Por: Jonas | 04 Dezembro 2012
Dawn Paley, jornalista independente de Vancouver (Canadá), escreve que “a escavação em Cobán traz à luz a crua realidade do conflito armado guatemalteco, durante o qual os insurgentes – ativistas políticos e estudantes, líderes indígenas ou membros de comunidades, entre outros – foram sequestrados e torturados em massa”. O artigo é publicado no sítio América Latina en Movimiento, 27-11-2012. A tradução é do Cepat
Eis o artigo.
Desde fevereiro, antropólogos forenses encontraram cerca de 400 restos humanos numa base militar em Cobán, Guatemala. Rapidamente, tornou-se a descoberta de uma das maiores valas comuns clandestinas do país. Durante o conflito armado, que açoitou o país durante 36 anos e que foi cenário de atos genocidas, a base de Cobán serviu como centro de inteligência para a coordenação de operações militares.
Porém, o que se torna extraordinário, neste caso, é que a base militar continua ativa atualmente. Efetivos militares e policiais estrangeiros ajudam a base, com regularidade, a treinar as tropas da Guatemala, El Salvador, Nicarágua, Honduras e República Dominicana. Em 2006, a área militar de Cobán foi rebatizada com o nome de CREOMPAZ, siglas para o Comando Regional de Treinamento de Operações de Manutenção da Paz.
A arrepiante história da base militar de Cobán, na Guatemala, e a impunidade diante do extermínio de homens, mulheres e crianças acarreta um inquietante pano de fundo para as “operações de paz” na atualidade.
Por toda a capital guatemalteca podemos encontrar outdoors ou cartazes nas paradas de ônibus que anunciam as atuais escavações. Na extrema direita do anúncio, vemos uma mulher com uma máscara observando um instrumento médico. A mesma fotografia, em Los Angeles, poderia servir para anunciar um programa de perda de peso. Em Houston, para divulgar uma clínica particular. Entretanto, aqui não. Ao invés disto, o texto na margem superior diz: “Você tem um familiar desaparecido entre 1940 e 1996?” E prossegue: “por meio do DNA, estamos identificando-os. Uma mostra de saliva é suficiente”.
A Fundação de Antropologia Forense da Guatemala (FAFG) lançou a campanha para, deste modo, tratar de identificar os restos dos desaparecidos ao comparar seu DNA com o dos familiares vivos. Os antropólogos da FAFG trabalham por toda Guatemala escavando, resgatando e finalmente exumando restos humanos.
A área do CREOMPAZ é uma das maiores escavações em ativo.
“Nós acompanhamos um pouco mais de 400 mapeamentos da área, nos quais encontramos, agora mesmo, 60 valas e 426 ossadas, em sua maioria, como em todos os lugares, são homens, mas também há mulheres. Contudo, neste lugar em específico, no CREOMPAZ, também há muitas crianças”, explicava José Suasnávar, subdiretor-executivo da FAFG, durante uma entrevista em Cidade da Guatemala, em outubro. A FAFG é a única organização da Guatemala que se dedica à identificação dos cerca de 50.000 desaparecidos, durante o conflito interno vivenciado no país.
Estima-se que a maioria dos restos encontrados na área do CREOMPAZ pertence a membros de comunidades desaparecidos em todo o país. Homens e mulheres sequestrados pelo exército enquanto iam comprar comida para seus filhos, gente que numa manhã qualquer disse adeus a seus familiares antes de ir à escola ou ao trabalho e dos quais nunca mais se soube. Os exames dos antropólogos forenses revelam que as pessoas que desapareceram, em diferentes regiões, foram levadas por soldados do exército para a base de Cobán, para ser interrogadas e torturadas e, posteriormente, tornarem-se vítimas de uma execução extrajudicial, acompanhada por um enterro secreto.
As exumações na área do CREOMPAZ evocam imagens de puro terror.
“O diferencial muito radical que temos nesta base militar... [é que] aqui conta-se com até 62 pessoas enterradas numa só vala, que representa um só episódio”, afirma Suasnávar.
Segundo ele, alguns restos exibem feridas de bala. A maioria dos cadáveres apresentam sinais de que foram amarrados e muitos mostram ossos que se romperam, foram recuperados e romperam-se novamente, o que indica que as vítimas foram torturadas e interrogadas, algumas durante longos períodos de tempo, antes de ser assassinadas e jogadas na vala.
A escavação em Cobán traz à luz a crua realidade do conflito armado guatemalteco, durante o qual os insurgentes – ativistas políticos e estudantes, líderes indígenas ou membros de comunidades, entre outros – foram sequestrados e torturados em massa. Crianças também foram assassinadas e, em seguida, jogadas em valas clandestinas na base. Tudo isto aconteceu dentro dos limites de uma área sob o controle militar.
Das 28 antigas áreas militares em que a FAFG realizou escavações, a partir de 1996, em 24 foram encontrados restos humanos. Algumas dessas escavações continuam ativas e ainda restam mais bases, zonas e destacamentos para serem investigadas. A escavação na área do CREOMPAZ significou o maior descobrimento de restos humanos numa base.
“Com o acordo de paz, muitos dos destacamentos ou bases militares foram reduzidos e fechados. Porém, neste local os militares se mantiveram durante todo o tempo”, afirma Suasnávar, mencionando a base de Cobán. “Eles nos dizem: ‘Não sabíamos que isto tinha ocorrido, foi outro tempo, foram outras pessoas, já os encontraram, agora nem tem como lidar com isto’. Essas são as palavras que nos dizem em relação às descobertas. Entretanto, a continuidade na estrutura, em função, o controle territorial que se faz nesses lugares foi estritamente militar”.
Mesmo com a descoberta das valas comuns na base, os treinamentos militares e policiais continuam e contam com o apoio de países como os Estados Unidos e Canadá.
“Esta instalação tem uma espécie significado para o corpo militar das Nações Unidas, de fato, os soldados e oficiais que aí se localizam, no caso do exército guatemalteco, utilizam o distintivo dos capacetes azuis”, declara Iduvina Hernández Batres, da organização Segurança na Democracia (Sedem), com sede em Cidade da Guatemala. “No entanto, isto está acontecendo, e esta unidade existe num terreno que, hoje em dia está registrado, constituiu um enorme cemitério clandestino”, afirma.
Em 2011, o Pearson Centre de Ottawa organizou uma oficina, na área do CREOMPAZ, sobre “polícia e cooperação militar em operações de paz”. O Ministério de Assuntos Exteriores e Comércio Internacional do Canadá e o Comando Sul de Estados financiaram conjuntamente o evento. Alguns soldados treinados no CREOMPAZ serviram em missões das Nações Unidas no Haiti e na República Democrática do Congo.
Para alguns, como Ka’koj Ba Tiul, professor e antropólogo da etnia Poqomchi”, o CREOMPAZ recebeu um limpeza injustificada de sua imagem ao rebatizar a base militar como centro para a manutenção da paz.
“É uma escola de assassinos. Seu papel oculto é a formação de um quadro de inteligência militar contra-insurgente”, afirma Ba Tiul, chamando o CREOMPAZ de “pequena Escola das Américas”.
“Há instrutores argentinos, há instrutores chilenos, há instrutores colombianos, há instrutores norte-americanos e há instrutores israelitas aqui”, declarou Ba Tiul, numa entrevista em sua casa, que fica a pouco mais de 12 quilômetros da base. “Neste local está se adestrando todos aqueles que farão parte do modelo contra-insurgente moderno para a Guatemala, para a América Central”.
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A arrepiante história da base militar de Cobán, na Guatemala - Instituto Humanitas Unisinos - IHU