28 Agosto 2012
A realidade do monaquismo feminino no fim da Idade Média e no primeiro período da Idade Moderna revela-se muito mais multifacetada do que a imagem escura e opressiva que um pouco todos carregamos.
A opinião é de Marco Rizzi, professor de literatura cristã antiga da Università Cattolica del Sacro Cuore, em artigo publicado no caderno La Lettura, do jornal Corriere della Sera, 26-08-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Perto do fim do século XIII, a mística Angela de Foligno declarou ao seu confessor e primeiro biógrafo que havia rezado longamente a Deus para que a libertasse do peso da vida familiar. As suas orações devem ter sido muito eficazes, já que, em pouco tempo, morreram-lhe a mãe (que a havia obrigado ao matrimônio), o marido e os filhos. Como ela mesma diz: "Eu tive uma grande consolação e pensei que o meu coração estaria sempre no de Deus, e o seu, no meu".
Vendidos todos os bens, ela se retirou para uma estrita clausura. Mais de 200 anos depois, no meio da ofensiva protestante, muitas monjas se opuseram, às vezes até pela força, ao desmantelamento dos seus conventos nos territórios da Reforma, demonstrando nisso muito mais determinação do que os seus coirmãos das ordens masculinas.
A realidade do monaquismo feminino no fim da Idade Média e no primeiro período da Idade Moderna, reconstruída por Silvia Evangelisti, estudiosa da University of East Anglia (Grã-Bretanha), no belo volume Storia delle monache, traduzido pela editora Mulino, revela-se, portanto, muito mais multifacetada do que a imagem escura e opressiva que um pouco todos carregamos por trás da leitura escolástica da história da monja manzoniana de Monza.
O conjunto das motivações que levaram ao ingresso no claustro encontrava correspondência na articulação da vida interior, em que se passava de modelos ligados às mais rígidas tradições ascéticas e contemplativas a formas de vida comunitárias em que a música, a escrita, as artes figurativas, o teatro podiam ter um grande espaço. Nisso, o convento se revelava como uma ocasião inesperada não só para a vida de oração, mas também para o desenvolvimento das capacidades intelectuais e criativas das mulheres. Muitas vezes, os dois aspectos se entrelaçavam tão estreitamente a ponto de dar origem a escritos, extraordinários pela intensidade emotiva e pelas capacidades representativas, em que as monjas ilustravam as próprias experiências místicas e religiosas. Nas páginas do livro, assim, é percorrida novamente não só a obra, conhecidíssima, de Teresa de Ávila, mas também uma imponente – em número e qualidade – produção desse gênero.
Indubitavelmente, o convento sempre constituía, entretanto, um mundo em si mesmo, marcado por fronteiras simbólicas (as cerimônias de ingresso, as liturgias comunitárias) e materiais (muros, portões, grades) que assinalavam também visivelmente a separação. Contudo, continuava havendo densas relações com o exterior, confiadas a visitas ou permanências mais ou menos longas de membros femininos das famílias de origem ou daqueles da alta camada social que protegiam os diversos conventos, obtendo o seu prestígio público, além da consolação espiritual.
Importante nesse sentido era a atividade de mecenato artístico, voltada a enriquecer a experiência espiritual e, às vezes, a compensar a constrição das mulheres fechadas em um âmbito tão fisicamente restrito. Iluminador é o caso do mosteiro de San Maurizio em Milão (em Corso Magenta, agora sede do Museu Arqueológico), cuja igreja era pintada com afrescos na parte aberta ao público com imagens tradicionais de santos e santas, em que também encontravam lugar os ricos mecenas, enquanto nas paredes do coro reservado às monjas de clausura, às costas do altar, episódios bíblicos constituíam um pretexto para delicadas paisagens e cenas en plein air de matriz leonardesca.
Inevitavelmente, as hierarquias sociais se refletiam no interior das fronteiras do mosteiro. Da maneira mais evidente, elas eram codificadas pela distinção, que será abolida apenas pelo Concílio Vaticano II, entre freiras coristas (ou seja, dedicadas sobretudo à oração litúrgica e às outras atividades espirituais), em grande parte provenientes de famílias nobres ou ricas, e freiras conversas, destinadas, ao invés, às tarefas mais humildes e ao serviço das primeiras: até mesmo o hábito trazia vestígios da diferença, onde o véu preto, índice de particular austeridade, era reservado às coristas, enquanto as conversas tinham que se contentar com o branco. Em todo caso, tornar-se freira se revelava muitas vezes uma alternativa melhor, ou ao menos não pior, ao que as mulheres poderiam experimentar na realidade externa, qualquer que fosse a classe social a que pertenciam.
Naturalmente, uma ruptura relevante nessa matéria foi representada pelo progressivo endurecimento da clausura subsequente às deliberações do Concílio de Trento. Não faltaram também nesse caso reações e fortes resistências, que geraram muitos conflitos com a autoridade eclesiástica. No entanto, muitas monjas, como Teresa de Ávila ou a ursulina francesa Maria da Encarnação, captaram nessa situação uma oportunidade para novas formas de protagonismo feminino na Igreja, para o qual a oração, a ascese conventual, uma densa rede de relações espirituais com outros religiosos comprometidos na missão ou no combate à difusão do protestantismo passaram a constituir uma decisiva trincheira de defesa do catolicismo, frequentemente sancionada pela elevação aos altares.
Ao contrário, moveram-se para outras direções mulheres como Ângela Merici, fundadora das Ursulinas, ou Mary Ward, à qual se remetem as Damas Inglesas, que tentaram preservar um espaço para uma atividade fora da oração e da clausura. A sua resistência à estrita claustralização levou a identificar na educação, voltada às meninas das elites dirigentes no modelo jesuítico ou àquelas "perdidas" provenientes das classes humildes, um campo específico de compromisso para inúmeras ordens femininas que permanece até hoje.
Entre as páginas mais interessantes do livro, há aquelas dedicadas à difusão do modelo monástico feminino nos territórios de missão nos novos mundos, das Américas à Ásia, e, perto do fim do período levado em consideração, também na África. Assim, no México do século XVIII, uma expoente da nobreza indígena podia celebrar pomposamente o seu ingresso no convento com uma cerimônia totalmente semelhante àquela por meio da qual, 200 anos antes, outras monjas haviam feito os votos em Florença ou em qualquer outra cidade do Velho Mundo.
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Monaquismo feminino: o desenvolvimento intelectual e criativo das mulheres - Instituto Humanitas Unisinos - IHU