11 Outubro 2012
Como os bens serão produzidos, onde serão produzidos e por quem: tudo isso deverá mudar radicalmente nos próximos anos, mais uma vez. A previsão, expressa no tom confiante de quem se considera um protagonista dessa transformação, é do empresário e pesquisador Juan Enriquez. Criador do Projeto de Ciências da Vida da Harvard Business School, Enriquez investiga os impactos de pesquisas biológicas, genéticas em particular, sobre a economia; e ele calcula que esses impactos não serão discretos.
A reportagem é de Diego Viana e publicada pelo jornal Valor, 11-10-2012.
Em São Paulo para participar do Fórum de Bioeconomia organizado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), Enriquez descreveu alguns dos modos pelos quais a atividade econômica do século XXI poderá ser irreconhecível para os padrões atuais, principalmente nas áreas de energia, medicina e agricultura, mas não só. Já hoje, bactérias modificadas geneticamente podem ser programadas para sintetizar couro bovino. "É um excelente couro, que não tem buracos de arame farpado ou carrapatos", comenta Enriquez. Se essas bactérias forem cultivadas em moldes no formato de sapatos, o empresário antevê uma indústria calçadista em que "não é preciso matar vacas, nem mesmo alimentá-las", economizando em áreas de pasto e impasses éticos quanto aos direitos dos animais.
O pesquisador funda suas previsões numa interpretação particular da história econômica da humanidade. Nessa leitura, diz, "a riqueza vem do código". Exemplos de código são a linguagem, sobretudo a escrita; a tecnologia digital, binária, formulada em "zeros" e "uns"; e o DNA, ao qual Enriquez se refere como "código da vida". "Nos últimos 30 anos", diz o pesquisador, "o código digital provocou uma transformação econômica comparável à revolução industrial". Aqueles que perceberam a chegada da onda digital se desenvolveram e enriqueceram: daí saíram as Microsoft, Intel, Google, Yahoo e Facebook que dominam aquela que já foi chamada de "nova economia". "Naquele tempo, quem diria que Cingapura se tornaria um país tão rico? Eu não apostaria, mas foi o que aconteceu", afirma Enriquez, atribuindo o sucesso do país asiático a investimentos precoces na informática.
O "código da vida" deverá provocar um efeito semelhante, só que "a linguagem da tecnologia genética é muito mais poderosa do que a das máquinas da revolução industrial". E o avanço é bem mais veloz: depois de a humanidade se tornar capaz de ler o "código da vida", ela já conseguiu copiá-lo e agora começa a poder escrevê-lo. "Algumas das tecnologias mais promissoras surgiram há pouco mais de um mês", diz.
Nascido no México e criado nos Estados Unidos, Juan Enriquez é fundador e diretor da empresa Excel Venture Management, que identifica projetos de negócios em biotecnologia com potencial para abrir mercados de "centenas de milhões de dólares". "Somos 14 pessoas numa sala não muito grande, lidando com um mercado que será a grande fonte de novos empregos nos EUA em poucos anos."
Em sua visita ao Brasil, o empresário tratou de questões regulatórias que, segundo lhe parece, podem atrasar o desenvolvimento da bioeconomia no país. Seu exemplo preferencial é a legislação que limita as plantações de organismos geneticamente modificados, medida que considera um murro em ponta de faca. "A Argentina permite os transgênicos e sua produtividade vai crescer 3%, apesar da instabilidade política. No começo, não vai fazer diferença, mas em poucos anos o Brasil vai sentir que está ficando para trás", vaticina o empresário.
Tratando-se de modificações genéticas, Enriquez reconhece que há riscos e impasses morais, como a perigosa proximidade com a tentação da eugenia. Quando é possível escrever e ler à vontade o código genético, o passo seguinte é supor que alguém queira criar uma raça de super-humanos. Mas a hipótese não abala as convicções do pesquisador. "Já houve 29 espécies de hominídeos desde o primeiro australopiteco. É uma evolução constante. Por que devemos supor que o propósito da evolução foi chegar ao homem atual?", argumenta. "A não ser que acreditemos que o ápice evolutivo são alguns dos políticos atuais."
Em seu livro mais recente, "Homo Evolutis", escrito com Steve Gullans, também sócio da Excel Venture Management, Enriquez argumenta que a humanidade se aproxima da próxima etapa da evolução que começou com os australopitecos e atravessou 29 hominídeos. Dessa vez, porém, caberá ao próprio ser humano guiar a evolução: compõe o pacote a capacidade de insertar genes que melhorem o desempenho intelectual, aumentem a expectativa de vida e outros benefícios.
Sobre eventuais preocupações éticas, o empresário propõe uma analogia com os milhões de cirurgias plásticas realizadas anualmente no mundo. "Tenho a impressão de que algumas delas só têm finalidades estéticas." Para preocupações mais profundas, Enriquez sugere soluções legislativas: "Mudanças no código genético que sejam transmissíveis para as futuras gerações deveriam ser coibidas. Poderiam ser legais somente aquelas que combatessem doenças hereditárias."
Enriquez também é autor de um livro sobre as mudanças que a engenharia genética provoca na vida cotidiana ("As The Future Catches You") e outro sobre a possibilidade de que os Estados que compõem os EUA se separem neste século ("The Untied States of America").
Citando a teoria mais aceita sobre a origem do petróleo - que se trata de micro-organismos fossilizados -, Enriquez chama a atenção para o fato de que a fonte de energia mais poderosa que a humanidade emprega nada mais é do que luz do Sol condensada. Tecnologias atuais são capazes de produzir energia a partir de organismos vivos. No futuro, a vida poderá ser fonte de energia diretamente, segundo Enriquez, sem a necessidade de queimar fósseis ou perfurar o leito marítimo.
Diante da miríade de possibilidades oferecidas pela leitura e reescrita do "código da vida", o governo dos EUA publicou em abril um "Roteiro Nacional da Bioeconomia". No documento, são descritos mecanismos para favorecer a pesquisa biológica, a transição da pesquisa pura para o mercado e a redução de barreiras regulatórias. Enriquez não se mostra animado com a atenção governamental. "Os governos estão sempre atrasados. Quando se manifestam, têm dificuldade em reconhecer onde podem ser úteis e onde só atrapalham." Para o pesquisador, o governo deve se concentrar no fomento à pesquisa básica, arriscada demais para a iniciativa privada. Já a pesquisa aplicada caberia aos empreendedores, que tomariam a semente lançada pelos laboratórios e montariam os próprios negócios.
Desrespeitar essa separação de papéis foi o erro cometido pelos britânicos, na leitura de Enriquez. "Inventaram a penicilina, a clonagem, tantas outras biotecnologias, mas quem aproveitou isso no mercado foram empresas americanas e, agora, asiáticas", diz. O motivo é uma tendência entre europeus de pensar na pesquisa científica como um fim em si. "Tim Berners-Lee inventou a internet, mas não registrou a patente, então as grandes empresas da internet estão sediadas na Califórnia, não em Londres." O empresário estima que a renda per capita do país poderia ser 50% mais alta, não fosse essa crença na pureza científica.
Em países como o Brasil, Enriquez diagnostica uma disposição insuficiente em se abrir para novidades promissoras, no sentido inverso do apetite asiático. Uma legislação cautelosa contribui para esfriar o avanço bioeconômico no país. "Existe também uma crença exagerada nos recursos naturais, mas não são eles que importam", conclui. "Se me deixarem escolher as mil cabeças mais promissoras do Brasil, posso colocá-los numa ilha deserta e em poucos anos haverá um país rico ali."
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A vida é um pote de ouro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU