Por: André | 28 Novembro 2012
“Há um belo parágrafo que convém recordar. ‘Mas não devemos só revisar os nossos comportamentos pessoais, mas também as estruturas da nossa Igreja, o modo de exercer o nosso sacerdócio, as formas de participação, o lugar outorgado aos leigos e em especial à mulher’. Em outro lugar, acrescentam: ‘Faz-se necessário adequar as nossas celebrações litúrgicas e nossas formas de piedade’”. O texto faz parte de um comunicado de diversas organizações laicas do Chile em que expressam, entre outras coisas, sua “profunda alegria e satisfação pela Carta Pastoral do Comitê Permanente do Episcopado” daquele país.
Dizem também que a referida Carta “deve ser estudada, comentada e divulgada em todos os lugares” e se “comprometem a fazê-lo”.
O comunicado está publicado no sítio da revista chilena Reflexión y Liberación, 16-11-2012. A tradução é do Cepat.
Eis o comunicado.
As organizações laicas abaixo-assinadas nos dirigimos à opinião pública e também aos nossos bispos para expressar a nossa profunda alegria e satisfação pela Carta Pastoral do Comitê Permanente do Episcopado nacional, de setembro deste ano. Fazia muitos anos que esperávamos algo assim. Concordamos com os bispos quando eles mesmos dizem que há 50 anos que não se publicava um documento semelhante. Foram tempos de verdadeira seca doutrinal e de orfandade pastoral. Muitos haviam perdido a esperança e se havia produzido o que se chamava de um “cisma silencioso”. Por esta razão é que, inspirados em Jesus, consideramos esta Carta como uma Boa Nova para o Chile e em particular para os pobres.
É muito interessante comprovar a acolhida que este Documento teve. Como era de se esperar não deixou ninguém indiferente. Nem os vários atores sociais, econômicos e políticos em âmbito nacional, nem os cristãos que reagiram de diferentes maneiras. Alguns já disseram que não se sentem obrigados a seguir estas orientações. Cremos que esta Carta abre uma nova etapa na vida da nossa Igreja. Os próprios bispos o reconhecem. Com efeito, dizem: “A ninguém se oculta que, por nossas faltas, a Igreja perdeu credibilidade”. As pesquisas demonstram-no. Em 1995, a confiança na Igreja chegava a 80%; em 2011 a 38% e em 2012 baixou ainda mais. Muitos leigos haviam perdido a esperança. Passou-se muito tempo. Oxalá, que nossos pastores perseverem neste caminho e não surjam vozes discordantes dentro da própria Conferência Episcopal.
Como leigas e leigos cristãos valorizamos e acolhemos esta oportuna reflexão dos bispos católicos. Cremos que deve ser estudada, comentada e divulgada em todos os lugares. Nós nos comprometemos a fazê-lo. Entretanto, queremos destacar alguns aspectos inovadores e inesperados.
1. Pedido de perdão. Sabia-se que os bispos chilenos, seguindo Bento XVI, quando foram revelados alguns escândalos, pediram perdão. O mesmo fez o arcebispo de Santiago no Te Deum das Festas da Pátria. No entanto, desta vez a atitude é diferente. Estávamos acostumados a um estilo autoritário e quase prepotente. Agora ouvimos dizer: “Nós somos os primeiros que devemos ser evangelizados”; “Devemos assumir o chamado a uma profunda conversão”. Aos que antes eram desqualificados e às vezes condenados, agora se lhes diz humildemente: “Quem se sentiu ofendido pode nos ajudar a fazer o caminho do reencontro”. Oxalá, que cada bispo em sua diocese e cada sacerdote adote e incorpore uma atitude semelhante.
2. Um novo estilo de falar. Os documentos episcopais falavam “ex cátedra”, de cima, da verdade absoluta. Agora os bispos assumem este momento como um chamado “a uma profunda conversão”. Também dizem que “para ser fiéis ao Evangelho” se sentem chamados “a escutar o clamor de nosso povo expressado nos movimentos sociais”. Uma Igreja que ouve, que acolhe, que é misericordiosa, que aprende é a Igreja de Jesus. A este respeito quiséramos recordar uma reflexão de Santo Agostinho: “Quando a necessidade nos obriga a repreender alguém, perguntemo-nos se nós não cometemos a mesma falta, e tenhamos em conta que somos homens e que podemos tê-la cometido. Ou talvez a tivemos e já não a temos, e então lembremo-nos de nossa comum fragilidade, para que a correção proceda não do ódio, mas da misericórdia. E se temos consciência de nos vermos mergulhados no mesmo vício, não o joguemos no rosto, mas choremos com ele, e, mutuamente, convidemo-nos ao arrependimento.
3. Conversão e mudanças de estrutura. Há um belo parágrafo que convém recordar. “Mas não devemos só revisar os nossos comportamentos pessoais, mas também as estruturas da nossa Igreja, o modo de exercer o nosso sacerdócio, as formas de participação, o lugar outorgado aos leigos e em especial à mulher”. Em outro lugar, acrescentam: “Faz-se necessário adequar as nossas celebrações litúrgicas e nossas formas de piedade”. A este respeito, como leigos e leigas, queremos dizer a nossos bispos que há um profundo descontentamento com as missas dominicais nas paróquias. A reforma litúrgica do Vaticano II se deteve há tempos e as atuais celebrações são monótonas e rotineiras. Também não estamos contentes com a homilia de alguns sacerdotes. Alguns não se preparam, não relacionam o Evangelho com a vida e os pastores, às vezes, dão a impressão de estarem cansados e agoniados.
4. Aspectos da Doutrina Social da Igreja. Junto com os pontos anteriores queremos valorizar alguns temas que estão no capítulo IV de “Evangelizar a Cultura” e que, segundo o texto, “constituem o essencial desta Carta pastoral”.
a) Dignidade da pessoa humana. A carta nos diz que Jesus nos ajuda a entender esta dignidade. Esta visão nos convida também a nos voltarmos respeitosamente para os nossos irmãos dos povos originários da nossa pátria. Eles têm o direito a expressar, desde a sua perspectiva, a mensagem de amor, respeito, igualdade e paz oferecida pelo Evangelho. Façamos nossas as suas demandas justas que exigem reparar séculos de marginalização e injustiças. Sejamos cuidadosos para corrigir as nossas próprias faltas do passado, de modo que jamais o cristianismo possa aparecer como uma fé que se impõe pela força sem respeitar suas culturas. O Evangelho deve ser enriquecido com suas melhores tradições e procurar encarnar-se nelas como o faria Jesus Cristo.
b) A importância de uma família. Em relação a este tema, permitimo-nos dizer uma palavra iluminada por nossa própria práxis comunitária. Atualmente, existem diversos tipos de família. Vemos que os cristãos de hoje são casados, divorciados, separados, solteiros ou homossexuais; cada qual vive intensamente esta busca, um pouco à margem do discurso eclesiástico. Os cristãos calam sobre suas vivências pessoais e deixam o clero pregar no deserto. Pensamos que desta maneira não se chegará a testemunhar o Evangelho como nos pede a Igreja.
c) A sexualidade. Realmente nos surpreende a maneira positiva como se fala deste tema na Carta Pastoral. Contrasta com as proibições de documentos passados. Também os bispos dizem: “Preocupa-nos também que muitos percebam a nossa mensagem atual como uma moral de proibições”. Aqui, nossa Igreja e todos nós temos que nos recapacitar sobre como construímos culturalmente o que diz respeito à sexualidade humana. Os consagrados e o laicato temos muito que aprender da história de restrições que a nossa Igreja manteve de Santo Agostinho em diante. Chama-nos a atenção a falta de formação dos sacerdotes em relação à sexualidade. Também nos preocupa que ao analisar as causas dos erros e abusos nunca se menciona a possibilidade de introduzir o celibato opcional. Assiste-nos a convicção de que esta crítica – saudável e respeitosa – pode nos ajudar a sanar as nossas feridas profundas e incompreensões diversas com a sociedade atual.
d) A educação. Digno de destacar é o parágrafo que os pastores dedicam à situação da educação no Chile e que os estudantes tão corajosa e dignamente denunciaram. Dizem os bispos em relação aos “fatos que nos interpelam”. “Neste contexto social, o ‘lucro’ desenfreado, que adquire conotações de usura, aparece como a raiz mesma da iniquidade, da voracidade, do abuso, da corrupção e em certo modo do desgoverno”.
e) O sentido do pobre. Em uma cultura em que se avalia segundo as competências e o dinheiro, o cristianismo nos ensina, embora nem sempre tenhamos sido fiéis ao que professamos, a defender incondicionalmente a dignidade humana. Isso nos obriga a integrar o marginalizado, a cuidar do doente e dar valor ao desvalido, porque eles são plenamente seres humanos.
Por isso, somos convidados a ter uma proximidade real com o pobre, e propor um humanismo que não o marginalize, não o explore, que respeite sua dignidade e seus direitos. Precisamente porque o pobre não baseia sua existência nem na riqueza, nem em seus saberes, nem em seus títulos acadêmicos nem em sua ascendência; nele se manifesta mais puramente a dignidade do ser humano como ser humano.
5. Críticas ao modelo econômico e cultural neoliberal. A parte mais inovadora, crítica e corajosa da pastoral é seu julgamento severo sobre a situação de desigualdade que reina no país, fruto das estruturas econômicas, políticas e sociais. É uma palavra que critica este modelo porque castiga com maior severidade os mais pobres e postergados da nossa sociedade. Os bispos dizem textualmente: “Este modelo privilegiou de maneira descompensada a centralidade do mercado, estendendo-o a todos os níveis da vida pessoal e social... Pretendeu-se corrigir o mercado com bônus e ajudas diretas descuidando da justiça e da equidade nos salários... Hoje, escandalosamente há em nosso país muitos que trabalham e, contudo, são pobres”.
6. Conclusão. A Igreja deve resituar-se. A Carta coloca ao final do texto: “Nossa fidelidade a Jesus e nosso contato com a cultura atual nos obrigam a ir à raiz da fé que professamos para reconhecer e apoiar todo o bem e para superar aquilo que não corresponde ao Evangelho. A Igreja deve resituar-se no mundo com novas coordenadas. Essa fé obriga a Igreja a ter uma participação ativa em assuntos de debate público que interessam à nossa sociedade, como a acolhida aos migrantes, a proteção de todos os que são mais vulneráveis, a situação nos cárceres, a luta contra a discriminação, a defesa e promoção dos direitos humanos, o combate à desumanizante drogadição, as necessárias reformas da educação e, em geral, os problemas que dizem respeito à vida social e política. À Igreja corresponde estudar esses problemas e suscitar sua reflexão na sociedade, aprofundar sua compreensão, confrontá-los à luz do valor fundamental da dignidade da pessoa que nos ensina Jesus”.
Neste ano do 50º aniversário em que o Papa João XXIII convocou o histórico Concílio Vaticano II, e agora inspirados pela recente carta dos bispos, devemos assumir com mais ardor evangélico que “as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos os que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo” (Gaudium et Spes, 1 – Sobre a Igreja no mundo atual).
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Santiago, 12 de outubro de 2012.
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Carta Pastoral do Episcopado do Chile. Uma carta oportuna para estes tempos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU