27 Fevereiro 2013
Por muito tempo, a sabedoria convencional sustentou a ideia de que um americano não poderia ser eleito para o trono de Pedro porque você não pode ter um "Papa-superpotência". Não só os americanos já têm muito poder, ou assim sustenta a teoria, mas uma sombra iria pairar sobre o papado na medida em que o mundo iria suspeitar que suas decisões estariam sendo secretamente criadas pela CIA. No início do século XXI, no entanto, esse preconceito tem enfraquecido, porque os Estados Unidos não são mais a única super-potência mundial. Como resultado, pela primeira vez, um americano ser eleito Papa parece algo plausível.
A análise é de John L. Allen Jr., publicada no sítio National Catholic Reporter, 19-02-2013. A tradução é de Sílvia Ferabolli.
Enquanto a mídia dos EUA tem focado no Cardeal Timothy Dolan de Nova York como a possibilidade americana mais plausível, mesmo que ainda remota, outro nome tem gerado um volume surpreendente de falatório na imprensa italiana: o Cardeal Sean O'Malley de Boston, em parte pela força de seu perfil como reformador em escândalos de abuso sexual na Igreja e em parte por causa de sua simplicidade de Capuchinho como um percebido antídoto contra a reputação do Vaticano para intrigas e jogos de poder.
Eis uma amostra do que foi publicado nos jornais italianos nos últimos dias vis-à-vis o Cardeal Capuchinho de 68 anos de Boston.
Marco Politi
Um dos escritores mais citados do Vaticano, Marco Politi deu uma entrevista no dia 14 de fevereiro para o Suddeutsche Zeitung, o principal diário em Munique, na qual lhe foi pedido que falasse sobre os favoritos do conclave. Ele respondeu: "não há nenhum favorito. Não é como a de 2005, quando houve um claro candidato em Ratzinger e um forte contraste em Martini. A situação é muito fragmentada e existem muitos papáveis. Temos o Cardeal Scola, de Milão e o Cardeal Ouellet, que dirige a Congregação para os Bispos. Há ainda candidatos da América do Sul, bem como estrangeiros como o Cardeal O'Malley, de Boston, e o Cardeal Erdo, de Budapeste. Ainda não existe qualquer agregação de votos”.
AGI
O Agencia Jornalística Italiana, ou AGI, publicou um artigo há três dias sobre os "campeões" da Igreja na luta contra o abuso clerical, enaltecendo O'Malley por "restabelecer a credibilidade da Igreja após a ‘fuga’ para Roma de seu antecessor, Bernard Law, perseguido pelo judiciário em causas de busca de compensação (para compensar as vítimas, o' Malley vendeu a residência do Arcebispo e mudou-se para viver em uma pequena sala no seminário)."
Arena
Publicado em Verona, a Arena fez um resumo dos prováveis candidatos para o papado fora da Itália. "Nos Estados Unidos, os candidatos mais prováveis são Timothy Dolan, o exuberante Arcebispo de Nova York e Sean O'Malley, o Arcebispo de Boston".
IL Giornale
Um dia após o anúncio de surpresa de Bento XVI, Il Giornale também publicou um resumo dos possíveis Papas: "Há diversos nomes de não-europeu. Dentre eles, o nome do Arcebispo de Boston, o Capuchinho Sean O'Malley, é proeminente, porque resolveu uma situação considerada bastante dramática, não só pelos abusos sexuais cometidos por sacerdotes, mas também pelos encobrimentos por seu antecessor, Bernard Law. Nas últimas semanas, Bento XVI, entre outras coisas, chamou para Roma como Promotor de Justiça na Congregação para a Doutrina da Fé, com responsabilidade por esses casos, o padre Robert Oliver, e O’ Malley como seu “braço direito”.
La Stampa
O observador do Vaticano, Giacomo Galeazzi, escreveu ontem que o candidato "indicado pelos Bispos americanos parece ser o corajoso frade capuchinho, O' Malley, o único Cardeal, juntamente com o arcebispo de Viena, Christoph Schönborn, a defender publicamente as vítimas de pedofilia (como o Papa Bento XVI, que deu prioridade aos esforços para trazer justiça para os feridos na alma e no corpo e para aliviar seu sofrimento, tanto quanto possível) quando o decano do Colégio dos Cardeais, Angelo Sodano, definido o escândalo como "fofocas mesquinhas" em uma constrangedora saudação ao Papa em 2010. "
Paolo Rodari
O aclamado escritor sobre o Vaticano, Paolo Rodari, fez um longo comentário sobre O'Malley em seu blog, no último sábado. "Há muitos que se perguntam se o próximo Papa será um Capuchinho," Rodari escreveu. "No papel, os Capuchinhos têm a superioridade numérica para levar o papado ao momento da virada. Eles estão perto do povo, eles não têm uma mentalidade 'clerical', eles enfatizam a colaboração com os leigos e têm um modelo bem simples da vida. Essas são três características necessárias para uma Igreja que pagou um preço alto por seus escândalos. … O’ Malley é um prelado humilde, o que não é nada mau para uma Cúria Romana que está sofrendo dificuldades financeiras. Não é por acaso que ele é um príncipe da Igreja que prefere seu hábito de Capuchinho marrom simples a alfaiataria esplendorosa que seu posto lhe concede. Ele é um cardeal que gosta de dialogar com seus fiéis através do Twitter e usa seu blog pessoal como um importante instrumento não só de comunicação mas de encontro com todos – sejam eles fiéis ou descrentes”.
* * *
Posso confirmar o burburinho em torno de O'Malley por experiência pessoal. Agora, é difícil para um jornalista americano caminhar pelo Vatican Press Office sem responder a perguntas de colegas sobre ele.
No momento, isso é apenas um bate-papo entre jornalistas. A ação real começará na próxima semana, quando a maioria dos Cardeais estará na cidade para uma grande despedida de Bento XVI, no dia 28 de fevereiro. Então veremos então se O'Malley tem uma tração forte como candidato. A medida em que os Cardeais de outras partes do mundo começarem a prestar a devida atenção, eles estarão propensos a ver tantas qualidades promissoras em O’ Malley quanto pontos de interrogação.
No lado positivo, muitos cardeais disseram que gostariam de um Papa com uma visão global, sensível à igreja fora do Ocidente, onde hoje vivem dois terços dos católicos. O ‘Malley tem PhD em literatura espanhola e portuguesa e uma longa experiência em ministrar aos hispânicos e haitianos. Trabalhou no Chile como sacerdote e serviu como Bispo de St. Thomas, no Caribe. Ele é profundamente ligado a muitas das devoções populares católicas de base em todo o mundo em desenvolvimento.
O ' Malley tem pelo menos um comando básico de italiano, visto pela maioria como um pré-requisito para servir como Bispo de Roma. A simplicidade de O' Malley não é apenas uma questão de vestir seu hábito marrom, ou insistir em ser chamado de "Cardeal Sean." Por reputação, ele não é dado a construção de impérios ou a jogos políticos, e na esteira da bagunça dos Vatileaks, questionamentos em curso sobre o banco do Vaticano e outro imbróglios, seu perfil poderia derrubar alguns Cardeais como uma recomendação médica.
Apesar de sua imagem geral de moderado, O'Malley segue o texto à risca quando se trata de questões da ortodoxia Católica e é especialmente comprometido com a causa pró-vida, tornando-o atraente aos cardeais que querem que a Igreja mantenha-se firme a suas posições durante guerras culturais. O' Malley também é apaixonado pela “nova evangelização," expressa não somente em seu uso do Twitter e blogs, mas em sua abordagem geral para o papel de um bispo.
Certamente a imagem de O'Malley como aquele que “limpa a bagunça”, vide a crise dos casos de abuso sexual, não é nenhum demérito. Ironicamente, o melhor porta-voz da campanha de O'Malley no momento pode ser seu colega americano, o Cardeal Roger Mahony, de Los Angeles, que (quer seja justo, ou não) tornou-se o símbolo mais recente das falhas da Igreja. A controvérsia sobre sua presença no conclave espalhou-se através do Atlântico. Esta semana a popular revista italiana Famiglia Cristiana estampou em sua capa “O Caso Mahony”, incluindo uma enquete on-line perguntando ao leitores se Mahony deveria participar da eleição para o próximo Papa. Nesse contexto, muitos Cardeais podem sentir-se pressionados a escolher um Papa visto como tendo "mãos limpas" no que concerne a crise de abuso sexual. Esses pontos positivos, no entanto, vêm entrelaçados com algumas características da biografia de O'Malley que podem fazer alguns Cardeais hesitarem.
Por um lado, O'Malley tem zero experiência no Vaticano. Enquanto isso significa sua não identificação com os últimos colapsos do local, pode também significar que alguns Cardeais vão se perguntar se ele é capaz de manter o Vaticano sob controle ou se dependerá excessivamente da ajuda de veteranos “de dentro” para conseguir agir.
Por outro lado, a O'Malley é uma alma sensível que ocasionalmente parece vergar sob o peso das demandas de seu posto. Em 2004, enfrentando não só o contencioso relativo aos abusos sexuais, mas também uma dolorosa rodada de fechamentos de paróquias, ele fez pública uma angustiada carta aos católicos de Boston, na qual escreveu: "às vezes, peço a Deus para me chamar para casa e deixar outra pessoa terminar este trabalho, mas eu continuo acordando de manhã para enfrentar mais um dia de reconfiguração". Na esteira de um Papa que renunciou apenas porque sentiu que ele não tinha mais forças para fazer seu trabalho, alguns Cardeais podem se perguntar se o O'Malley é forte o suficiente para suportar os encargos do papado.
Vale ressaltar ainda que o trabalho de O'Malley sobre a crise dos abusos não foi elogiado por todos. O grupo de vítimas SNAP acusou-o de atrasar a divulgação dos nomes dos sacerdotes acusados em Boston, afirmando que O'Malley "tardiamente e a contragosto publicou uma lista muito parcial e com informações mínimas, usando desculpas esfarrapadas por não ser mais rápido ou preciso”.
Finalmente, enquanto 34 papas anteriores vieram de ordens religiosas, não houve um único desde o século XIX, e nunca um Capuchinho foi Papa. Em alguns círculos, há uma crença de que em circunstâncias normais os Papas deveriam vir de estruturas diocesanas, ao invés de ordens religiosas, na medida em que a diocese representa a pastoral habitual que define a maior parte da experiencia das pessoas. Além disso, os próprios Capuchinhos normalmente sustentam a ideia de que eles não devem tornar-se Bispos, exceto nos territórios de missão. Entre os devotos mais entusiasmados da tradição no Colégio dos Cardeais, pode haver alguma relutância em relação a isso.
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Cresce o murmurinho em Roma sobre O'Malley, de Boston - Instituto Humanitas Unisinos - IHU