31 Janeiro 2013
As discussões sobre o “casamento para todos” configuraram um antagonismo profundo entre os partidos políticos da esquerda e da direita. A extensão dos direitos civis para casais homossexuais reestabeleceu a linha de fratura entre direita e esquerda que as políticas econômicas liberais tinham apagado. Há hoje na França uma verdadeira guerra entre os dois setores.
O artigo é de Eduardo Febbro e publicado por Carta Maior, 30-01-2013.
O confronto em torno da lei sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo passou da rua para a Assembleia Nacional na França. Depois das manifestações massivas a favor e contra o projeto de lei sobre o casamento homossexual, uma das promessas eleitorais do presidente socialista François Hollande, o projeto será discutido durante duas semanas na Assembleia. O texto conta ainda com o apoio majoritário da sociedade, mas é rejeitado frontalmente pela igreja católica e pela oposição conservadora agrupada no partido UMP (União por uma Maioria Popular). O ponto mais controverso é a possibilidade de que os casais homossexuais possam adotar crianças. Para a direita, a inclusão desse direito coloca em perigo a estabilidade familiar do país. Logo no início do debate parlamentar, a oposição conservadora se apresentou em ordem de batalha com a introdução de mais de 5 mil emendas ao projeto inicial de uma lei que se converte na reforma social mais importante desde a abolição da pena de morte adotada em 1981.
As pesquisas de opinião mostram que 63% dos franceses estão a favor do casamento gay. Essa maioria cai para 51% quando se trata de julgar a pertinência da adoção de filhos por parte de casais gays. No domingo passado ocorreu a última manifestação dos partidários do movimento “casamento para todos”. Os dois campos vêm medindo forças nas ruas de Paris há vários meses por meio de manifestações que, de ambos os lados, mobilizaram dezenas de milhares de pessoas. A filosofia defendida hoje pelo Executivo francês consiste em que a sociedade tenha os direitos igualados. A direita francesa fará todo o possível para que essa condição seja o mais demorada e complicada possível. Para começar, os conservadores da UMP, apoiados pela igreja católica e pelos bispos que movem seus fios entre as sombras, exige um referendo sobre essa importante reforma da sociedade. Apesar da forte pressão da rua, o presidente François Hollande não cedeu e manteve o calendário inicial. Hollande quer evitar que os debates parlamentares se tornem intermináveis e que, com isso, o projeto de lei seja enfraquecido.
A ministra francesa da Justiça, Christiane Taubira, foi encarregada de liderar os debates em uma Assembleia Nacional galvanizada pela controvérsia. Esse debate divide a conservadora UMP, onde 33% de seus militantes estão a favor do dispositivo. Para a UMP do presidente Nicolas Sarkozy está em jogo muito mais do que a lei. Decapitada pela derrota nas eleições presidenciais de 2012 e, posteriormente, pela batalha interna em torno do controle do partido protagonizada pelo ex-primeiro ministro François Fillon e Jean-François Copé, a direita busca restaurar sua unidade e a credibilidade perdida a partir deste debate de sociedade. Para isso, não economizou artimanhas: começou apresentando 5.166 emendas, muitas delas idênticas, a fim de prolongar os debates. Além disso, mobilizou nas ruas os grupos mais fundamentalistas como a Civitas. Mal começou o debate parlamentar, os deputados votaram contra uma moção apresentada por Henri Guaino, ex-assessor e encarregado de escrever os discursos do ex-presidente Nicolas Sarkozy, que advogou pela inconstitucionalidade do “casamento para todos”. A ministra Christiana Taubira disse aos parlamentares conservadores que eles tinham “o olhar obstinadamente fixo no passado”.
A esquerda socialista conta com uma cômoda maioria e o apoio de vários parlamentares da direita. O tema se complica, porém, no que diz respeito a uma lei paralela, a PMA (Procriação Medicamente Assistida), que permite aos casais de lésbicas com um projeto familiar sólido ter filhos. O Partido Socialista tem uma maioria estreita no Senado. A isso se soma a dificuldade de que vários socialistas estão contra essa opção. As discussões sobre o “casamento para todos” configuraram um antagonismo profundo entre os partidos políticos da esquerda e da direita. A extensão dos direitos civis para casais homossexuais reestabeleceu a linha de fratura entre direita e esquerda que as políticas econômicas liberais tinham apagado. Há hoje na França uma verdadeira guerra entre os dois setores.
As emanações mais reacionárias da sociedade saíram do armário, às vezes com posturas delirantes que remetem a princípios do século XIX. Os fundamentalistas, a direita e os católicos se empenharam em negar o que já é um fato concreto nas sociedades ocidentais. Com seus critérios exclusivos sobre o que é uma família e quem a constitui estão obstinados em não converter em direito a evidência de uma evolução com a qual todos convivemos. Em seu discurso de 40 minutos, a ministra francesa da Justiça lembrou as etapas do casamento civil desde 1971 como um extenso caminho na direção da igualdade. “Hoje, completamos a igualdade”, afirmou.
Veja também:
Homofobia, o novo muro que divide a Europa
Casamento gay, a reviravolta francesa
A batalha perdida da Igreja. Artigo de Danièle Hervieu-Léger
As religiões que desafiam o conformismo sobre os gays
Conformismo: um debate sobre as questões gays
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Casamento gay reaviva divisão entre esquerda e direita na França - Instituto Humanitas Unisinos - IHU