10 Setembro 2012
Faz um frio de cão em Londres. É março de 1995. O vento norte investe contra a cidade. Mas as pessoas que acorreram a Westminster não se importam. Todos em fila, como bravos britânicos, esperam para entrar. É a catedral católica, não a anglicana, e estão lá para ouvir um cardeal da Santa Igreja Romana. É Carlo Maria Martini, o arcebispo de Milão. Ele foi convidado pelo seu amigo Basil Hume, ele também cardeal e religioso: Martini, jesuíta; Hume, beneditino.
A reportagem é de Aldo Maria Valli, publicada no jornal Europa, 01-09-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Os dois se assemelham: altos, reservados e aparentemente destacados, mas, na realidade, muito tímidos e simples. O padre Basil pediu que o padre Carlo Maria comentasse uma passagem evangélica, o jovem rico que não se dispõe a seguir Jesus. É o eterno confronto entre o ensinamento evangélico e o materialismo. Martini fala em inglês, por mais de uma hora, e dentro da catedral não voa uma mosca. Mais do que dar respostas, o cardeal faz perguntas: em que medida o convite de Jesus ("Vai, vende tudo o que tens e dá aos pobres, e terás um tesouro no céu, depois vem e segue-me") ainda nos diz alguma coisa?
É uma mensagem que pode ser recebida por um homem, o contemporâneo, que, quando crê em Deus, crê mais do que nada em uma força misteriosa e custa a conceber a ideia de um Deus pessoal, no sentido cristão? Mas a resposta vem no fim, e é repleta de esperança. Mesmo que pareça o contrário, o "trabalho de redenção" está presente em muitos aspectos da vida e das pessoas. Apesar do materialismo, há "sinais inconfundíveis da presença redentora de Deus". É preciso apenas ir além das aparências, raspar por debaixo da superfície.
Depois da conferência, enquanto os ordenadíssimos londrinos voltam para casa encasacados e meditabundos, o cardeal Martini se lembra do convite do repórter e sai para a praça. O frio, se é que é possível, se tornou ainda mais intenso. "Então, quantos segundos você precisa?". Sua Eminência sabe bem que, na televisão, se vai direto ao ponto e sabe que, se você fala demais, o repórter deve dar saltos mortais para cortar.
Eu digo: "Eminência, um minuto, mas melhor 50 segundos, como de costume". Ele responde que tudo bem. E fala por 50 segundos exatos. Está envolto em um manto negro. É turinense, gosta de ir para a montanha, não teme o frio, mas eu noto que o seu nariz está vermelho. Eu indico isso para ele: quer que refaçamos a entrevista em um lugar mais protegido? "Não, não importa".
Mais de 15 anos depois, em Gallarate, na grande casa dos jesuítas (com o último piso usado como residência para os padres mais idosos e doentes), vou me encontrar com o cardeal que teve que dizer adeus a Jerusalém, a sua amada Jerusalém, por causa do Parkinson, essa doença cruel que nos aprisiona no nosso próprio corpo e que, no entanto, ele, o cardeal, nunca amaldiçoou, mas sempre aceitou com serenidade, como a vontade do Senhor.
Na placa, está escrito "Padre Martini", não "cardeal". São duas salas muito pequenas. A poltrona está no fundo, ao lado da janela com vista para o jardim. É mais um dia frio de fevereiro. Martini veste um suéter e sorri. Ele o faz com os olhos, porque a palavra foi embora, reduzida a um sopro, a um sussurro imperceptível. É o padre Damiano, fidelíssimo e devotíssimo, que atua como "tradutor" quando preciso. Mas o diálogo segue em frente, principalmente com os olhares recíprocos.
Na poltrona, o cardeal ou, melhor, o padre Carlo Maria não está muito cômodo. Tende a deslizar. E então me faz entender para ajudá-lo a colocá-lo de volta. Eu o abraço, tento levantá-lo e ajeitar os travesseiros para que o sustentem melhor. Se penso nas tantas entrevistas que fiz com ele, em como ele parecia hierático, em como eu estava emocionado e confuso nas primeiras vezes, quando pensava que ele me julgaria mal pela banalidade das minhas perguntas, eu não posso acreditar que agora o estou ajudando como se fosse o meu pai.
Noto o seu olhar. É azul e límpido como sempre, mas ganhou um quê de infantil. Não são os olhos de um homem triste, nem amargurado pelo fato de ter se tornado fraco e necessitado de ajuda. Ao contrário, é um olhar decisivamente feliz e cheio de gratidão. Em uma das suas últimas intervenções públicas, ele mencionou aquele provérbio indiano ao qual ele é tão afeiçoado: "Primeiro aprendemos, depois ensinamos, depois nos retiramos e aprendemos a calar. E na quarta fase o homem aprende a mendigar". Ele não teme mendigar. Diz em um sussurro: "Se alguém, ajudando este velho, pode se santificar, eu fico feliz".
A confiança na vida e na bondade de Deus: essa é a sua marca distintiva. Naquele fevereiro de 2011, ao lado da janela, ouso lhe perguntar como ele vê a Igreja. Ele diz: "Forte nos seus ministros, fraca nas estruturas. Pouco capaz de servir às exigências do mundo de hoje. A Igreja pensa demais em termos políticos sobre como vencer, e assim perde a capacidade profética".
Em Milão, ele falou sobre os crentes como de um "pequeno rebanho". Não força de choque, mas semente que só dá fruto se morre. No apartamentinho de Gallarate, há uma bola. O presente é do amigo padre Francesco Radaelli, que na juventude foi um excelente jogador. Ele diz que dar alguns chutes na bola pode ajudar o padre Carlo Maria a melhorar a mobilidade dos membros inferiores. Martini olha para a bola e sorri com os olhos: pensa um pouco como pode ser fantasioso o amor de um amigo. Vem à minha mente o cardeal na parede, com o capacete na cabeça, as cordas e os mosquetões, enquanto escala. Ele sempre gostou das montanhas. "Era bonito – diz – chegar ao topo e ver ambos os lados".
As razões dos outros. Como são as suas orações hoje? "De intercessão pela paz em Jerusalém e em toda parte. Pela diocese ambrosiana. Mas acima de tudo de agradecimento. Por como Deus acompanhou a minha vida, pelas tantas pessoas que ele colocou ao meu lado ao longo do caminho. Deus me viciou. Ele sempre me mostrou a sua bondade e que Ele prepara o caminho para cada um de nós".
Agitam-se os pinheiros no jardim dos jesuítas. Um vento gélido. Mas, dentro, no apartamentinho, sentimo-nos bem com o padre Carlo Maria.
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''Lembro-me do olhar do Padre Martini'' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU