21 Dezembro 2012
Mais uma vez, elas dão o que falar. As Irmãs da Misericórdia, uma das congregações religiosas mais importantes dos Estados Unidos, muito conhecida pelos seus posicionamentos progressistas, manifestaram publicamente o seu apoio a Roy Bourgeois, um padre que a Santa Sé recentemente excomungou e reduziu ao estado laical por ter participado da ordenação de uma sacerdotisa.
A reportagem é de Céline Hoyeau e publicada no jornal La Croix, 18-12-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
"O compromisso do Pe. Roy com o papel das mulheres na Igreja reflete o nosso", especificaram as religiosas, sob o risco de jogar mais lenha na fogueira, no momento em que Roma pediu explicitamente que a sua organização representativa, a Conferência das Superioras das Religiosas (LCWR) reveja as suas posições doutrinais "errôneas".
Outras religiosas, a Federação das Irmãs de São José, convidaram há alguns dias a rezar e a jejuar para apoiar o processo de diálogo entre Roma e a LCWR. Um diálogo que corre o risco de ser longo e complicado, já que, se os bispos delegados pelo Vaticano não deixaram vazar nada por enquanto sobre o diálogo em andamento, as religiosas norte-americanas, ao invés, não têm intenções de recuar.
A LCWR conta com esse processo de diálogo para tentar "fazer compreender" as suas posições e "fazer com que a Igreja evolua lentamente", explica a diretora-executiva, Ir. Janet Mock: "Nós respeitamos a organização hierárquica da Igreja, mas nos parece impossível voltar atrás com relação ao processo de renovação empreendido há 50 anos na nossa vida religiosa".
Tanto na LCWR quanto in loco, as religiosas norte-americanas estão convencidas de estarem no caminho certo e de serem "proféticas". "Nós levamos o Vaticano II muito a sério", assegura a Ir. Maureen Fiedler, que apresenta todas as semanas um programa de rádio inter-religioso. Pessoalmente, ela entrou na Congregação de Loreto um mês antes da abertura do Concílio. "Atualizamos as nossas vidas, integrando a elas a mensagem de justiça e de paz do Concílio. Também retornamos à fonte das intuições das nossas fundadoras para responder aos sinais dos tempos e às necessidades das pessoas marginalizadas da nossa sociedade".
Assim como Maureen Fiedler, que exibe doutorado em ciências políticas na Georgetown University, a maioria das religiosas norte-americanas são brilhantemente graduadas, lecionam na universidade, dirigem escolas, administram os maiores hospitais do país... Mas sentem a sensação de serem "ignoradas", até mesmo "discriminadas" na Igreja.
Para a Ir. Mary Tiernan, diretora do noviciado internacional das Irmãs da Santa Cruz, que passou toda a sua vida em uma missão na América Latina e na África, as religiosas devem ser tratadas "como adultas" e não como "pobres freirinhas". "Elas devem poder fazer perguntas, compartilhar os seus talentos, ser respeitadas em suas opiniões".
Algumas delas sentem que elas e os seus bispos tomaram caminhos paralelos que, com o tempo, se afastaram. "Nas nossas comunidades – explica a Ir. Simone Campbell, presidente da rede pela promoção da justiça social Network, em Washington –, passamos de um modo de viver hierarquizado a um governo baseado no diálogo e na concertação. Aprendemos a ouvir profundamente os movimentos do Espírito Santo para chegar a uma decisão. A nossa obediência religiosa não é militar! Vivemos em uma democracia, enquanto Roma funciona como uma monarquia".
Feministas radicais? É uma das principais críticas do relatório da Congregação para a Doutrina da Fé, que se preocupa ao ver algumas religiosas colocarem novamente em discussão a estrutura hierárquica da Igreja Católica. Na verdade, muitas religiosas não escondem uma certa hostilidade com relação à hierarquia. Elas denunciam mais ou menos abertamente a "dominação dos homens", o "patriarcado".
"Muitas de nós estão engajadas na sociedade para defender a igualdade dos sexos, o que nos levou a reivindicar os mesmos direitos na Igreja", defende a Ir. Maureen Fiedler. "É claro, algumas mulheres têm altas responsabilidades nas dioceses. Mas não podem dizer nada sobre as decisões doutrinais!".
Daí surge o desejo da ordenação das mulheres... São raras aquelas que aceitam falar sobre isso abertamente, mas muitas aspiram a isso. "Somos iguais no batismo. No nosso trabalho, recolhemos as confidências e rezamos com as pessoas para pedir o perdão de Deus. A falta de padres provocará mudanças. Precisamos ser pacientes", assegura uma religiosa que passou sua vida em missão no Brasil.
Enquanto isso, algumas, que se dizem desconfortáveis na missa em que os homens são "presente demais", preferem participar discretamente de "Eucaristias sem padre"... "Isso nos aproxima entre irmãs", disse uma delas como justificativa.
Preocupado com esses desvios, o relatório da Santa Sé também acusa a LCWR de ter convidado para a sua assembleia anual conferencistas pouco alinhados com o Magistério e de ter despertado um clima em que algumas dão menos peso à divindade de Cristo, em favor das teorias new age.
Uma crítica totalmente injustificada, afirma Clare Nolan, Irmã do Bom Pastor. "Certamente, eu não rezo mais o terço diante do Sagrado Coração, mas amo o Sagrado Coração de Jesus. A minha oração está integrada na minha vida", garante essa representante junto à ONU.
A Ir. Cecilia Canales, dominicana nomeada representante da vida religiosa em Los Angeles, uma diocese com 1.800 consagradas, é categórica: "As conferências da LCWR sobre a Nova Era servem simplesmente para nos fazer descobrir as diversas correntes de pensamento atuais, para compreender melhor porque elas atraem as pessoas com as quais nós estamos comprometidas... Mas não distorcemos o ensinamento da Igreja. Isso é muito óbvio para as religiosas que eu vou visitar. Elas deram a sua vida e não querem tomá-la de volta!".
Um lado mais problemático para Roma é o fato de que a análise dos documentos da LCWR deixou claro que, se as religiosas estão muito comprometidas com a promoção da justiça social, elas permanecem em silêncio, porém, com relação à defesa da vida, em particular com relação ao aborto e à eutanásia, e às vezes se opõem ao Magistério com relação à sua concepção de sexualidade.
"A vida é muito mais complicada do que os rótulos 'pro-life' ou 'pro-choice'. Quando estamos perto as pessoas, compartilhamos os conflitos internos e não podemos nos encerrar em posições doutrinais", argumenta a Ir. Pam, assistente social em Southbend, Indiana. "Trabalhamos nas margens, e as situações que encontramos não estão escritas em livros. Buscamos ouvir o Espírito Santo, para escolher a melhor solução", resume a Ir. Mary Tiernan.
Em sentido mais amplo, alguns criticam essas religiosas de serem secularizadas e de terem abandonado a vida comunitária para escolherem por si mesmas a sua missão, o lugar onde viver, enquanto as jovens noviças aspiram a uma vida comunitária mais radical e escolhem institutos mais tradicionais.
"Em vez de marchar em fila indiana para a capela, pudemos, vivendo nos bairros, fortalecer as nossas relações com as pessoas e encarnar a nossa espiritualidade", afirma a Ir. Nolan. "Há modos diversos para viver a vida religiosa na Igreja, e não deve haver conflito entre as ordens mais tradicionais e nós", acrescenta a Ir. Janet Mock. "Nós somos capazes de ir ao encontro das pessoas às quais elas absolutamente não chegam, e elas, ao contrário, são capazes de atingir pessoas com as quais não falamos. Todas trabalhamos para construir a mesma Igreja".
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As religiosas norte-americanas continuam determinadas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU