18 Agosto 2012
Defasado, o Código Penal brasileiro não atende aos anseios da sociedade e tampouco permite que se puna de forma exemplar o crime organizado no país. Segundo o jurista Walter Fanganiello Maierovitch, professor de direito criminal e consultor da União Europeia sobre o tema, caso não haja mudanças no corpo da lei, jamais haverá no Brasil uma iniciativa como a Operação Mãos Limpas, na década de 90 na Itália, que culminou na investigação de mais de 6 mil pessoas, incluindo empresários, servidores públicos e parlamentares, entre os quais os ex-primeiros ministros Giulio Andreotti e Bettino Craxi, que tiveram suas carreiras políticas encerradas após a comprovação de envolvimento com atividades da máfia italiana.
A reportagem é de Guilherme Meirelles e publicada no jornal Valor, 17-08-2012.
Na visão de Maierovitch, a ação do crime organizado no Brasil atingiu um grau de sofisticação semelhante ao que se observou na Itália. Ele cita os fortes indícios apontados nas relações entre o bicheiro Carlinhos Cachoeira, o ex-senador Demóstenes Torres e a construtora Delta.
"Chegou-se a um estágio em que há suspeitas de lavagem de dinheiro de jogo do bicho com licitações fraudulentas de empreiteiras", afirma. Segundo o Código Penal, diz o jurista, situações com esta só podem ser enquadradas por meio da formação de "bando ou quadrilha", segundo o artigo 288. E, na esmagadora maioria das vezes, como os réus são primários, os advogados conseguem habeas corpus para que respondam em liberdade. "A prisão preventiva de Carlinhos Cachoeira é uma exceção no sistema brasileiro", afirma.
O jurista sugere uma emenda que ampliasse o conceito de "bando e quadrilha" para "associações delinquenciais especiais", a exemplo do que foi feito na Itália no final dos anos 80, por iniciativa de um deputado do Partido Socialista. "No Brasil, prevalece a presunção de inocência, que é um princípio correto, mas há situações em que a prisão preventiva é necessária para que as investigações atinjam todos os elos da cadeia criminosa. Com as ferramentas tecnológicas, a cúpula de uma organização pode operar fora do Brasil e corromper internamente". No campo jurídico italiano, entende-se "associações delinquenciais especiais" como aquelas que possuem poder corruptor, como controle de território e controle social, com infiltração no Estado, ao ponto de interferir no processo eleitoral. Outro caso lembrado é o do ex-deputado fluminense Álvaro Lins, com comprovado envolvimento com as milícias cariocas, que responde ao processo em liberdade devido aos seus bons antecedentes.
O jurista defende que a tipificação de crime organizado siga o que foi acordado na Convenção de Palermo, realizada em 2000 e ratificada pelo Brasil em 2008. Segundo o documento, até mesmo doleiros podem ser citados na formação de crime organizado. Maierovitch vai além e apoia a inclusão de entidades religiosas que utilizem espaço comprado em horário de TV para prática de ações classificadas como "verdadeiro estelionato". Entre outras mudanças urgentes, o jurista defende o fim do foro privilegiado para autoridades e a adoção de critérios mais técnicos para indicação de ministros ao Supremo Tribunal Federal (STF), que teriam mandatos de cinco anos, sem direito à reeleição.
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Código penal está aquém dos anseios da sociedade - Instituto Humanitas Unisinos - IHU