07 Setembro 2012
"Quando eu encontrei pela última vez o cardeal era o dia 23 de agosto. Havíamos feito chegar ao padre Damiano Modena o texto da conversa que o cardeal Martini tivera com o padre Georg Sporschill e eu duas semanas antes, no dia 8. O padre Sporschill havia polido o texto em alemão, eu o havia retraduzido para o italiano, para depois enviar para Gallarate as duas versões. O cardeal havia lido e aprovado. Naquele dia, o padre Damiano me disse: o texto é estupendo, mas é muito forte; esperemos para torná-lo público depois da morte. Todos tínhamos a consciência de que era uma espécie de testamento. E já sabíamos que era uma questão de dias. A ideia era de que esse texto também fizesse parte do seu legado testamentário. O padre Damiano já o havia entregue ao executor".
A reportagem é de Gian Guido Vecchi, publicada no jornal Corriere della Sera, 04-09-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Federica Radice Fossati Confalonieri não é jornalista, vive em Viena e tem compromissos mais urgentes: "Cuido dos meus três filhos". É uma das pessoas que, nestes anos, esteve mais perto do cardeal, "um amigo, um pai espiritual, um confessor: foi o padre Georg que me apresentou-o, na Páscoa de 2008, em Jerusalém".
O eco mundial da "conversa" com Martini publicada pelo jornal Corriere a pegou de surpresa, mas até certo ponto. O lamento por uma Igreja "cansada" e que "permaneceu 200 anos atrás", o convite a "livrar as brasas das cinzas", a necessidade de "pessoas que ardem de modo que o Espírito possa se difundir por toda parte", as perguntas: "Como ela não se sacode? Temos medo?", a exortação: "Fé, confiança, coragem". E os olhos de Martini que pareciam arder, por sua vez, conta Federica Radice Fossati Confalonieri, quando perguntou a seco ao padre Georg: "E tu, o que tu podes fazer pela Igreja?".
A senhora sorri: "Eu o vi vacilar, e fazer vacilar um homem como Sporschill não é fácil: alguém que buscava as crianças nos esgotos na Romênia, que salvou mais de mil, um santo vivo. Digo isso para explicar a quem o cardeal abriu pela última vez o seu coração". Não "uma entrevista", diz, "mas sim a última conversa, o epílogo dos Diálogos noturnos em Jerusalém, que se tornou o livro mais lido de Martini".
Uma conversa que surpreendeu a eles em primeiro lugar: "Pensávamos em falar dez minutos e fomos em frente por duas horas, o padre Sporschill em alemão, o cardeal em italiano e eu, uma mulher leiga, que traduzia e me encontrava sendo testemunha daquele diálogo entre dois grandes jesuítas".
Eles haviam decidido ir encontrá-lo quando o padre Damiano Modena havia ido para Viena, em junho. "Para Martini, ele era um filho espiritual, lhe dissera: depois da minha morte, tu irás ao encontro do padre Georg". Decidiram se rever no Aloisianum de Gallarate, a casa dos jesuítas onde Martini passou os últimos anos. Permaneceram durante todo o dia, aquele 8 de agosto: a missa de manhã e, depois do almoço e do repouso, aquela conversa compacta de duas horas à tarde. E Martini que, apesar do cansaço, parecia sentir a urgência de prosseguir: "Ele continuava falando, seguia em frente, eu estava chocada. Depois, quando terminamos, ele disse aliviado: agora tomemos o chá".
Não um ataque contra a Igreja, mas sim um ato de amor: "Ele não falou de pessoas. O ataque, no máximo, é à estrutura rígida que vincula a Igreja, os 'vínculos da instituição'. A necessidade de abrir brechas, de se abrir. Quando ele falava do aparato burocrático, ele nos disse: 'O nosso patrimônio cultural que devemos conservar ainda é capaz de servir à evangelização e às pessoas? Ou prendem as nossas forças a fim de nos paralisar quando uma necessidade nos esmaga?'".
Federica Radice Fossati Confalonieri se concede uma breve risada: "Ele dizia que havia a necessidade de cardeais um pouco loucos, de pessoas fora da linha, pessoas que rompessem as barreiras e soubessem trazer novidade. Como Madre Teresa". E depois lembra aquele 23 de agosto: "Ele me perguntou sobre a minha família e os filhos. Eu lhe pedi a sua bênção. Saí em lágrimas. É difícil dizer adeus quando você sabe que, nesta terra, você não vai revê-lo mais".
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''Martini queria que a última entrevista fosse inserida no testamento'' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU