Por: Cesar Sanson | 27 Fevereiro 2013
Serviços domésticos caros e escassos começam a desenhar no Brasil uma situação parecida com a de países da América do Norte e da Europa. Mas a semelhança, dizem especialistas, termina aí, porque o país está muito longe de oferecer uma estrutura de apoio para que as famílias vivam sem o apoio da empregada doméstica.
A reportagem é de Nice de Paula e publicada pelo portal do jornal O Globo, 28-02-2013.
— A sociedade não vai mais conseguir colocar a mulher de volta dentro de casa. Elas vão continuar trabalhando, tendo filhos, então precisamos repensar as políticas públicas. Isso é caro, mas o Brasil precisa — diz Hildete Araújo, professora da Universidade Federal Fluminense e estudiosa do trabalho doméstico.
Segundo Hildete, as mudanças passam por várias áreas. Na educação, as escolas em tempo integral precisam deixar de ser um privilégio e a cobertura de creches, hoje restrita a 21% das crianças, tem que aumentar muito. A legislação trabalhista terá de dar mais flexibilidade para pais com filhos menores de 7 anos. As indústrias alimentícia e de limpeza precisarão de produtos mais práticos e, o mais importante, tem de haver uma mudança cultural.
— A História não volta. Esse mundo com essa nova perspectiva feminina é uma realidade que o país precisa discutir. Os homens vão ter que dividir mais o trabalho, as casas vão ter que ficar mais bagunçadas — prevê a professora.
É mais ou menos o que acontece na casa da francesa Nathalie Armstrong, típica representante da classe média parisiense, que nunca teve empregada e divide com o marido engenheiro as tarefas domésticas.
Babá é compartilhada
A babá de Thomas, de 2 anos, é compartilhada com outro casal. E ela é a segunda maior fonte de despesa da família, atrás apenas da prestação do apartamento no valor de € 1.500. Além disso, a família recebe cerca de € 200 por mês do governo francês a título de ajuda com o bebê.
Agora, grávida do segundo filho, decidiu pôr Thomas na escola pública e gratuita a partir dos três anos, e dispensar a babá. O bebê mais novo vai para creche, serviço que custará € 600 mensais.
Morando no Canadá, advogada brasileira Marina Spearing e o marido passam o dia fora e colocaram Oliver, de 2 anos, numa creche.
— As mais comuns aqui são aquelas em que uma mulher cuida da própria casa e de cerca de 15 crianças ao mesmo tempo. Empregada doméstica é só para a classe alta e cobra por hora. Após os 8 anos de idade, a escola é em tempo integral — conta Marina, que optou por um modelo de creche mais parecido com o maternal brasileiro e paga US$ 650 por mês por oito horas diárias.
No país, conta ela, o serviço da casa é feito por todos os membros da família e, desde pequenas, as crianças cuidam da própria roupa, arrumam cama, passam aspirador, lavam o próprio banheiro. O trabalho é facilitado pelas máquinas e inúmeros produtos de limpeza.
Falta política empresarial
Juíza aposentada do Tribunal Regional do Trabalho do Rio e ex- integrante da Comissão do Direito das Mulheres na Assembleia Nacional Constituinte, Comba Marques Porto é uma feminista. E acredita que o fim do trabalho doméstico representará um avanço, porque ele mantém “um modelo meio escravocrata e reforça um tratamento diferenciado que mantém as mulheres na cozinha e os homens na rua”. Mas ressalta que o Brasil não está preparado para viver sem domésticas.
— O país deveria ter ratificado a Convenção 156 do OIT (Organização Internacional do Trabalho), que propõe mudanças na legislação para, por exemplo, proibir empresas de punir quem se ausente do trabalho por causa de responsabilidades familiares, antes de aprovar a convenção relativa às domésticas — diz.
Comba explica que o espírito da convenção 156 é fazer com que homens e mulheres compartilhem as questões ligadas à casa.
—Não há justificativa perante a Constituição para se ter uma categoria de trabalhadores com menos direitos do que os outros. Mas é preciso pensar as transformações que serão feitas. Não há creche, não há política empresarial, não há serviços. Eu fui lavar dez lençóis e paguei R$ 114. Quem pode arcar com isso?
Mario Avelino, presidente do Instituto Doméstica Legal, acredita que a emenda constitucional que vai estender às domésticas os mesmos direitos dos demais trabalhadores provocará cerca de 800 mil demissões entre as que têm carteira assinada. E está em campanha para que o Congresso aprove um projeto de lei que reduz a contribuição previdenciária dos patrões, que hoje é de 12%, para 4% — o que compensaria os 8% de gasto adicional com o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço que se tornará obrigatório. A proposta prevê que o pagamento da multa sobre o saldo do fundo em caso de demissão sem justa causa seja opcional.
— Se o governo desonera vários setores, empresas, por que não pode fazer isso com as pessoas físicas para evitar aumento de custos e demissões em massa de domésticas, em sua maioria com mais de 40 anos e responsáveis pelo sustento o lar? — indaga Avelino.
Já a presidente do Sindicato das Domésticas do Rio, Carli Maria dos Santos, não teme demissões por causa do aumento dos direitos.
— O que eu percebi a partir de janeiro foi muitas domésticas pedindo demissão em busca de oportunidades em outros setores, e muitos patrões dispensando também. Então, que venham os novos direitos, vai ser bom para todo mundo — diz.
A auxiliar de serviços gerais Rosevânia Faria, de 42 anos, já foi babá, mudou de área e não se arrepende.
— Acho que as domésticas ganham até mais do que eu recebo hoje. Mas agora tenho todos os direitos, horário de entrada, horário de saída, conheço outras pessoas. Não gostaria de voltar, porque serviço doméstico eu já faço em casa.
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Brasil precisa de políticas públicas para superar crise dos ‘serviços domésticos’, afirma pesquisadora - Instituto Humanitas Unisinos - IHU