10 Setembro 2012
"A morte do cardeal Martini não irá deter o caminho do diálogo judaico-cristão. A fidelidade à sua memória, ao contrário, nos chama a enriquecer e a aprofundar o nosso compromisso comum, na direção apontada pelo cardeal: que não falava de encontro, mas sim de “reencontro”. Como se dissesse: viemos da mesma raiz, a história nos dividiu, mas estamos destinados a nos reaproximar. E quando o Senhor quiser, finalmente entenderemos o que ainda é obscuro para nós".
A reportagem é de Lorenzo Rosoli, publicada no jornal dos bispos italianos, Avvenire, 05-09-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
É assim que Giuseppe Laras, rabino-chefe de Milão de 1980 a 2005, olha para a morte do cardeal jesuíta, grande biblista que liderou a Igreja ambrosiana de 1980 a 2002. Juntos, eles fizeram um longo trecho de estrada. Estiveram entre os mais generosos e críveis promotores da amizade judaico-cristã. O seu compromisso teve uma ressonância que ultrapassou as fronteiras de Milão.
"Se o diálogo judaico-cristão no mundo pôde existir, se desenvolver e envolver as pessoas, apesar das muitas dificuldades, isso se deve sobretudo ao cardeal Martini, à sua determinação, à sua força moral e à sua fé", reconhecera Laras na sexta-feira passada, assim que recebeu a notícia do falecimento do amigo cardeal. "Hoje é um dia difícil", disse ele, desafogando a "grande dor" e a "tristeza" provocados pelo anúncio.
"Mas o diálogo não se detém", reitera agora Laras. Até porque já se percorreu muita estrada, desde que o caminho foi aberto por precursores como Jules Isaac, "o historiador judeu francês que encontrou João XXIII e defendeu o diálogo judaico-cristão, também como impedimento contra o antissemitismo e para que a tragédia do Holocausto nunca mais pudesse se repetir".
E, enquanto isso, destaca Laras, está cada vez mais claro a todos que o "objetivo e o horizonte do diálogo não é a 'conversão' do outro, ou a disputa teológica, mas sim o voltar a se reconhecer como irmãos para enfrentar, juntos, os desafios do nosso tempo, como a guerra, a ignorância, a exploração, a pobreza...".
Se esses passos à frente foram dados, é "graças a pessoas iluminadas e clarividentes como Martini, que trazem em seu coração as pessoas e o seu destino", afirma Laras. "Para ele, as religiões não deviam ser mais causa de confronto, mas sim de encontro. Quando ele chegou em Milão como arcebispo, logo nos encontramos de acordo em dar um novo impulso ao diálogo. No início dos anos 1980, Martini começou um grupo de estudo chamado Teshuvá, 'retorno'. No encontro de inauguração, em uma sala repleta de pessoas, comentamos o Ouve ó Israel, eu no quadro do Deuteronômio, e ele – se bem me lembro – a partir do Evangelho de Marcos. Foi um encontro muito bonito. Outras ocasiões fecundas eram o Dia do Judaísmo, anual. Entre nós, muitas vezes, nos falávamos e debatíamos. Ser ambos turinenses, não o escondo, ajudou a nossa sintonia".
Que perfil de Martini a experiência do diálogo revelou a Laras? "No plano do caráter – responde o rabino – ele parecia ser tímido e austero, mas trazia uma riqueza e um amor grandes pelas pessoas e pelas instituições com as quais ele comprometeu a sua vida, que, nas relações com ele, vinham plenamente à tona. No plano dos conteúdos: ele estava mais concentrado sobre as dimensões éticas e sociais do diálogo do que nas teológicas. No plano espiritual, você entendia que estava diante de um homem de grande fé. Justamente por isso ele muitas vezes se fazia as grandes perguntas sobre a vida, o sofrimento, a morte, a ressurreição. Questões que a doença lhe colocava na frente de um modo ainda mais dramático. Não é verdade que as pessoas de fé não têm medo de morrer. Mas a sua fé lhe permitia ser um homem capaz de ir do céu à terra. Ele acreditava nas pessoas, na possibilidade de melhorar o mundo. Era um otimista. Era generoso. Sabia pensar grande. Se não fosse assim, você não se comprometeria em uma obra como o diálogo, onde você sabe que não será você, mas sim outros, depois de você, que irão colher o fruto do que você semeou".
O último encontro com Martini foi em junho, no Aloisianum de Gallarate. "Na desintegração do corpo, o seu olhar permanecia vivo, profundo, azul. Trocamos um sinal de bênção. Comigo, estava o padre Gianantonio Borgonovo, doutor da Ambrosiana. Um encontro comovente, que permanecerá indelével na nossa memória".
A comunidade judaica de Milão propôs à prefeitura que dedique a Martini os Giardini della Guastalla. "Estão localizados entre a sinagoga, o templo valdense, a sede da Universidade Estadual e o Policlínico. Seria um gesto de extraordinário valor simbólico".
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''Martini, um homem de fé e mestre do diálogo'' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU