27 Agosto 2012
Do ponto de vista político, o cardeal Dolan (foto)) expõe a Igreja Católica norte-americana contra um partido e uma chapa presidencial como nunca antes: só podemos imaginar que tipo de relações se teria entre Dolan e a Casa Branca se Obama vencesse as eleições.
A opinião é do historiador italiano Massimo Faggioli, professor de história do cristianismo da University of St. Thomas, em Minneapolis-St. Paul, nos EUA. O artigo foi publicado no jornal Europa, 24-08-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
O cardeal de Nova York, Timothy Dolan, presidente dos bispos católicos norte-americanos, irá pronunciar uma oração de bênção na convenção republicana no início da próxima semana, na Flórida, justamente na noite em que Mitt Romney irá receber a nomeação do partido.
O porta-voz do cardeal Dolan se apressou para especificar que a aparição do presidente da Conferência Episcopal no palco do GOP [Grand Old Party] não é um endorsement, um apoio à chapa republicana. Mas claramente é um non-endorsement endorsement (semelhante àquelas "desculpas não desculpas" que se dão ao dizer: "Não era a minha intenção ofender ninguém, caso eu tenha ofendido alguém").
A decisão é sem precedentes históricos [1], e não porque viola a "separação entre Estado e Igreja" nos Estados Unidos – uma separação que não impede que política e religião se combinem como em nenhum outro país ocidental. É sem precedentes, porque o costume – não sem bons motivos teológicos – é que, no máximo, o bispo local (e não o presidente de todos os bispos norte-americanos) ofereça uma oração para um evento público-político desse tipo.
O presidente dos bispos norte-americanos que reza à consagração política do candidato republicano às eleições presidenciais certamente não é apenas "um sacerdote que vai à convenção para rezar", como tentaram dizer de forma nada ingênua na Cúria de Nova York. A especificação do porta-voz de Dolan parece querer dizer que o cardeal também está aberto a um convite dos democratas para a sua convenção no início de setembro em Charlotte: mas depois das relações tempestuosas dos últimos dois anos entre bispos e Obama, a mensagem de Dolan na convenção dos democratas poderia ser muito diferente da bênção dirigida ao duo Romney-Ryan.
Nos três anos como arcebispo de Nova York, Dolan mostrou várias vezes que não tem medo de desafiar as práticas consolidadas: o funcionamento da Conferência Episcopal, as relações com a mídia e as relações entre Igreja Católica e política e com o governo Obama em particular. Contra a Casa Branca, na primavera-verão de 2012, os bispos, liderados por Dolan, moveram uma campanha sem precedentes em nome da defesa da liberdade religiosa, a seu ver violada por algumas normas da reforma da saúde que está prestes a entrar em vigor.
A medida de Dolan se aproxima muito de uma investidura da chapa Romney-Ryan. Ao contrário do católico Joe Biden, um dos últimos "católicos sociais" da velha escola, o companheiro à vice-presidência Paul Ryan é o tipo de católico que agrada a Dolan e ao catolicismo neoconservador e neoliberal norte-americano. Pro-life e pro-business, distante do magistério social dos bispos norte-americanos dos anos 1980, o jovem Ryan recebeu palavras públicas de elogio do cardeal Dolan, enquanto, em abril passado, uma comissão do episcopado norte-americano havia rejeitado o "plano Ryan" para a redução do déficit com estas palavras: "A redução do déficit deve proteger e não danificar as necessidades dos pobres e dos vulneráveis. Os cortes propostos falham nesse requisito moral mínimo".
A decisão de rezar no palco do GOP em Tampa terá muitas consequências. Do ponto de vista eclesial, a medida de Dolan irá dividir ainda mais a Igreja norte-americana, que já vê, quando se trata das emergências sociais do país, os católicos inclinados em posições opostas: grande parte dos bispos e os católicos neoliberais com o Partido Republicano, e a maioria dos teólogos, das irmãs e dos leigos com o Partido Democrata.
Do ponto de vista político, Dolan expõe a Igreja Católica norte-americana contra um partido e uma chapa presidencial como nunca antes: só podemos imaginar que tipo de relações se teria entre Dolan e a Casa Branca se Obama vencesse as eleições. Do ponto de vista cultural, por fim, as eleições de 2012 assinalam uma passagem epocal para a época pós-protestante: não só não há nenhum protestante branco em nenhuma das duas chapas, mas também a questão religiosa da campanha eleitoral não gira em torno do valor moral da Bíblia, mas sim em torno das interpretações da doutrina social da Igreja Católica na sociedade norte-americana.
Há cerca de um século, os Estados Unidos saía da era dos robber barons e da gilded age, para se tornar, também graças ao magistério social da Igreja Católica e do social gospel protestante, um país menos desigual e com um sistema de proteções sociais que o GOP decidiu hoje eliminar em nome de um "evangelho da prosperidade", que soa muito mais a Gordon Gekko do que a Jesus de Nazaré.
O cardeal Dolan, padre católico com doutorado em história, certamente sabe disso, mas decidiu que a cultura liberal do Partido Democrata é o verdadeiro inimigo da Igreja norte-americana e que, para combatê-la, todo meio é legítimo. Pode-se contar com o fato de que essa declaração de guerra será devolvida pela outra metade do país contra os bispos, com consequências de longo prazo que hoje dificilmente são calculáveis para os fiéis da Igreja Católica, a maior do Ocidente.
Nota:
1 - Há um precedente histórico. O cardeal Krol, presidente dos bispos dos EUA, fez o mesmo na Convenção Republicana de 1972 para Nixon.
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A Igreja do lado de Romney - Instituto Humanitas Unisinos - IHU