08 Agosto 2012
Silvio Waisbord é argentino e está radicado nos Estados Unidos desde 1987, onde é professor da Escola de Mídias e Assuntos Públicos da George Washington University. Seu trabalho se centra na pesquisa em torno da comunicação política. Nesta entrevista, ele repassa os mitos que cercam a Internet e as redes sociais, analisa a agenda midiática e reflete sobre a atual relação dos meios de comunicação e dos governos na América Latina.
A reportagem é de Natalia Aruguete, publicada no jornal Página/12, 06-08-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis a entrevista.
Alguns especialistas têm um olhar apocalíptico sobre o atual cenário dos meios de comunicação. Você acredita que, efetivamente, trata-se de uma "decadência" dos meios tradicionais e uma "crise sistêmica" do jornalismo?
Parafraseando Mark Twain, acredito que a morte das empresas jornalísticas é exagerada. A internet mostra um processo de desmidiatização e de remidiatização. Na realidade, as empresas jornalísticas tradicionais – com muito poucas exceções – são as que concentram grande parte do tráfego da internet. De fato, na internet, há mais concentração do que havia na indústria da televisão e do jornalismo há 20 anos, não só em nível nacional, mas também global. Mas há outro aspecto. Até hoje, pensava-se que a massificação da produção de informação era uma questão de produção, embora a produção não seja a única que pode explicar isso.
Com que essa observação se relaciona?
Com o grande poder que têm os buscadores de informação, como o Google, de remidiatizar essa informação e de remassificar audiências fragmentadas. Como consumidores de informação, buscamos as marcas que nos permitem guiar, navegar no caos informativo que existe. Além disso, dado que, ao consumir informação, maximizamos o tempo, consume-se mais informação agora do que antes. Mas isso não significa que estejamos abertos a consumir qualquer tipo de informação. Em seus hábitos de utilização da informação, as pessoas são muito conservadoras: visitam os mesmos sites sempre – como o Google ou o Yahoo!, ou o The New York Times, Clarín ou Página/12 – como pontos de entrada para o grande universo digital. Isso ajuda na consolidação das marcas estabelecidas no mercado jornalístico, tanto em nível nacional quanto global.
Então, você acredita que a internet ou as redes sociais não foram capazes de abrir e diversificar o acesso à informação?
Para as novas marcas, é muito difícil entrar. Há marcas novas no jornalismo de nicho, mas não chegam ao grande público, que prioriza ir ao site aonde vai todos os dias. Não é que a internet possibilite a você uma grade informativa mais ampla, extensa e variada em comparação com o mundo não virtual. Isso joga em favor das empresas já consolidadas.
Nesse cenário, que oportunidades o avanço tecnológico oferece?
O erro é pensar que a diversidade se relaciona com uma oferta variada de informação, quando o problema da diversidade não é somente uma questão de oferta ou demanda, mas sim de como as pessoas consomem informação. O fato de alguém saber que há qualquer quantidade de informação diversa não garante que se busque informação diferente. O que sabemos é que se intensificou uma exposição seletiva frente aos conteúdos. Mas a "exposição seletiva" foi um achado de Paul Lazarsfeld e de Joseph Klapper nas décadas de 1940 e 1950. Isso foi muito discutido pelas teorias posteriores que, inclusive, superaram a tese das "consequências mínimas" que, segundo esses autores, os meios de comunicação geravam.
Claro, mas há trabalhos recentes que mostram justamente isso. É um mecanismo muito conservador dos usuários. "Exposição seletiva" quer dizer que eu não me exponho a informação que contradiga o que eu já penso. Quando não há informação massiva, as possibilidades de que eu encontre informação que não se ajuste ao que eu quero ou penso – isto é, ao que eu estava predeterminado a escolher – são muito poucas. De fato, hoje há um retorno à ideia de "efeitos mínimos", já que as pessoas preferem se expôr a conteúdos selecionados segundo suas prioridades e preconceitos existentes.
Você acredita que, frente à percepção seletiva, os meios perderam a capacidade de definir a agenda pública?
Hoje, os meios ficam a agenda; a questão é que tipo de agenda. Com relação à agenda pública, se cada vez mais as pessoas leem meios que se ajustam o que já pensam, os meios têm a capacidade de influir na agenda em geral, mas a esfera dos meios hoje é muito mais segmentada e está desagregada. Então, aí há distintos tipos de agendas. A agenda de alguém que lê o Clarín é diferente da de alguém que lê o Página/12 ou o Tiempo Argentino. O fato de haver essa diferença na Argentina entre as agendas que os meios instalam em seus públicos é um fenômeno relativamente novo.
Há alguns anos, alguns estudos demonstraram que o Clarín tinha, além disso, a capacidade de fixar a agenda do resto dos meios. Como se forma a agenda jornalística é outra questão, faz parte de outro processo. A agenda de temas está vinculada fortemente à agenda oficial, isto é, o que o presidente, seus ministros importantes ou pessoas vinculadas ao Parlamento decidem que é importante. A agenda jornalística historicamente seguiu isso. Se o presidente ou a presidenta fala, essa informação chega até o último jornal de oposição; isso continua sendo assim. Entre os jornais da Argentina hoje, embora haja editoriais muito diferentes, não há diferenças importantes no fato do que é informação, ou há diferenças "menores", digamos. A capa, a grande notícia não é muito diferente, mas sim os marcos informativos.
Os pesquisadores que, historicamente, assinalaram que os meios delimitam as principais preocupações na opinião pública insistem hoje que as redes sociais não mudam esse poder dos meios tradicionais. Qual a sua opinião?
Uma grande porcentagem do que se fala hoje no Facebook é do que se fala nos meios. Isso quer dizer que os meios tradicionais também definem a agenda das redes sociais.
Isso quer dizer que não há ali uma contra-agenda.
No Twitter ocorre a mesma coisa: 80% do tráfego no Twitter é de celebridades políticas, artísticas, do mundo do espetáculo, dos esportes. Presidentes e grandes meios marcam o que está sendo falado em um mês. É muito difícil que seja ao contrário; há exceções, mas não é a regra. Esse é um processo em que supostamente há desagregação de audiências, mas também reagregação de audiências: o que se fala no Twitter ou no Facebook não mostra diferenças significativas com relação ao que se fala no The New York Times.
Não é possível pensar no Twitter ou no Facebook como uma fonte de geração de notícias?
Os jornalistas são cotidianamente bombardeados por potenciais fontes de informação, mas o jornalismo não é diferente da sociedade.
Em que sentido?
No sentido de que a sociedade corta esse grande caos informativo consultando e recorrendo àqueles em quem confia, em quem acredita. O jornalismo faz mais ou menos o mesmo. Não há dados que permitam afirmar que o jornalismo produz notícias muito diferente do que como fazia há dez anos, mesmo quando a fonte de informação é totalmente fragmentada e tenha se multiplicado.
Como você vê a relação entre meios e política na Argentina e na América Latina?
Há dois tipos de relações. Um tipo é o dos governos populistas, em que há confronto entre os meios tradicionais e os governos; alguns casos são semelhantes à Argentina e outros são diferentes. O caso do Equador e da Venezuela são ainda mais agudos no confronto e no tipo de prevenção. A questão legal e judicial entre a grande imprensa e os governos como o Equador e a Venezuela não existe na Bolívia, nem na Argentina, nem na Nicarágua. O segundo modelo é o da convivência pacífica ou do domínio histórico dos grandes meios comerciais. Nesses países, não houve tentativas de reforma ambiciosa como houve nos governos populistas. O que, sim, existe é uma efervescência importante em temas de comunicação pública e de comunicação cívica. Há discussões sobre mudança das leis dos meios em muito mais países do que há dez anos. Essa é uma mudança importante.
Por que você acredita que surgem essas discussões?
Porque os meios estão mudando muito, e essa é uma discussão permanente e necessária. Um aspecto muito interessante é o fato de que se trata de uma mudança de políticas de comunicação que é posto pela sociedade civil; não é um assunto que os partidos políticos ou os candidatos trazem, embora com nuances nos diversos países. Há casos em que se percebe uma sociedade civil efervescente, muito dinâmica e com muita discussão, e isso não se reflete na sociedade política.
Por exemplo?
O México e a Colômbia são exemplos disso. O caso do Brasil, até pouco tempo, era exemplo disso. São países onde há muita discussão a partir de meios comunitários, meios cívicos, jornalismo cidadão... e vê-se que a estrutura das políticas de comunicação não reflete nada disso. Há casos diferentes, como o Uruguai, onde as demandas da sociedade civil são absorvidas, aceitas, adotadas pela política. Na Argentina, Equador e Venezuela, o processo é diferente: os temas surgem mais a partir do Estado do que da sociedade civil, e isso se articula com os desejos da sociedade civil. Um exemplo claro é o da lei dos meios.
Que traços você encontra na lei dos meios?
Há um processo cívico, mas isso não foi uma demanda posta pela sociedade civil, mas sim pelo poder político.
Por que você propôs que a América Latina vive uma oportunidade histórica no âmbito comunicacional?
Porque não há outro lugar no mundo onde esteja ocorrendo um processo semelhante em termos de mudanças na estrutura dos meios, além de que estes sejam positivos ou negativos. No restante do mundo, há mudanças econômicas ou tecnológicas, porque o comunicacional é um tema muito dinâmico. É uma oportunidade única para a América Latina, porque, se o processo de reforma não for exitoso, a questão vai se engavetada por muito tempo. Esse é o meu grande temor.
Sou a favor do florescimento de meios públicos e meios cidadãos, mas, se isso não tomar uma forma democrática que favoreça o pluralismo e a representação a longo prazo, esse projeto vai fracassar e será difícil reabilitá-lo depois. Sobretudo porque a sanção da lei dos meios institucionalizou a reivindicação social. Entre 2002 e 2012, assistimos a mudanças muito rápidas em nível de políticas públicas no âmbito da comunicação: acesso à informação pública, leis dos meios de comunicação comunitários, publicidade oficial. É um leque de assuntos muito dinâmico. A questão é pensar na inserção dessas mudanças a longo prazo.
Quais são os principais obstáculos que esse processo encontra para uma democratização do comunicacional?
O financiamento é um dos aspectos mais difíceis. A democracia pressupõe que a informação é um bem público, que a sociedade precisa de informação para funcionar em democracia. O que a democracia jamais explicou é como se vai financiar tudo isso. Nunca. A radiodifusão pública foi como um remendo da democracia ao admitir que se se deixa a produção de informação liberada a critérios comerciais vamos ter problemas, do mesmo modo que se ficar ligada somente a questões estatais. Então, a discussão passa por ver como se financia a informação pública com critérios públicos e não puramente comerciais nem partidários.
Você acredita que a América Latina se encontra nesse dilema?
Pode haver uma estrutura de propriedade diversificada, mas se a estrutura de financiamento for semelhante à de sempre – fundos comerciais ou fundos estatais controlados por um governador ou presidente – o problema persiste. Esse é o grande desafio. O segundo problema é que essa ideia resolve o problema da diversidade, mas não o do acesso. Isto é, o fato de as pessoas terem acesso para expressar os seus problemas não significa que eles estejam canalizados por políticas públicas que os solucionem. Os meios comunitários propõem uma forma de discussão de temas comuns e que essa comunicação não fique sujeita a critérios comerciais. Mas isso não resolve o problema de quem escuta as suas demandas. O desafio não é só de acesso à palavra, mas também de influência nas políticas públicas.
Em seu artigo Repensar a agenda de pesquisa na academia globalizada, você fala de uma crise da comunicação política. Que características você destacaria?
Eu vejo a crise como uma transição, uma mudança, mas não em um sentido negativo. Crise é uma palavra atraente, mas não diz muito. Quando falamos de crise na América Latina, Europa e Estados Unidos, nos referimos a diferentes tipos de crise. É claro que os modelos de comunicação pública estão mudando. Sou partidário de pensar que, embora haja muitos exemplos de mudanças, isso não invalida as velhas práticas.
Como se dá, então, essa relação entre a mudança e o velho?
As novas formas de comunicação pública tendem a se inserir nas velhas estruturas dinâmicas, que não mudam somente porque existem as redes sociais ou porque as pessoas podem organizar uma manifestação comunicando-se via Facebook ou Twitter. É interessante, mas isso não deve mudar totalmente, não debilita o poder de entender o que é informação para os grandes meios. Além disso, eu tomo com cuidado essa versão de "crise" tão abusada; há décadas se fala de crise do jornalismo. Apesar das grandes promessas da internet, o que me parece mais interessante é pensar as dinâmicas de hierarquização: o que é informação, o que não é, o que é notícia, o que não é. Fazemos isso em nível individual todos os dias.
Como se dá essa hierarquização em nível individual?
O não aproveitamento das oportunidades não é somente um problema de grande sociabilidade, mas também de decisões que tomamos cotidianamente. O cidadão comum não é tão bom, tão disposto a cotejar diferentes informações e perspectivas como se pensa a partir de uma certa posição democrática crítica.
E como ele é?
É muito conservador em seus hábitos de utilização da informação. Por mais idealismo que tenhamos frente à ideia do cidadão que se expõe a diferentes ideias, isso não funciona assim. Por isso, eu penso que é urgente a ideia de "exposição seletiva", reforço de opiniões, porque as redes sociais alimentam isso mais do que nunca. No Facebook, as pessoas tendem a apagar os amigos que têm opiniões muito diferentes da maioria dos amigos. Sabemos disso a partir dos estudos de opinião pública: ser diferente das pessoas nos coloca em uma posição muito pouco confortável.
A ideia de "espiral do silêncio" funciona nas redes sociais [a "espiral do silêncio" postula que, frente ao medo de ficar isoladas, as pessoas tendem a identificar a opinião dominante para depois somar-se a ela]. O Facebook tem muito disso: não interessa às pessoas discutir com alguém cujo pensamento é muito diferente; as pessoas gravitam perto de quem pensa de forma mais ou menos similar. A outra questão é que o cidadão não está disposto a pagar por informação: ele é um ator muito mais mesquinho do que imaginamos. Não só não está disposto a escutar ideias diferentes, mas também não está disposto a pagar pelas suas próprias ideias, as que realmente quer ler. Se fosse assim, os meios na internet seriam muito mais exitosos.
Por quê?
Os sites economicamente exitosos são aqueles aos quais as pessoas querem pagar porque utilizam essa informação para questões econômicas e financeiras. "Tudo bem" com a informação como bem público. A questão é: quem está disposto a financiar a informação que se produz?
Em seu artigo publicado no livro Comunicación y salud en la Argentina, você trabalha sobre a "narrativa do risco". Que características você encontra desse tipo de relato nos casos aí analisados (a gripe A e a dengue)?
Naquelas assuntos sobre os quais as pessoas têm experiência pessoal, cotidiana, a ameaça da cobertura de risco e o efeito dos meios são menores. O risco confirma esse efeito midiático em temas sobre os quais não se sabe muito, como é o caso das epidemias. De repente, no inverno, a gripe se converte em um fenômeno estranho, em que a informação que se consume tem muita importância nas condutas das pessoas. Quanto maior é a pluralidade de informação, menor é o impacto dos meios; quanto mais ampla é a rede de relações interpessoais, menos é o impacto das notícias.
Como os meios lidaram com a informação sobre a dengue e a gripe A?
O que acontece é que são casos sobre os quais não se sabe muito, o que não é muito amigável do ponto de vista jornalístico. É mais factível que o jornalista diga: "Sabemos isto e não sabemos aquilo" do que analisar e comparar. Então, a informação foi tratada em termos de certezas. Como no caso da gripe A não se sabe epidemiologicamente qual será a sua evolução, a incerteza é o mais frequente. Mas o jornalismo se baseia em certezas e não em incertezas. Imagine a seguinte manchete: "É factível que...?". Na realidade, o imaginável é: "Especialistas dizem que". O risco é potencial, move-se em uma área de suposições e de especulações, em zonas mais cinzentas do que o branco e preto em que o jornalismo se move.
Como você acha que se deu a relação entre as fontes oficiais e não oficiais?
Os especialistas têm pouco valor informativo se não forem acompanhados por uma fonte política. A cobertura científica dá passagem à cobertura política, porque a fonte política é a que sustenta noticiosamente o assunto. O especialista é um assessor, um acompanhante. Raros são os casos em que o especialista define a agenda.
As fontes políticas admitiram que a gripe A era um problema?
Sim. Em um mundo globalizado, é muito difícil ocultar algo por muito tempo. A informação sempre vaza por algum lugar. Há notícias de capa que são curtas, não têm continuidade. Se é um assunto com capas longas, é porque há uma instância política que o sustenta: isso acontece com notícias de saúde, com temas sociais que existem e são importantes, mas, se não têm noticiabilidade política, é pouco factível que durem muito tempo .
Retomando as relações conflituosas entre meios de comunicação e poder político na América Latina que você assinalava há alguns momentos, você acredita que esse aspecto influi no tipo de tratamento que é feito das fontes oficiais nas coberturas?
As fontes oficiais estão divididas. O jornalismo busca, basicamente, o conflito entre fontes oficiais, faz parte da sua cobertura: isso a torna mais rica e diversificada. Hoje, no conflito que existe entre os diversos meios e o governo, veem-se telas diferentes. A notícia pode ser a mesma, embora as versões sejam muito diferentes. O jornalismo pode cotejar a palavra do presidente ou da presidenta com o dissenso de um deputado de cargo menor ou com um grupo da sociedade civil que produz um relatório frente a isso, mas deve demonstrar qual é a credibilidade da informação que está apresentando frente à informação oficial.
Você acha que na cobertura do chamado "conflito do campo", em 2008, houve características particulares com relação ao tratamento das fontes oficiais e não oficiais?
Mas ali houve um setor organizado, institucionalizadíssimo. Não é um ator menor. O que permite que haja continuidade notícia é a presença de atores na sociedade enfrentados e interessados em que o assunto se mantenha como notícia. Isso é o que acontece quando se produz esse tipo de conflitos. Nos Estados Unidos, com relação à guerra do Iraque, havia 23 senadores opostos a essa guerra, mas se cobriu isso (midiaticamente) como se todos apoiassem a iniciativa do governo de (George) Bush. Não é que não houvesse oposição por fora, mas, se houvesse um Congresso mais taxativamente dividido, haveria uma cobertura diferente da que houve, não necessariamente mais democrática, mas sim diferente. Se são atores da sociedade civil sem poder, sem "chapa noticiosa", é menos provável que isso ocorra. A sociedade civil é sempre figurante nesses assuntos, é muito menos poderosa.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
''Os meios tradicionais também definem a agenda das redes sociais'' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU