27 Setembro 2012
Dezenove instituições jurídicas, entre elas a OAB, o Ministério Público de São Paulo e o Departamento Penal da Faculdade de Direito da USP, pediram ao Senado a suspensão da tramitação da proposta de reforma do Código Penal, em discussão na Casa. O manifesto, elaborado na segunda-feira em reunião no Salão Nobre da faculdade, faz duras críticas ao anteprojeto, elaborado por comissão de juristas formada pelo Senado.
A reportagem é de Letícia Mori e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 27-09-2012.
As principais são: existência de imprecisões jurídicas, desproporção de penas, criação de tipos penais desnecessários, falta de consulta à comunidade jurídica e o fato de ter sido feito em sete meses.
"Não é possível fazer a consolidação em apenas sete meses de um código com mais de 500 artigos. Um projeto dessa magnitude precisa de tempo, precisa passar por críticas", afirma Miguel Reale Júnior, ex-ministro da Justiça no governo FHC e um dos mais contundentes críticos.
Para ele, a pressa é consequência da "vaidade" do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP). "Ele quer se consagrar como legislador do novo código. A nação tem que se submeter à vaidade [dele]? A um código que vai interferir no dia a dia de todos?"
Outro crítico do anteprojeto é o presidente nacional da OAB, Ophir Cavalcante. "Não queremos que o Código acabe se tornando um instrumento de injustiças", diz.
BICHOS X GENTE
Como exemplo de desproporcionalidade das penas, os críticos citam a comparação entre a punição para quem realizar briga de galo (até 12 anos de prisão) com a para quem praticar lesão corporal grave (até seis anos) ou homicídio culposo (até quatro anos).
"É um absurdo. O projeto aumenta penas para crimes leves, enquanto a pena para roubo diminuiu", diz Reale.
Outra crítica envolve a eutanásia. O projeto, diz a nota, permite a "qualquer parente dar morte à vítima gravemente enferma sem necessidade de diagnóstico médico".
Também lembram a supressão do livramento condicional, que "criará, ao longo do tempo, considerável superpopulação carcerária".
Outro ponto é a criação de tipos penais, como "molestar cetáceo" (golfinhos etc), que pode ser incluída no Código Penal, segundo a proposta.
O atual Código Penal é de 1940 e passou por algumas mudanças gerais em 1984. Especialistas concordam que a parte especial - que descreve crimes e penas - precisa de reformas, mas não da forma como está sendo feita.
Para jurista, anteprojeto não tem conserto
Para o jurista Miguel Reale Júnior, os problemas no anteprojeto da reforma do Código Penal não podem ser corrigidos pontualmente. "Não tem conserto. Por que partir de um todo tão ruim para fazer a reforma?"
Eis a entrevista.
Quais são os principais problemas do projeto?
É um conjunto: ausência de conhecimento técnico, uso impróprio de termos jurídicos, desproporcionalidade de penas.
O sr. pode dar um exemplo?
A pena para omitir socorro a uma criança é menor do que para um animal. Os mensaleiros vão fazer festa, porque a pena para gestão fraudulenta passa a ser de um ano em vez de três.
A comissão foi mal formada?
A comunidade jurídica não foi ouvida. Foram líderes partidários que indicaram [os membros], algumas não tinham qualificação.
Há outros interesses?
É tudo por causa do Sarney, que apresentou o projeto, e quer se consagrar como legislador do código. A nação toda tem que se submeter à vaidade [dele]?
Discussão foi aberta a todos, afirma relator
Luiz Carlos dos Santos Gonçalves, procurador da República e relator da comissão do Senado, disse que ela era representativa e que as discussões foram abertas.
Eis a entrevista.
A comunidade jurídica foi ouvida?
A comissão tinha representantes de diversas entidades e as 26 reuniões foram abertas a toda a sociedade. Recebemos mais de 6.000 sugestões. Sou favorável à mais ampla discussão. Esses críticos não querem discutir, têm medo, por isso propõem a retirada do projeto.
Por que penas para crimes contra animais são maiores que alguns contra pessoas?
Em alguns casos houve erros. O Senado já recebeu emendas para corrigi-los. Não há menor risco de que esses erros sejam mantidos.
Mas por que aconteceram?
Examinamos cerca de 130 leis e 650 tipos penais. É natural que haja alguns erros.
O tempo foi muito curto?
O prazo realmente exigiu que trabalhássemos muito, mas tínhamos que cumpri-lo, pois o Senado parou de discutir qualquer alteração em matéria penal.
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Entidades jurídicas querem parar discussão do novo Código Penal - Instituto Humanitas Unisinos - IHU