04 Setembro 2012
Os lixões são a fonte de um lucrativo negócio para as empresas privadas que enterram o lixo nos subúrbios pobres de Buenos Aires, causando irreparáveis danos à saúde e ao meio ambiente. Em 2001, com a crise argentina, o número de cartoneros disparou, misturando os mais pobres aos novos excluídos da classe média.
A reportagem é de Christine Legrand, publicada pelo jornal Le Monde e reproduzida pelo Portal Uol, 03-09-2012.
No entanto, não há nenhum cheiro de podre: uma das fachadas do armazém é amplamente aberta e os detritos coletados são “secos”: papelão, papéis, roupas, garrafas de vidro, plástico ou alumínio. “Nós não recolhemos nenhum alimento perecível, por causa da umidade que apodreceria o resto”, explica Matias Tarando, um engenheiro de 24 anos que entrou para a El Ceibo por convicção, preferindo trabalhar “no setor social em vez de uma multinacional”.
Nas ruas de Buenos Aires e de sua periferia, dentre as cerca de quinze cooperativas que, paralelamente às empresas públicas ou privadas de coleta de lixo, recuperam materiais inorgânicos para revendê-los, a El Ceibo é a mais antiga. Ela é também a única equipada com máquinas que permitem reciclar resíduos depois de eles serem triados manualmente.
Diariamente, 67 pessoas trabalham no centro de triagem e a maioria vem da favela vizinha, a Villa 31, abaixo da via de acesso à capital. Elas recebem o equivalente a um salário mínimo, cerca de 2.800 pesos (cerca de R$ 1.000), e são registradas, nesse país onde quase metade dos trabalhadores exercem suas atividades informalmente.
“Nós reciclamos o lixo, mas também as pessoas”, explica com orgulho Cristina Lescano, que fundou a El Ceibo em 1989. “A maioria de nós têm uma história de vida difícil, alguns passaram pela cadeia”, explica essa ativa sexagenária que reivindica seu passado de ciruja ou cartonera, como são chamados na Argentina aqueles que vivem do lixo.
Cristina foi apelidada de “La Cartonera VIP”, pois tudo começou em uma casa invadida de Palermo, que se tornou o bairro descolado de Buenos Aires. Para sobreviver, oito mulheres começaram a bater de porta em porta para explicar a seus vizinhos como separar o lixo de forma que elas pudessem recolher o que pudesse ser revendido. Pouco a pouco, “conseguimos uma clientela solidária”, conta Cristina. Uma aposta difícil em um país onde a consciência ecológica é incipiente. Em 2003, quando chegou ao poder, o ex-presidente peronista Néstor Kirchner cedeu o armazém. Mas Cristina Lescano afirma que, “apesar da assinatura de vários protocolos, a El Ceibo não recebe nenhuma ajuda” do prefeito de Buenos Aires, Mauricio Macri (oposição de direita). Pelo contrário: “somos perseguidos pela polícia e nosso armazém foi destruído parcialmente em 2005 por um incêndio intencional”, segundo ela.
Os lixões são a fonte de um lucrativo negócio para as empresas privadas que enterram o lixo nos subúrbios pobres de Buenos Aires, causando irreparáveis danos à saúde e ao meio ambiente.
Em 2001, com a crise argentina, o número de cartoneros disparou, misturando os mais pobres aos novos excluídos da classe média. Em 2002, seu número era estimado em 30 mil. Hoje, não passam de 7 mil a 9 mil.
“A ideia é dar dignidade ao trabalho dos cartoneros, ainda vistos com desconfiança, e integrá-los à gestão do lixo”, explica Cristina Lescano. Hoje ela propõe a si mesma um novo desafio: a comercialização do lixo reciclado. A El Ceibo acaba de obter do Carrefour a autorização para instalar estandes de venda de produtos verdes em seus hipermercados. No primeiro andar da cooperativa funciona um ateliê onde são confeccionados objetos com o material reciclado: ecobags coloridas, carteiras e até mesmo pequenos móveis. Estudantes de design da Universidade de Buenos Aires vêm explicar diferentes técnicas, com a ajuda de computadores.
As vendas começarão no mês de outubro, durante o Dia das Mães na Argentina. “Bem a de inventar uma marca própria”, conta Cristina Lescano.
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Cooperativa de catadores de lixo em Buenos Aires muda vida de argentinos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU