08 Agosto 2012
"Desde Collor, passando por FHC e Lula até Dilma, a política econômica do Governo Federal tem feito opção pelo capital e seus adeptos banqueiros, empresários e latifundiários. O PAC é, na prática, Plano de Aceleração do Crescimento das empresas, não do povo. As grandes obras, faraônicas por sinal, tais como Transposição do rio São Francisco, Usinas e barragens de Jirau, Santo Antônio (em Rondônia) e Belo Monte (no Pará), ferrovias, Transnordestina, construção e/ou reforma de portos e aeroportos, doze estádios etc promovem crescimento econômico para um pequeno grupo de grandes empresas, a maioria delas transnacionais. Isso fomenta a especulação imobiliária nas cidades", escreve Gilvander Luís Moreira, frei e padre carmelita, mestre em Exegese Bíblica, assessor da CPT, CEBI, SAB e Via Campesina.
Eis o artigo.
No Jornal A Verdade – Um jornal dos trabalhadores a serviço da luta pelo socialismo – na edição de agosto de 2012, Ano 12, n. 142, p. 8, foi publicada uma entrevista comigo. Na entrevista tratamos de seis assuntos intimamente relacionados. Abaixo, apresentamos, em forma de texto, o teor da entrevista.
1. A luta pelos direitos humanos e a Comissão da Verdade
Dia 16 de maio último, a Presidenta Dilma Rousseff, atendendo a um grande clamor do povo organizado instalou a Comissão da Verdade que em dois anos tentará apurar violações aos direitos humanos ocorridas entre 1946 e 1988, período que inclui a ditadura militar-civil-empresarial. Essa Comissão investigará pelas brechas já abertas pelo Movimento contra a tortura. Esse quer passar a limpo os horrores cometidos nos anos de chumbo. Mas uma Comissão oficial jamais conseguirá o que precisamos: apurar de fato a verdade que liberta, aquela que precisa revelar quem torturou e matou e quem mandou torturar e matar. Para isso será indispensável que o Movimento de luta pelos Direitos Humanos, nas suas mais diversas especificidades, organize e dissemine Comissões de Verdade e Justiça independente do governo e dos militares. Precisamos não apenas de sete, mas de “setenta vezes sete” pessoas integrando Comissões locais e regionais. Não poderemos descansar enquanto não punirmos todos os ditadores e seus vassalos e enquanto não conquistarmos a abertura dos arquivos da ditadura. Em vários países afrolatíndios muitos generais já foram julgados e estão detrás das grades. Perdoar ditadores e torturadores é ser cúmplice da perpetuação da tortura.
2. As contradições do “desenvolvimento” nas grandes cidades.
Desde Collor, passando por FHC e Lula até Dilma, a política econômica do Governo Federal tem feito opção pelo capital e seus adeptos banqueiros, empresários e latifundiários. O PAC é, na prática, Plano de Aceleração do Crescimento das empresas, não do povo. As grandes obras, faraônicas por sinal, tais como Transposição do rio São Francisco, Usinas e barragens de Jirau, Santo Antônio (em Rondônia) e Belo Monte (no Pará), ferrovias, Transnordestina, construção e/ou reforma de portos e aeroportos, doze estádios etc promovem crescimento econômico para um pequeno grupo de grandes empresas, a maioria delas transnacionais. Isso fomenta a especulação imobiliária nas cidades. Com isso, ficam à míngua – quase sem orçamento - as áreas sociais da saúde, educação, habitação, reforma agrária e outros direitos humanos. Assim os empobrecidos estão sendo, de forma sorrateira e lentamente, expulsos para as periferias das regiões metropolitanas. Isso é progresso para uma minoria e desgraça para a maioria. O Deus da vida abomina essa política econômica neoliberal que impõe uma ditadura econômica sobre o povo. Inclusão pelo consumo é enganação. As pessoas não têm só estômago e barriga. A gente quer é vida com dignidade, o que passa por reformas agrária e urbana (que é algo muito diferente de urbanização de favelas), agricultura familiar segundo o paradigma da agroecologia, sustentabilidade ambiental, economia popular solidária e direitos humanos para todos e não só para uma minoria.
3. A criminalização dos Movimentos Sociais Populares que fazem ocupações rurais e urbanas
As condições de vida real do povo não estão coloridas como aparecem na propaganda dos partidos políticos e na grande imprensa. Infelizmente, a injustiça social e ambiental está crescendo e a classe trabalhadora, cada vez mais marginalizada, não está tolerando mais a corda no pescoço. Como uma panela de pressão no fogo, nas entranhas da vida social há efervescência e ebulição. O povo organizado conseguiu inscrever na Constituição de 1988 que toda propriedade deve cumprir sua função social. Para isso é preciso ser simultaneamente produtiva, respeitar o meio ambiente, ter relações trabalhistas justas e partilhar sua produtividade. Descumprindo a função social, perde o proprietário o critério objetivo inerente à propriedade que é o direito de posse. Portanto, um imóvel que não cumpre a função social e está vazio deve sim ser ocupado. Ninguém tem a posse de uma área vazia. Posse é algo concreto, real, que se pode tocar e pisar. Em outras palavras, que está nas mãos. Como consequência lógica não pode o Poder Judiciário, baseado somente no registro, dar as garantias da ação possessória. Invasor é aquele que se diz proprietário sem legitimidade. Em um país campeão em concentração fundiária e com grandes propriedades sem cumprir sua função social, ocupar é um direito e um dever. Ai dos pobres que não se unem e não se organizam para ocupar os terrenos abandonados. Morrerão aos poucos. Parabéns ao povo das ocupações que está lutando por emancipação humana a partir da conquista da terra.
4. Ameaças de morte (e de ressurreição)
Já fui ameaçado de morte (e de ressurreição) muitas vezes. É só os conflitos se acirrarem e a luta de classe acontecer que as ameaças surgem. Logo após o covarde e truculento despejo da Ocupação Eliana Silva, do MLB, em Belo Horizonte, MG, dias 11 e 12 de maio último, quatro homens foram vistos no portão da minha casa em um horário em que eu deveria chegar, mas quem chegou foram outros dois frades. De 22 de junho último, até o dia 14 de julho, recebi no meu celular oito ameaças. Um ameaçador ligando a partir de telefone público e dizendo “Padreco, sua batata queimou. Some de Belo Horizonte enquanto é tempo.” Depois: “Você ainda está em Belo Horizonte? Se prepare!” Coisas desse tipo. Sei muito bem que acompanhar as ocupações rurais do MST em Minas Gerais e as ocupações urbanas em Belo Horizonte, Itabira, Timóteo e Uberlândia, denunciar as injustiças sociais e ambientais, cobrar direitos humanos dos presos e dos homossexuais, tudo isso consola quem está na aflição, mas incomoda quem está gozando as benesses do capitalismo. Mas seguiremos lutando até o dia em que construirmos uma sociedade justa, solidária, ecumênica e sustentável ecologicamente. Ai de nós se nos calarmos diante de tantas violências perpetradas contra os pobres. O Deus da vida conta conosco nessa empreitada de luta por vida e liberdade para todos e tudo.
5. Ocupação Eliana Silva: organização, despejo e a continuidade da luta por moradia digna
As 350 famílias sem-terra e sem-casa da Ocupação Eliana Silva se organizaram durante meses buscando se libertar da cruz do aluguel, que come no prato do pobre, que é veneno para quem ganha só salário-mínimo. Na madrugada do dia 21 de abril de 2012, em Belo Horizonte, MG, ocuparam um terreno abandonado há mais de 40 anos. O MLB coordenou a Ocupação Eliana Silva com idoneidade, com participação ativa e paixão pela defesa dos pobres. Durante três semanas, a comunidade se construía. Mas o prefeito de Belo Horizonte, Márcio Lacerda, exigiu na justiça reintegração de posse, mesmo sem comprovar ter a posse do terreno. O Judiciário - defensor do privilégio que é propriedade só para alguns – mandou despejar Eliana. Sem avisar, chegaram mais de 400 policiais da polícia militar de Minas Gerais: tropa de choque, GATE e outros pelotões da PM, inclusive com caveirão, um tanque de guerra. A Ocupação Eliana Silva resistiu 36 horas, inclusive dormindo ao relento após terem suas barracas destruídas. O povo foi despejado, mas não baixou a cabeça. Está se organizando para um novo embate. A luta vai continuar até depois que todos conquistem terra e moradia digna. O povo da Eliana Silva está de parabéns pela firmeza, organização e ousadia com que está lutando. Não foi em vão o choro das crianças e toda a dor perpetrada pelo Estado. Vamos transformar a sexta-feira da paixão que fizeram com a Ocupação Eliana Silva em um domingo de ressurreição.
6. Movimentos Sociais Populares e Imprensa Popular nos próximos anos
Infelizmente, a crise plural que nos envolve se agravará, pois o dragão, que é o capitalismo, ainda soltará muito fogo sobre os empobrecidos e sobre a biodiversidade. A crise econômica europeia está chegando ao Brasil. As massas estão sendo seduzidas pelo canto da sereia da inclusão pelo consumo. A dívida externa foi internalizada. Com isso a dívida pública que o Estado brasileiro tem para com 20 mil banqueiros é quase impagável. É uma tremenda injustiça deixar de investir anualmente 250 bilhões de reais nas áreas sociais para repassar para banqueiros credores da dívida pública. Estima-se que em paraísos fiscais Maluf e muitos outros magnatas brasileiros já esconderam mais de 520 bilhões de reais. As massas vão sentir cada vez mais as consequências do endividamento, a intensificação do trabalho, arrocho salarial e as agruras de morar cada vez mais distante dos centros das cidades. Nesse contexto, felizes os empobrecidos que se unem, se organizam e, de cabeça erguida, partem para a luta. Sonho com o dia em que todos os Movimentos Populares do campo e das periferias das cidades deem as mãos e em lutas conjuntas possam sacudir o edifício do capitalismo que está podre e deve ser derrubado o quanto antes. O que move o mundo, no mais profundo, não são as armas, mas os sonhos libertários. Sonhemos acordados, de mãos dadas na luta. É preciso acreditar na força da microcomunicação através dos jornais populares, rádios populares, internet – e-mails, facebook, twitter, blogs, sítios etc. Cada militante deve adquirir o hábito de colecionar endereços eletrônicos e, assim, ampliar seus braços, sua voz e seu corpo. A luta faz nascer e crescer a esperança. Só perde quem não entra na luta ou quem desiste da luta. Lutar até depois da vitória, eis a nossa tarefa que deve ser abraçada por amor, por paixão.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Movimentos sociais populares e a luta por direitos humanos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU