mujica em Caracas. As imagens destes dias mostraram os generais venezuelanos não apenas chorando, mas aplaudindo (outra vez Ahmadinejad concentrou o maior entusiasmo), gritando “Alerta que caminha/ a ideia de Bolívar pela América Latina”, levantando o punho para cima e abraçando funcionários civis de toda categoria e origem. A versão sobre um choque entre Nicolás Maduro e o presidente da Assembleia Nacional, Diosdado Cabello, um de origem sindical e política e o outro de origem militar, virou apenas fumaça. Cabello não apenas defendeu Maduro como presidente encarregado e como candidato do chavismo, como também, de entrada, o ministro da Defesa, Diego Molero, disse que a Força Armada Bolivariana é “anti-imperialista, socialista e chavista” e que apoiará Maduro. O trabalho para uma maior coesão militar possui 11 anos, transcorridos desde o golpe, ao final revertido, do empresário Pedro Carmona.
Agradecimentos
Para a Telesur, Evo Morales disse que “toda vez que havia um problema, Chávez o chamava para ver se precisava de algo”. Mujica disse que “Chávez foi o presidente que mais ajudou o Uruguai”. Cristina Fernández de Kirchner disse o mesmo. Acrescentou que fez isto com a Argentina “enquanto outros lhe soltavam a mão”. Mujica e seu ministro de Defesa, Eleuterio Fernández Huidobro, que foram dois dos fundadores do Tupamaros, na década de 1960, integram o setor da Frente Ampla que tem a melhor relação com o chavismo. Quando Tabaré Vázquez ganhou a primeira presidência da Frente, Chávez protagonizou um grande ato em Montevidéu. Em seguida, defendeu Mujica, mas diminuiu sua presença pública no Uruguai para não acrescentar um elemento irritativo diante de uma parcela do eleitorado, justamente numa campanha que procurava apresentar Mujica como um Che Guevara da Ciudad Vieja.
Cristianismo
Foram visíveis as manifestações de religiosidade popular desde o início do funeral. Cristo esteve na boca de muitos dos manifestantes, dos funcionários e, antes, do próprio Chávez. O biógrafo do presidente morto, Modesto Emilio Guerrero, que acaba de publicar uma edição atualizada de “Chávez, o homem que desafiou a história”, disse que na Venezuela existe “uma religiosidade desmembrada”, ou seja, sem o peso da hierarquia da Igreja católica. Apresentou um dado: os evangélicos representam mais de um milhão de votos chavistas. Do ofício inter-religioso, diante do caixão de Chávez, na sexta-feira, participou o reverendo Jesse Jackson. Ex-pré-candidato democrata à presidência, em 1984 e 1988, e militante dos direitos civis com Martin Luther King, nos anos 1960, Jackson elogiou a pessoa de Chávez e chegou a dizer que o baseball unia os norte-americanos e os venezuelanos, a grande paixão de Chávez antes de chegar à política. Ontem, entrevistado pela Telesur, Jackson disse que o presidente falecido “deu energia a quem não podia pagar, comida aos famintos e roupa aos despidos”.
“Maisanta”
Os que acreditam que a Venezuela é apenas Caribe devem ter ficado surpresos com a música tocada em homenagem a Chávez. Foram melodias llaneras da savana da Venezuela, mais parecido com os pampas rio-platenses. Uma das canções, que o próprio Chávez costumava entoar depois do recitado, é “Maisanta”. Qualquer um pode vê-la no YouTube, colocando os nomes correspondentes. Conta a história de Pedro Pérez Delgado, chamado de “Maisanta”, contração das palavras mãe santa, bisavô de Chávez. Segundo Guerrero, um neto de “Maisanta” lhe presenteou com o escapulário de seu ancestral quando Chávez estava preso, após a rebelião de 1992. Llanero oposto à aristocracia de Caracas, “Maisanta” morreu assassinado em 1924. Chávez costumava contar que tinha pesquisado a vida de “Maisanta” através das tradições orais das planícies. “Porque foi como um Emiliano Zapata, como um Pancho Villa, foram os últimos da cavalaria que saíram com a lança na mão, facão ao alto, dizendo: “Viva a Pátria! Foram os últimos a cavalo”, escreveu em seus textos “Cuentos del arañero”.
Rockeiro
O presidente empossado e candidato, que Chávez, ainda em vida, destacou como seu melhor sucessor é uma mostra de como foi se construindo o chavismo como movimento político. Motorista de ônibus de Caracas, Maduro foi dirigente sindical e, em seguida, dirigente político com Chávez. Oscar Laborde, o funcionário da chancelaria argentina que esteve muitas vezes com ele, nestes anos, devido a sua tarefa na Representação Especial para a Integração Econômica Regional, o descreveu como um interlocutor amável e bem formado, que costuma narrar suas origens no grupo Liga Socialista, que, em 2007, dissolveu-se dentro do chavista Partido Socialista Unificado da Venezuela, e o seu gosto musical. Não era a melodia llanera. Ele tocava no grupo rockeiro “Enigma”.
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Chaves e enigmas no funeral de Caracas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU