Por: Jonas | 28 Agosto 2012
A partir da presidência do cardeal Jorge Bergoglio, na Conferência Episcopal, a hierarquia da Igreja católica adotou uma forma de relacionamento com o poder que combina os espaços e canais institucionais com uma paciente e meticulosa estratégia de corredor, nos meandros do poder. Ao mesmo tempo, emite mensagens à sociedade buscando adesões e tratando de criar políticas para fazer avançar suas posições.
A reportagem é de Washington Uranga e publicada no jornal Página/12, 27-08-2012. A tradução é do Cepat.
Com a chegada do arcebispo José María Arancedo à presidência da Conferência, essa estratégia não se modificou substancialmente. Apenas mudou a figura e o estilo de quem deve conduzir as ações. Arancedo é menos ríspido, mais dialogal e mais cordial do que Bergoglio, mas possui os mesmos objetivos e utiliza mecanismos idênticos. É mais aberto ao diálogo, ao intercâmbio, mas isso não significa que suas posições e as do corpo que preside sejam diferentes daquelas que Bergoblio sustentou em sua gestão. Um bom exemplo disso é o que está acontecendo com a participação eclesiástica em relação à iniciativa de reforma do Código Civil.
Não há maiores novidades – e, logo, tampouco surpresas – em relação às expressas posições fundamentais da hierarquia católica, nem no documento divulgado pela Comissão Permanente do Episcopado, nem no apresentado por Arancedo na audiência da Comissão do Congresso, que trata o assunto. Em ambos os textos, ficam resumidas as resistências da hierarquia eclesiástica a respeito das propostas de reforma relacionadas aos temas da família, matrimônio, concepção e procriação artificial, entre outros. Em todos os casos, os bispos reafirmam a posição doutrinária católica a respeito destas questões, e se opõem a que o código reformado introduza, para o conjunto da sociedade argentina, normas que contradigam a perspectiva do catolicismo institucional. O razoamento é similar em todas as argumentações: o de que a iniciativa “se opõe aos critérios evangélicos” e também aos “valores sociais fundamentais”, de acordo com a interpretação dos bispos.
No Congresso, a apresentação de Arancedo seguiu as mesmas linhas já apresentados para as autoridades da Suprema Corte. Contudo, vale destacar não apenas o que foi dito e o que se questiona, mas também levar em conta o que é omitido. Em nenhum caso, os bispos – que argumentam formalmente pelo bem da igualdade e diversidade religiosa – objetam que a reforma prevista continue considerando a Igreja católica como uma pessoa jurídica de caráter público, assimilada ao Estado – algo por si anacrônico, como bem explicou Fortunato Mallimaci, em sua nota “A Igreja Católica não é uma instituição estatal”, publicada no jornal Página/12, no dia 24 de agosto – e gerando uma evidente desigualdade em relação a outros cultos e tradições religiosas. Uma situação que foi reiteradamente denunciada, entre outros organismos, pela Federação Argentina de Igrejas Evangélicas. Argumenta-se que a Igreja Católica faz parte da “argentinidade”, que inclusive é anterior ao Estado argentino, e que o catolicismo é “fundante” do ser nacional. Nenhuma razão de suficiente peso para justificar em uma norma, uma desigualdade que viola direitos.
Contudo, talvez ainda mais curioso seja que os documentos episcopais tenham ignorado um pronunciamento que também provém de um âmbito eclesiástico católico, ainda que não leve a assinatura dos bispos. A Equipe Nacional de Pastoral Aborígene (Endepa) também se apresentou diante da Comissão Bicameral, neste caso para reclamar que algumas reformas, que se pretende introduzir, violam direitos adquiridos pelos povos originários e legitimados também pela Constituição de 1994. No documento da Endepa, destaca-se que embora se reconheça formalmente a propriedade comunitária da terra para os indígenas, outras reformas conspiram contra este direito e, por outra parte, não considera o direito de consulta prévia e informada dos povos, em tudo o que possa afetá-los. Disto, curiosamente, os bispos nada dizem, nem incorporaram ao texto oficial, ainda que a Endepa dependa institucionalmente da Conferência Episcopal.
Outro tema para ser analisado é se os bispos católicos podem falar, como dizem, em nome dos católicos argentinos. Ninguém pode lhes negar sua condição de representantes da Igreja católica. No entanto, outra coisa seria pensar que o que dizem responde ao pensamento e prática daqueles que hoje, na Argentina, continuam se considerando católicos, mas estão distantes de se sentirem parte da institucionalidade católica, mesmo que a hierarquia continue contabilizando-os como tropa própria. Alguém poderia dizer que o exposto pela hierarquia responde ao sentir majoritário destes católicos a respeito das reformas que querem produzir no código? Ou que os católicos consentem com o conceito de matrimônio e família defendido pelo Episcopado?
Além das apresentações diante da Bicameral e a Corte, os bispos começaram a movimentar suas influências em outros níveis. Por uma parte, multiplicaram-se os contatos informais com legisladores que podem estar próximos das posições da hierarquia eclesiástica. Esta estratégia tem Buenos Aires como cenário, mas especialmente as províncias. Nestas, os bispos possuem mais influência e incidem de maneira direta sobre governadores e dirigentes políticos, por meio de um contato próximo e direto. Por isso, o documento eclesiástico incluiu um pedido aos legisladores para que “sejam fiéis à herança e tradições pátrias”, entre as quais, sem dúvidas, incluem o substrato cultural católico, e para que “escutem a voz de sua consciência”, mesmo acima de suas pertenças partidárias. Também apontaram para as fileiras da oposição, sabendo que para certos opositores tudo o que possa contradizer a posição é água para o seu moinho. E com a benção episcopal, muito melhor.
Não se pode perder de vista que se algumas mudanças se concretizarem, num sentido que não é o desejado pela hierarquia católica, o que agora se apresenta como diálogo poderá se transformar em hostilidades. E os próprios bispos, que neste momento falam em “contribuir para ter uma melhor legislação para todos”, por meio de uma “atitude propositiva”, desenterrarão outro discurso mais perto à denúncia de perseguição contra a Igreja.
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As estratégias da hierarquia católica argentina para enfrentar o novo Código Civil - Instituto Humanitas Unisinos - IHU