19 Junho 2012
Num dia histórico que produziu a imagem da visita do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à mansão do ex-inimigo, o deputado federal Paulo Maluf (PP), para selar a aliança entre os dois partidos em torno da candidatura do petista Fernando Haddad à Prefeitura de São Paulo, quem ofuscou o encontro foi a vice da chapa, a deputada federal e ex-prefeita Luiza Erundina (PSB).
A reportagem é de Cristian Klein e Raphael Di Cunto e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 19-06-2012.
Até o fim da noite de ontem, Erundina era procurada por dirigentes e colegas de partido que se diziam "impactados" por declarações suas feitas à tarde, em reação ao acordo protagonizado por Lula, Maluf e Haddad. Em entrevistas à imprensa, a ex-prefeita afirmou que vai desistir de ser vice, em razão da entrada do PP de Maluf na coligação.
Na sexta-feira, a indicação de Erundina para vice foi anunciada por petistas e pessebistas numa cerimônia emocionada que contou com a presença do presidente do PSB, o governador de Pernambuco Eduardo Campos.
"Estou chocado, nunca imaginei isso. Ela sabia da aliança entre o PT e o PP, todo mundo sabia. O problema é que quando aconteceu, de fato, ela levou um choque de 320 volts, não foi nem de 220 volts. Não conseguiu digerir", afirmou o vereador Juscelino Gadelha (PSB). Ele afirmou que será "muito ruim para todo mundo" se a desistência de Erundina ocorrer. "Se for verdade, é uma tragédia", disse. O segundo nome cogitado pelo partido era o do secretário de Educação Básica do Ministério da Educação, Cesar Callegari. A substituição, porém, não é mais possível, já que o prazo de desincompatibilização venceu no início do mês.
O vereador, ainda que à espera de uma confirmação de Erundina, disse que outros nomes podem ser oferecidos, como o do vereador e presidente do diretório municipal, Eliseu Gabriel.
Carlos Siqueira, primeiro-secretário nacional do PSB, se disse surpreso e não lembrar em sua carreira de situação semelhante, de um pré-candidato a vice desistir em razão da entrada de um parceiro numa coligação. "Seria totalmente inusitado. Estou impactado. O partido teve a melhor das intenções ao sugerir o nome dela. Mas evidente que a manutenção depende só dela. Ninguém pode dizer ao contrário. O Maluf é quase uma antítese, mas são as contradições da vida. O PT tem inteira liberdade. Quando [um partido] tem a titularidade do cargo, tem o comando do processo", disse Siqueira.
O dirigente afirmou que Erundina foi escolhida pela direção nacional como um gesto do PSB ao PT, para lhe oferecer um "quadro top", o melhor que a legenda tem à disposição em São Paulo.
Em entrevista à "Veja", Erundina disse que a ligação de Maluf com o regime militar é inaceitável. O deputado foi uma das figuras mais emblemáticas que apoiaram a ditadura. "Se for por nomes, meu partido tem outros a indicar. Pessoalmente não vou aceitar. Vou rever minha posição", afirmou a pessebista.
O apoio de Maluf ao PT foi selado ontem com o discurso de que reproduz a parceria entre as duas legendas no governo federal - o PP comanda o Ministério das Cidades desde 2005. Na época, Lula nomeou Márcio Fortes, indicado do então presidente da Câmara dos Deputados Severino Cavalcanti (PP-PE), para aumentar a base no Congresso no auge da investigação do mensalão.
A parceira foi usada tanto pelo PT quanto pelo ex-prefeito para esquecer os conflitos do passado. "Há 12 anos éramos rivais e hoje somos aliados", afirmou o presidente do PT, Rui Falcão, que refuta comentários de que o partido esqueceu sua história. "O Brasil mudou. Mudou o eleitorado e mudaram os partidos que resolveram apoiar nosso projeto nacional, como é o caso do PP", disse.
O ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, artífice da abertura do PT para alianças com partidos tidos como conservadores, escreveu em seu blog que seria um "grave erro" recusar o apoio do PP por causa de Maluf. "Aí seria negar nossas vitórias conquistadas graças a alianças em 2002, 2006 e 2010, bem como nossos três governos de coalizão", disse
Não é, porém, o que pensa Erundina. Haddad, antes das ameaças da deputada de deixar a vice, disse compreendê-la, embora veja como contraproducente "fulanizar o debate". "Se você retomar o período de 20, 24 anos atrás, as forças políticas se comportavam de maneira diferente. Hoje temos um projeto nacional que tem o PP como aliado no Ministério das Cidades", afirmou.
Depois das ameaças, o petista preferiu não se manifestar até conversar pessoalmente com Erundina que, segundo a assessoria de Haddad, não havia comunicado a desistência de compor com o PT.
No estilo que o tornou famoso, Maluf ignorou as críticas e elogiou as gestões Erundina (1989 a 1992) e da ex-prefeita e hoje senadora Marta Suplicy (2001 a 2004), nas duas vezes em que o PT o derrotou para a prefeitura. "Tenho muito respeito pela ex-prefeita Luiza Erundina, que foi uma boa prefeita, correta, decente. Prova disso é que a sucedi e não houve perseguição", afirmou.
O ex-prefeito diz que não existe "esquerda e direita" e que Haddad é o melhor nome para a capital. "Por amor a São Paulo, tenho plena convicção que a cidade vai precisar do governo federal, da presidente Dilma e do presidente Lula, para resolver seus problemas", afirmou. Pela aliança, Maluf pôde indicar Osvaldo Garcia para a Secretaria de Saneamento Ambiental do Ministério das Cidades. Ele negou o acordo, dizendo que não conhece Garcia, e Haddad afirmou que cabe ao PP decidir pelos cargos do ministério.
O deputado não quis comentar se sairá do governo Alckmin (PSDB), onde indicou o presidente da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU). "Fiz opção pela parceira com o governo federal", afirmou. Maluf queria nomear o Secretário Estadual de Habitação, mas ouviu do tucano que o cargo seria negociado após a eleição.
A aliança dará ao petista mais um minuto e 39 segundos de propaganda eleitoral na televisão. Se fechar o apoio do PCdoB, que ameaça compor com o deputado federal Gabriel Chalita (PMDB), terá o maior tempo de televisão, à frente de Serra.
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Erundina reage à aliança com Maluf e diz que abandonará chapa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU