12 Dezembro 2012
No dia 10 de dezembro, segunda-feira, em Fortaleza, faleceu o Padre Paulo Gaspar de Meneses, S.J.
Especialista em Hegel, traduziu para o português, A Fenomenologia do Espírito, além de outras obras do filósofo alemão.
Quem foi Padre Paulo Meneses
"Para os que conheceram o Padre Paulo Meneses e também para os que não o conheceram tão bem, divulgamos texto produzido pela Profª Evania Pincovsky, e por ela lido, durante homenagem prestada àquele religioso, na comemoração dos seus 85 anos de vida", informa o sítio da Universidade Católica de Pernambuco - UNICAP, 11-12-2012.
Eis o artigo.
Reunidos nesta luminosa tarde de verão nordestino, no ano novo, 2009, aqui nos encontramos para celebrar uma data memorável: os 85 anos de vida do querido Padre Paulo Meneses.
De acordo com o seu estilo e gosto, tudo será feito, não obstante o esmero e beleza, com simplicidade, recheado de carinho e afeto.
O convite para proceder a esta saudação me fez sentir emocionada e honrada com a tarefa e a oportunidade de mergulhar na releitura dos seus brilhantes textos para, tomando-os como referência, contar-lhes um pouco da história de um menino nascido no Nordeste brasileiro, em Maranguape, Ceará, no seio de uma família de intensa espiritualidade, e que se tornou um sacerdote erudito, eminente pensador, notável filósofo e pesquisador, escritor, poeta, um ser iluminado, por nós amado e admirado e com quem temos o privilégio de conviver.
Retrocedendo no tempo, vamos acompanhar parte de sua trajetória de vida. “O homem é travessia”, segundo Guimarães Rosa. Vejamos, pois, como Padre Paulo contornou obstáculos, ultrapassou horizontes, traçou e seguiu seu caminho. E tornou-se um ser singular que, em sua particularidade, realizou de modo original e único a plenitude e riqueza do universal.
Nasceu em 11 de janeiro de 1924 e já aos 10 anos de idade, o Padre Tabosa, o Santo do Ceará, profetizava para sua mãe que aquele menino viria a ser “um santo padre jesuíta”. Desde então, o sacerdócio tornou-se o sonho, o ideal, de sua vida, tendo cursado o noviciado na década de 1940, a partir dos 16 anos de idade. Aos 29, em 1953, ordenou-se.
Sua formação “básica” se deu no período de 1940 a 1955, ao realizar, no Recife, no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul, os cursos de Humanidades, Letras Clássicas, Bacharelado e Licenciatura em Filosofia e Teologia.
Em 1959, obteve o título de doutor em Filosofia, no Recife, e na década de 1960, o Diplome de L’Institute d’Etudes Politiques, em Paris.
Posteriormente, sua vasta e sólida formação intelectual e universitária foi posta a serviço da educação, da formação e difusão de seus conhecimentos e ideias, tendo exercido atividades no magistério, lecionando: Filosofia Social, História da Filosofia, Antropologia Cultural e Ciência Política, na Unicap (Recife); Economia e Ciência Política, no Chile (ILADES); Ciência Política e Pesquisa e Antropologia, no Rio de Janeiro (IBRADES); Economia, no Instituto de Estudos Superiores de Évora (Portugal); e Filosofia Hegeliana, no Mestrado da UFPE.
No âmbito de suas publicações, destacam-se artigos em revistas nacionais e estrangeiras sobre um dos temas de sua especialidade, Política e Filosofia, publicados na França, em Portugal, no Chile e no Brasil.
Dentre os livros, citam-se:
PARA LER A FENOMENOLOGIA DO ESPÍRITO DE HEGEL (ROTEIRO), ED. LOYOLA, 1a EDIÇÃO, 1985; 2a EDIÇÃO, 1992;
TRADUÇÃO DA FENOMENOLOGIA DO ESPÍRITO, DE HEGEL (2 VOLUMES), ED. VOZES, 1992;
TRADUÇÃO DA ENCICLOPÉDIA DAS CIÊNCIAS FILOSÓFICAS, DE HEGEL (1º VOLUME): LÓGICA, (2º VOLUME): FILOSOFIA DA NATUREZA, (3º VOLUME): FILOSOFIA DO ESPÍRITO. ED. LOYOLA;
HEGEL E A FENOMENOLOGIA DO ESPÍRITO, ED. JORGE ZAHAR, AGOSTO, 2003;
HOMILIAS DE ALDEIA, ED. FASA, 2003;
NOVAS HOMILIAS DE ALDEIA, ED. FASA, 2006;
ABORDAGENS HEGELIANAS, ED. VIEIRA E LENT, RIO DE JANEIRO, 2006.
Ocupou vários cargos acadêmicos, entre os quais:
Diretor do curso de Mestrado no ILADES, Chile;
Diretor do Centro de Pesquisas João XXIII (IBRADES), Rio de Janeiro;
Na Unicap: Diretor da Biblioteca, Chefe do Departamento de Sociologia, Decano do CTCH, Pró-Reitor de Pesquisa, Presidente da Comissão Editorial, Coordenador do Núcleo de Estudos para a América Latina (NEAL) e Assessor Especial do Magnífico Reitor e pesquisador de Filosofia (Hegel).
Ao completar 50 anos de sacerdócio, em 2003, Padre Paulo fez importante revelação acerca da sua forte motivação e força criadora: atribuiu à sede de conhecimentos, à vontade de superar limites e desafios, à “necessidade íntima de estar sempre querendo ir ver as coisas do outro lado, esse interesse pelo que nos defronta e confronta, nos nega e questiona”.
De fato, pode-se constatar que esse hábito perpassou sua formação e sua existência. Assim, foi no noviciado, quando a empolgação pela espiritualidade inaciana atiçou sua sede de conhecer outras espiritualidades.
O mesmo se deu com as línguas e a literatura, na medida em que a leitura voraz dos clássicos, sobretudo dos poetas latinos, da literatura francesa e russa, o levou a abrir a mente para a diversidade de contextos culturais e de outros universos.
No âmbito da filosofia, enquanto aprendia a montar silogismos e aproximações às teses escolásticas, ansiava por conhecer as grandes escolas filosóficas de Platão e de Plotino, de Descartes, Kant, Bérgson e Blondel, bem como, a filosofia do espírito e o existencialismo francês.
Deslumbrou-se, também, com a física moderna e a epistemologia científica.
No campo da Teologia, Padre Paulo assinalou que, enquanto fazia a leitura dos textos fundamentais de sua formação teológica, foi tomado de paixão por Santo Agostinho e de muito interesse pelo diálogo ecumênico e até para além dos cristãos, com as grandes religiões da Humanidade. Autores, por ele considerados “gurus e santos padroeiros” do ateísmo contemporâneo, como Nietzsche, Marx e Freud, foram, também, objetos de suas leituras.
Um outro campo do saber que lhe despertou interesse foi motivado pela leitura da obra de Levi Strauss, que o levou a conviver, por um tempo, com índios do Norte do Brasil. Esta experiência lhe permitiu conhecer uma sociedade e cultura bem diversa da nossa.
Interesse e curiosidade permanentes também tem demonstrado por movimentos de questionamentos da sociedade, nacionais ou estrangeiros, desde a onda de descolonização do pós-guerra, passando pelo socialismo operário, movimentos camponeses, causas indígenas, Women’s Lib, Black Power, minorias, contra-cultura etc.
Nos últimos anos, tem se dedicado com invulgar entusiasmo à filosofia hegeliana. É notável a sua contribuição, através da publicação de artigos e livros, para que esse sistema seja compreendido, na contemporaneidade, por leitores de língua portuguesa. Suas traduções são aclamadas nacionalmente e além-mar. Desde 1970, dirige um grupo de estudos, verdadeiro núcleo de formação e desenvolvimento de “hegelianistas” e de difusão do sistema filosófico do pensador alemão. O reconhecimento desta sua importante contribuição o fez receber o título de Presidente de Honra da Sociedade Hegel do Brasil.
Padre Paulo, este ser múltiplo, é dotado de notável sensibilidade que o leva a escrever poesias, apreciar óperas, ballet, música erudita e popular, cinema, artes plásticas etc. É um verdadeiro esteta e tudo o que o cerca, nos ambientes em que vive, tem a sua marca, seu estilo. É capaz de transformar peças e objetos abandonados em atraentes e belos elementos de decoração. Dotado também de apurado paladar, aprecia bons vinhos e a boa gastronomia, acompanhados, sempre, de amigos e de animadas conversas.
Sabe cultivar amizades, cativa as pessoas com gestos solidários, palavras de incentivo e gratidão.
Porém, a história da vida de Padre Paulo, sua rica trajetória, que pretendi apresentar, não se encerra aqui: atravessará o tempo e servirá de exemplo de como um ser pode alcançar a felicidade, busca de todo existente. O seu ímpeto de realizações, sua ânsia de ser mais, de se expandir até os limites de sua própria pessoa e, até mesmo, superá-los, quando possível, o tornam um homem virtuoso que sabe viver sabiamente e ser feliz.
Nós, seus familiares e amigos, o saudamos com emoção e alegria e nos jubilamos por podermos partilhar de sua brilhante existência.
Recife, 12 de janeiro de 2009.
Leia também: O desafio de traduzir Hegel para o português. Entrevista especial com Paulo Meneses - Revista IHU On-Line, no. 217
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Morre Paulo Meneses, jesuíta, tradutor de Hegel - Instituto Humanitas Unisinos - IHU